Vítimas da catástrofe socioambiental, parentes das vítimas e moradores da região onde a barragem B1 da Mina Córrego do Feijão se rompeu em 25 de janeiro de 2019, deixando 270 mortos, expõem sua preocupação quanto a suas vidas e às diretrizes da Vale, dona do empreendimento, creditando a angústia, em grande parte, à falta de transparência e de informações por parte da mineradora. Qual será o futuro?
Nesta entrevista, o diretor da Reparação e Desenvolvimento da empresa, Marcelo Klein, fala sobre as ações da empresa e diz acreditar que o acordo de compensação ao Estado será finalizado, resultando “em importantes avanços não apenas em toda a área afetada pelo rompimento como em diversas outras regiões do estado, pelo bem da população mineira”.
'Nosso compromisso é jamais esquecer Brumadinho, sermos transparentes e trabalhar constantemente a escuta ativa'
Passados dois anos do rompimento da barragem B1 da Mina Córrego do feijão, em Brumadinho, qual a explicação, curta e direta, da Vale, aos mineiros?
Abro esta conversa reforçando que a Vale reconhece, desde o dia do rompimento, nossa responsabilidade pelos danos causados e pela reparação integral das comunidades atingidas. Ao mesmo tempo em que reitero mais uma vez nosso pesar e pedido público de desculpas, este é um momento oportuno de olhar tanto para trás, prestando satisfação a toda a sociedade sobre as obrigações de reparação e compensação que cumprimos, quanto para a frente, apresentando o que faremos pelo resgate da dignidade econômica, social e emocional das pessoas e comunidades de alguma forma impactadas.
Como já disse outras vezes, as ações de reparação em Brumadinho têm nos ensinado muito. Só promoveremos uma reparação ampla, justa e célere, se conseguirmos contemplar os principais anseios das pessoas e das comunidades. Muitas vezes eles são difusos e até conflitantes entre si, mas é nosso dever ouvi-los humildemente e achar as melhores soluções para todos. Para isso, buscamos atuar com muita empatia, sensibilidade e senso de urgência. Vejo que cada membro da equipe que trabalha comigo carrega isso dentro de si, e é isso me faz acreditar cada dia mais que conseguiremos o quanto antes devolver a paz que as pessoas tanto esperam.
Pessoas atingidas e familiares dos que morreram na tragédia se queixam ainda da falta de informações por parte da Vale. Cobram transparência. Por que isso ainda ocorre? Um manifesto nesse sentido foi entregue à Justiça.
Durante todo o processo de reparação, nos mantemos abertos ao diálogo construtivo com as famílias impactadas e as comunidades e também com os órgãos competentes e poder público para discutir e avaliar permanentemente e em conjunto eventuais impactos e propor soluções. Em todas as comunidades atingidas temos mais de 400 profissionais que atuam especificamente nesse diálogo, são as equipes de Relacionamento com a Comunidade.
Também temos as equipes com foco no acompanhamento da saúde dos atingidos, a quem chamamos de Referência da Família. Além disso, abrimos postos de atendimento à população, que chegaram a ficar abertos 24 horas por dia nos momentos de maior necessidade de informação das pessoas. Também temos espaços específicos para qualquer pessoa ou família que se sinta atingida nos procurar junto com seus advogados ou defensores públicos para discutirmos com muita franqueza e agilidade suas possíveis indenizações.
Há também uma plataforma on-line de consulta sobre os pagamentos emergenciais, que hoje abrangem mais de 106 mil pessoas. Disponibilizamos ainda um canal de atendimento telefônico 0800 sempre disponível para informar e esclarecer dúvidas e realizamos reuniões periódicas com a comunidade para assuntos específicos. No total, já atendemos mais de 89 mil demandas das pessoas. Por fim, mantemos nossos canais de comunicação ativos, enviando comunicados e informativos às pessoas e também esclarecemos os questionamentos da sociedade pela imprensa. Só para jornalistas respondemos mais de 5 mil questionamentos nestes dois anos.
Moradores de áreas devastadas e de outros trechos do Vale do Rio Paraopeba afirmam ser pegos de surpresa, durante a pandemia do novo coronavírus, com corte no fornecimento de água e recebimento de água sem qualidade. Queixam ainda que não têm expectativa sobre a continuidade dos auxílios emergenciais. Qual a resposta da Vale?
