Jornal Estado de Minas

COVID-19

Em busca da vacina brasileira, país financia 11 projetos

A vacinação contra a COVID-19 começou no Brasil mergulhada em incertezas e sem garantia de matéria-prima necessária para um país de dimensões continentais, enquanto pesquisadores da saúde se debruçam sobre estudos ainda distantes de um sonhado imunizante nacional. O esforço deles renova a esperança dos brasileiros de vencer com independência a doença respiratória.



Na contramão dos problemas que caracterizam o desenvolvimento científico no país, 11 projetos e 16 candidatas verde-amarelas à vacina contra o Sars-CoV-2 estão em andamento, segundo balanço do Ministério da Saúde. Três iniciativas têm os pés fincados em Minas Gerais, dentro das universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e de Viçosa (UFV), e no Instituto René Rachou, unidade da Fundação Oswaldo Cruz no estado, também conhecida como Fiocruz Minas.

 

A maioria dos estudos parte de projetos de pesquisa apoiados diretamente pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI), por meio da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Há também programas contemplados por investimentos das pastas de Ciência e Tecnologia e da Saúde, na forma de chamada pública, para contratação de pesquisas sobre COVID-19 e outras síndromes respiratórias agudas graves.

 

Todos os trabalhos estão sendo coordenados em universidades e instituições públicas de pesquisa. Ainda de acordo com o relatório técnico “Monitoramento de vacinas em desenvolvimento contra o Sars-CoV-2”, elaborado pelo Ministério da Saúde, os projetos estão na fase pré-clínica. Trata-se da etapa em que é identificada uma molécula candidata a promover a imunização, antes dos estudos clínicos, quando passam a ser feitos os testes em humanos.





 

Logo no início da disseminação do coronavírus, o MCTI criou a RedeVírus MCTI, fórum de assessoramento científico, de caráter consultivo, para auxiliar na definição de diretrizes e prioridades no combate à doença pela pasta. Foram direcionados investimentos em pesquisas que promoveram o sequenciamento do vírus, a produção de testes diagnósticos com tecnologia nacional, o reposicionamento de fármacos e o desenvolvimento de vacinas contra a infecção, bem como estudos sobre os impactos econômicos e sociais da pandemia.

 

O centro de pesquisas em biotecnologia CT Vacinas, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é uma das instituições que vêm elaborando estudos nesse sentido. A pesquisa mineira utiliza vetores virais, como o vírus da influenza, adenovírus, entre outros, para gerar resposta imunológica contra o coronavírus, sendo capaz de proteger concomitantemente contra mais de um patógeno. A estratégia é semelhante à da vacina de Oxford.

 

“A técnica consiste em usar o vírus da influenza como vetor vacinal. Como se trata de um vírus que não se replica, ele infecta a célula hospedeira, mas não causa a doença. Porém, continua gerando uma resposta imune e a produção de anticorpos. Com esse processo, uma das possibilidades é desenvolver uma vacina bivalente, que possa ser usada contra a influenza e contra o coronavírus”, explica o pesquisador Ricardo Gazzinelli, coordenador do projeto.





 

Ainda em Minas Gerais, a Universidade Federal de Viçosa (UFV) está direcionando esforços para a produção de três imunizantes. Um deles deve, em breve, entrar na fase de testes, primeiro em animais de laboratório. Essa vacina, chamada VLP (virus like particle, na tradução do inglês) parte do uso de tecnologias de engenharia genética. Embora não tenham o genoma viral, essas partículas são capazes de induzir a resposta imune. São criadas a partir das proteínas do vírus, mas não são infecciosas, e têm sido usadas com sucesso em seres humanos há mais de 40 anos para o desenvolvimento de vacinas.

 

Outras duas vacinas estão sendo desenvolvidas pela UFV: a vacina atenuada e a de subunidade proteica. A primeira, com base na vacina da febre amarela, na qual a proteína S (spike) do novo coronavírus (proteína usada pelo coronavírus para penetrar nas células, alvo dos anticorpos) será inserida (em fase de construção gênica), e a segunda que parte da adição da proteína S do Sars-CoV-2 a um fungo (em fase de indução desse fungo). Todos esses projetos começaram no fim de agosto de 2020, quando o MCTI lançou os editais para financiamento das pesquisas.

