A carreira do bacharel em direito Samuel Silva, 38 anos, começou pela vassoura. Foi como funcionário da limpeza que ele ingressou no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), em 2011. Dez anos depois, o currículo do paulista radicado em Contagem, na Grande BH, acumula muitos outros registros notáveis: um diploma de ensino superior, duas pós-graduações, além de certificações internacionais. A próxima conquista, avisa Samuel, é o cargo de juiz.
O profissional conta que, inicialmente, procurou o TJMG para tentar uma vaga de auxiliar administrativo anunciada pela instituição. O posto, no entanto, já havia sido preenchido.
“Daí eu vi que restava uma outra vaga, para trabalhar na limpeza. Não tive dúvidas, fui lá e aceitei. Primeiro, porque eu estava determinado a trabalhar no TJ de qualquer jeito. Eu já havia começado o primeiro período curso de direito, mas tive que trancar por falta de dinheiro. O direito sempre foi o meu lugar e eu queria ficar próximo do meio. E é claro que eu também precisava sobreviver. Minha origem é humilde”, relembra o ex-faxineiro
A decisão abriria muitas portas a Samuel. Certo dia, enquanto limpava o estacionamento do antigo fórum de Contagem, ele relata que ouviu uma conversa do juiz Wagner Cavalieri, da Vara de Execuções Criminais, com seus colegas. O assunto era a Teoria Objetiva da Posse. Interessado no debate, o então funcionário da faxina se juntou aos servidores e defendeu seu ponto de vista.
Oportunidade
O episódio chamou a atenção do juiz Cavalieri, que foi atrás de informações sobre o interlocutor. Descobriu ali uma história triste. O rapaz havia abandonado o curso de direito na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) por não conseguir pagar as mensalidades. Além disso, acumulava débitos com a faculdade. “O doutor Wagner então se juntou com um outro juiz, o doutor Afonso Andrade, para me dar uma oportunidade”, recorda Samuel.
Wagner e Afonso acionaram outros magistrados da comarca para prestar apoio financeiro ao estudante, permitindo que ele retomasse os estudos. “De volta à sala de aula, consegui uma bolsa de 50%. Mas, mesmo depois disso, eles fizeram questão de seguir me ajudando até o fim do curso. Em 2017, com muita luta, finalmente, me formei. Sou muito grato por todo apoio que recebi e sinto orgulho da minha trajetória. Ainda bem que aceitei aquele emprego de faxineiro. Profissão muito digna que acabou me levando longe”, reflete Silva.
O profissional hoje atua no Procuradoria-Geral do Município Contagem como estagiário de pós-graduação e já percorre a longa maratona de preparação para o concurso de juiz. Os futuros colegas seguem na torcida por ele.
"Samuel tem grandes virtudes, é perseverante e sempre procura se aperfeiçoar. As dificuldades não o abalaram. Vê-lo graduado foi um prêmio pra mim, sensação de satisfação por ter apoiado alguém que não poderíamos perder no mundo jurídico", ressalta o juiz Afonso Andrade.
Sobrevivente
Além de obstinado, Samuel Silva é um sobrevivente. Ele conta que chegou a Belo Horizonte aos seis anos com a mãe, recém-divorciada, com quem passou muitas dificuldades. “Não tínhamos onde ficar. Chegamos a dormir dentro de uma igreja. Uma vez, pulamos um muro para dormir dentro de uma residência. Até comer era difícil. Sem dinheiro, ficávamos na porta de pizzarias e padarias para conseguir comida”, lembra o pós-graduado.
Os dois acabaram acolhidos pelos padrinhos de casamento dos pais de Samuel, que moram em Contagem. O casal, que já tinha 11 filhos, adotou a criança, dadas as condições adversas em que mãe e filho viviam.
“Ganhei uma família grande, a quem também sou muito grato. Minha mãe biológica, hoje, vive no interior. Ainda não tenho condição de cuidar dela. Mas, se Deus quiser, ainda poderei”, planeja o vencedor.