Nós lamentamos muito os impactos gerados pela interrupção da captação no rio Paraopeba e não medimos esforços para garantir que as pessoas impactadas tenham água de qualidade sempre à disposição e em quantidade suficiente. Realizamos mais de 2 mil visitas e 15 mil atendimentos para identificar o volume necessário para atender plena e regularmente cada família e produtor rural elegíveis ao longo de 250 quilômetros de extensão do rio (de Brumadinho a Pompéu).
Em janeiro de 2021, passamos da marca de 1 bilhão de litros de água distribuídos para uso doméstico, irrigação e dessedentação animal. Também nos certificamos da qualidade da água distribuída. Todos os caminhões-pipa que fazem a distribuição são higienizados mensalmente por empresas especializadas. A água já é captada tratada pela Copasa em duas estações de tratamento, em Juatuba e Curvelo e, antes de cada entrega, adicionalmente fazemos a análise do teor de cloro e analisamos também outros parâmetros, como cor, pH e coliformes totais por amostragem em laboratórios credenciados e independentes. Em casos de violações, a água é imediatamente descartada e o caminhão higienizado novamente.
O pagamento emergencial mensal segue a cerca de 106 mil pessoas residentes em Brumadinho e até um quilômetro do leito do Rio Paraopeba. Os recursos destinados ao auxílio emergencial ultrapassam R$ 1,7 bilhão. Conforme acordado com o governo de Minas e as instituições de Justiça, o auxílio vem sendo renovado nos últimos meses e a atual renovação está válida até 31 de janeiro de 2021.
O que a empresa tem feito de concreto para socorrer os atingidos?
Desde as primeiras horas após a ruptura, dois anos atrás, a empresa tem cuidado das famílias e comunidades impactadas, prestando assistência para restaurar sua dignidade, bem-estar e meios de subsistência. Nossos esforços de reparação dos danos causados a partir daquele 25 de janeiro de 2019 são incessantes e já alcançaram, a nosso ver, importantes avanços. Já destinamos R$ 10 bilhões em ações de reparo que incluem cuidados de saúde, moradia, obras de revitalização e de infraestrutura, como construção de creches e escolas para as crianças...
Outra etapa chave no processo é a indenização às pessoas, que permite uma efetiva retomada de suas vidas, com olhar voltado ao futuro. No âmbito trabalhista, que abarca os parentes das vítimas – majoritariamente colegas nossos na empresa –, já fechamos acordo com praticamente todas as famílias. No âmbito cível, que abrange demais atingidos, já indenizamos 8.700 pessoas. Neste biênio, também mantivemos pagamentos emergenciais a mais de 100 mil pessoas como garantia de segurança financeira a todos. Fizemos avanços significativos, não medimos esforços e temos consciência de que ainda falta muito a fazer para conduzir Brumadinho e outros territórios atingidos à condição que a sociedade espera de todos nós.
Outra grande preocupação das pessoas atingidas se refere às condições de segurança das barragens remanescentes, a exemplo de condições tóxicas e ecológicas do Rio Paraopeba. O que tem sido feito?
A Vale adotou uma série de medidas para melhorar a gestão de suas barragens. Todas são monitoradas permanentemente por dois modernos Centros de Monitoramento Geotécnicos, além de inspeções em campo, monitoramento por radares, estações robóticas, câmeras de vídeo com inteligência artificial, drones etc. Após o rompimento da B1, a empresa deu início ao processo de descaracterização de todas as barragens com alteamento a montante, como a de Brumadinho.
Embora seja um processo de engenharia longo e complexo, a Vale está muito empenhada em agilizar esse trabalho. Das 29 estruturas que mapeamos para serem descaracterizadas, quatro já foram concluídas e uma tem conclusão prevista para os próximos meses. Convido a todos para acompanharem as informações sobre o plano de descaracterização em nosso site www.vale.com/esg.
Moradores de bairros como o Córrego do Feijão dizem que a região se tornou "fantasma ", situação agravada com a pandemia do novo coronavírus. Houve alguma ação para socorrer as famílias residentes?
Uma das principais ações em Córrego do Feijão especificamente é o projeto do Território-Parque, que tem a premissa de requalificar e deixar um legado para a comunidade. Ele inclui ações de melhoria da infraestrutura (reforma, pavimentação e urbanização de ruas, casas e estruturas), reativação econômica e desenvolvimento do turismo local, além de cuidado com a memória das vítimas do rompimento.
