O julgamento dos três médicos acusados de retirar os órgãos de um menino de 10 anos ainda vivo, há 21 anos, começou nesta quinta-feira (28/1), em Belo Horizonte. O crime, que ficou conhecido como Caso Pavesi, ocorreu em Poços de Caldas, no Sul de Minas Gerais. Eles vão à júri popular por crime doloso contra a vida, ou seja, com intenção de matar.
A sessão começou com atraso de duas horas no Primeiro Tribunal do Júri, no Fórum Lafayette, Região Centro-Sul de Belo Horizonte. O júri, presidido pelo juiz Daniel Leite Chaves, indeferiu requerimentos dos advogados dos médicos pedindo a suspensão da sessão e questionando depoimentos de testemunhas por videoconferência.
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Nesta quinta-feira (28/1), o pai da vítima, o empresário Paulo Pavesi, deu depoimento que durou cerca de duas horas. Antes de começar, os advogados dos acusados questionaram o fato dele ser testemunha por ser parente da vítima. O juiz não acatou os argumentos da defesa, mas o advertiu do compromisso em dizer a verdade ao ser ouvido como testemunha de acusação e das implicações legais de seu testemunho.
No salão do júri, o empresário disse que atualmente reside em São Paulo. Ele contou do acidente e sobre quando recebeu a notícia do filho. Segundo Paulo, ao saber do estado de saúde da criança se manifestou que doaria os órgãos, mas advertiu que isso só ocorreria caso houvesse morte cerebral. Até porque, a condição do filho não era definitiva.
O empresário explica que só depois ficou sabendo que a retirada dos órgãos foi de forma irregular.
Na época, Paulo chegou a presentear os médicos com placas de prata pelos cuidados que eles tiveram com o filho. E na sequência, descobriu, por meio das contas do hospital, que cobraram tratamentos e medicamentos incompatíveis com o tratamento que o filho recebeu. As denúncias teriam motivado uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). Ele diz ter sofrido perseguições, que o fizeram se refugiar na Itália.
Durante o depoimento, Paulo alegou má vontade e conivência de órgãos estatais para esclarecer as irregularidades, inclusive da Polícia Federal. De acordo com o empresário, exames e tratamentos, que foram realizados já após ele receber dos médicos a notícia de morte cerebral, eram incompatíveis com a condição do filho dele.
Paulo afirmou que só após a exumação do corpo foi constada a doação de forma irregular. Ele alegou que os médicos não deveriam e não tinham autorização para prática. Além disso, receptores fora da lista oficial de espera receberam órgãos da vítima.
Após o depoimento de Paulo, em plenário, foram exibidos vídeos de testemunhas, médicos e enfermeiros, que atenderam a vítima. Em razão da pandemia do novo coronavírus, as audiências foram realizadas na Comarca de Poços de Caldas.
O juiz suspendeu os trabalhos e os réus vão ser interrogados nesta sexta-feira (29/1).
Caso Pavesi
Em abril de 2000, Paulo Veronesi Pavesi, de 10 anos, foi atendido por uma equipe médica depois de sofrer traumatismo craniano ao cair de uma altura de 10 metros do prédio onde morava. Ele foi levado ao Hospital Pedro Sanches, mas, após alguns problemas durante a cirurgia, foi encaminhado à Santa Casa da cidade, onde morreu.
O pai da criança desconfiou das circunstâncias da morte depois de receber uma conta do hospital de quase R$ 12 mil. Algumas informações apontavam a cobrança de medicamentos para remoção de órgãos, que, na verdade, deve ser paga pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
De acordo com o Ministério Público, a equipe médica teria constatado a morte encefálica, mas as investigações apontaram que o laudo foi forjado e houve várias irregularidades durante o atendimento. Os envolvidos foram denunciados pelo Ministério Público por homicídio qualificado.
"Na denúncia, consta que cada profissional cometeu uma série de atos e omissões voluntárias com a intenção de forjar a morte do menino para que ele fosse doador de órgãos", diz o Tribunal de Justiça de Minas Gerais. "Estão entre as acusações a admissão em hospital inadequado, a demora no atendimento neurocirúrgico, a realização de uma cirurgia por profissional sem habilitação legal, o que resultou em erro médico, e a inexistência de um tratamento efetivo e eficaz. Eles são acusados também de fraude no exame que determinou a morte encefálica do menino", informa o TJMG.
Dois anos após a morte de Paulo, a Santa Casa da cidade foi descredenciada a fazer remoção e transplantes de órgãos. A MG Sul Transplantes, entidade gestora dos procedimentos no município, foi extinta. (Com informações do Portal Terra do Mandu - Helena Lima/Especial para o EM)