 

Controle e independência “O domínio dessas tecnologias é o pilar para o desenvolvimento cada vez mais rápido de vacinas, de forma que possamos lidar tanto com mutações quanto com o aparecimento de novas enfermidades de forma rápida e segura, podendo produzir uma nova vacina em meses”, afirma Sérgio Oliveira de Paula, coordenador da pesquisa na UFMG.





 

Outra iniciativa, coordenada pelo imunologista Jorge Kalil (Instituto do Coração/Incor, da Universidade de São Paulo/USP), é também baseada em proteínas do Sars-CoV-2, colocando-as em nanopartículas ou usando uma plataforma VLP. A ideia é desenvolver uma versão nasal da vacina, em vez de intramuscular, que seja a definitiva contra a doença, pois possibilitará a produção de diferentes anticorpos, com baixa incidência de reações adversas em vacinas desse tipo.

 

“Estudamos a resposta de anticorpo e celular de mais de 200 pessoas que tiveram a doença e selecionamos os melhores alvos que desencadeiam uma resposta eficaz contra esses fragmentos virais, que chamamos de peptídeos. Há pedaços da spike também”, explica Kalil, que chefia o Laboratório de Imunologia do Incor/USP e lidera a pesquisa.

 

A Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP também desenvolve um projeto apoiado pelo MCTI, coordenado pelo professor e especialista em imunobiológicos Celio Lopes Silva junto à empresa de biotecnologia Farmacore, ainda em parceria com a PDS Biotechnology Corporation. A vacina utiliza proteínas do próprio coronavírus que ativam o sistema imunológico e funciona em associação com um sistema que garante a entrega dos antígenos às células certas. Os resultados dos estudos não clínicos (toxicidade e imunogenicidade) demonstram qualidade e competitividade para ser um produto importante, nacional e global, no controle da doença. A vacina mostrou capacidade de ativar todo o sistema imunológico (imunidade humoral, celular e inata), induzir memória imunológica e proteção de longo prazo.





 

Denominada Versamune-CoV-2FC, a vacina acaba de receber o apoio da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para submeter a documentação dos ensaios não clínicos para análise inicial, e posterior submissão do protocolo para o ensaio clínico. “É responsabilidade da comunidade científica ser flexível e garantir que estamos priorizando a vacina com maior potencial clínico. Estamos entusiasmados em continuar os estudos  na luta contra essa pandemia”, diz Helena Faccioli, presidente da Farmacore.

 

(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press)

 

Brasil ficou vulnerável

 

Para o virologista do CT Vacinas Flávio da Fonseca, está clara a importância estratégica do desenvolvimento de uma vacina nacionalizada. Em sua avaliação, o Brasil adotou política externa que não é bem-vista aos olhos dos principais fornecedores de vacinas no mundo, e agora depende de outros países, como a China e a Índia, para conseguir insumos. “Nossa campanha de vacinação acabou de começar e corre o risco de ser paralisada porque não há número de doses suficientes. Vamos acabar dependendo de importação e isso coloca o Brasil em uma posição extremamente vulnerável. A questão da dependência da importação ficou muito clara”, diz.

 

O pesquisador lembra que isso aconteceu em 2020 em relação a kits de diagnóstico, e agora com as vacinas, em uma escala grave. Outro aspecto levantado pelo virologista, do ponto de vista técnico, é que, se surgirem no país novas variantes do vírus que poderiam não ser suscetíveis às vacinas dos parceiros estrangeiros, a produção nacional de componentes contra essas possíveis variantes será ainda mais urgente. Isso porque, se forem versões dos vírus que aparecerem apenas no Brasil, não seria de interesse de outras nações atuar nesse sentido.





 

Esse cenário, acrescenta Flávio da Fonseca, traz à tona uma discussão importante. “Os países que desenvolveram vacinas estão com os imunizantes em testes clínicos em seres humanos prontas para ser licenciadas têm tradição de investimento em ciência. Por aqui, isso até aconteceu um pouco no ano passado, mas quando a pandemia já era severa. Não adianta só disponibilizar o dinheiro. Os laboratórios já vinham sucateados, pesquisadores desanimados, estudantes indo para o exterior. Os laboratórios não conseguem agir com velocidade se não houver um investimento pregresso, perene e constante”, pontua.

 

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