A partir do diálogo constante com os atingidos, avançamos com as ações de reparação não só em Córrego do Feijão como também em outras comunidades. Além de investir no bem-estar coletivo das comunidades, com obras voltadas para equipamentos públicos e infraestrutura urbana, conduzimos programas como o Projeto de Qualificação Profissional, promovido pelo Instituto Yara Tupynambá, e o Ciclo Saúde.
Em Brumadinho como em São Sebastião das Águas Claras (Macacos), em Nova Lima, onde centenas de famílias tiveram que deixar suas casas, o turismo deixou de ser atividade econômica para virar negócio de altíssimo risco. Há algum estímulo por parte da empresa?
Uma das primeiras iniciativas da Vale, em Brumadinho, foi o financiamento da campanha publicitária “Abrace Brumadinho”, que levava a todo o Estado a mensagem de que o município continua sendo um dos mais belos de Minas Gerais. Concluímos recentemente o Projeto de Fortalecimento da Competitividade do Setor Privado do Turismo, em parceria com o Circuito Veredas, que reúne cerca de 50 empreendimentos em uma grande cadeia de parceria, na qual foram identificadas importantes oportunidades de crescimento do turismo na cidade.
Em Macacos, também investimos em campanhas de marketing e no carnaval do ano passado, revitalizamos a tricentenária igrejinha de São Sebastião e agora estamos construindo um caminho alternativo para permitir o acesso seguro à Trilha das Perdidas, uma das principais da América Latina para mountain bike e motocross, entre outras ações previstas no Plano de Compensação do Território. Em paralelo a isso, acredito que a atividade turística de ambas as regiões vai melhorar muito com o fim dos impactos causados pela pandemia do coronavírus.
O comércio é outro setor que amarga prejuízos e desespero...
Em parceria com o poder público e com a Federação das Indústrias de Minas Gerais, estamos implementando uma série de programas em Brumadinho a partir das vocações econômicas locais. O comércio, como todo o setor de serviços, será incentivado. Além do emprego, cada posto de trabalho gerado no comércio significa outros muitos na cadeia de fornecedores. Trabalhando em parceria com a comunidade e a prefeitura, iremos resgatar e diversificar valores da economia local. Este é, inclusive, um dos pilares do nosso Plano de Reparação Integral e do acordo que negociamos via Tribunal de Justiça de Minas Gerais nos últimos meses.
A saúde dos moradores é outro ponto de tristeza, nesses dois anos, com muita gente recorrendo a psiquiatras e a remédios controlados para seguir em frente. Como tem sido o suporte da Vale?
A atenção e cuidado com as pessoas é nosso foco mais sensível de atuação em Brumadinho. Ainda em 2019, lançamos o Programa Referência da Família, que conta uma equipe de profissionais para prestar assistência médica e psicossocial às pessoas. Esse acompanhamento próximo tem sido fundamental. Além desse cuidado, também assinamos acordo de cooperação com a prefeitura de Brumadinho para repasses que já ultrapassaram R$ 30 milhões destinados, exclusivamente, à ampliação da assistência de saúde e psicossocial no município. Paralelamente a isso, já realizamos mais de 64 mil atendimentos médicos e psicossociais em Brumadinho e região.
Diante de situação tão calamitosa, qual é a mensagem da direção da Vale às famílias atingidas?
Nosso compromisso é jamais esquecer Brumadinho, sermos transparentes e trabalhar constantemente a escuta ativa, endereçando todas as demandas que recebemos. Ao longo destes dois anos, avançamos no processo de indenização individual e por grupo e em projetos voltados para a saúde, capacitação e bem-estar das pessoas. Agora, caminhamos para outro estágio do nosso desafio. Passamos a trabalhar também em ações de longo prazo para solução definitiva dos impactos causados e da compensação às pessoas e comunidades. Já temos robustos projetos de recuperação ambiental de toda a calha do rio Paraopeba que, diga-se, já começa a dar importantes sinais de revitalização.
Também temos um amplo conjunto de iniciativas para fortalecer e diversificar a economia de Brumadinho e região. Junto com outros projetos de infraestrutura e assistência humanitária, acreditamos que ajudaremos a melhorar a qualidade de vida e bem-estar das famílias. E ainda acreditamos que finalizaremos o acordo de compensação ao Estado, que também resultará em importantes avanços não apenas em toda a área afetada pelo rompimento como em diversas outras regiões do estado, pelo bem da população mineira.