O Decreto estadual 48.121, que regulamenta a prestação e o fretamento de veículos para viagens em Minas – e que entra vigor hoje, colocou em pé de guerra o setor, gerando um a série de reclamações das empresas concessionárias de linhas do transporte intermunicipal de passageiros. As concessionárias afirmam que o decreto altera as regras de fretamento, facilita a ação de clandestinos e quebra normas legais dos contratos vigentes, acarretando concorrência desleal contra elas.
“O novo decreto, sob o pretexto de modernizar regras para o transporte fretado de passageiros, descumpre os contratos de concessão em vigor para o transporte intermunicipal, a Lei 19.445/11 e Constituição mineira, violando a segurança jurídica e colocando em risco o exercício regular do direito ao transporte, inclusive o gratuito, para os casos previstos em lei”, afirma o presidente do Sindicato das Empresas do Transporte Intermunicipal de Passageiros de Minas Gerais (Sindpas), Luiz Carlos Gontijo.
Ele afirma ainda que o decreto também abre brechas para o serviço clandestino, trazendo um “enorme agravamento à crise do sistema Intermunicipal”. Segundo o Sindpas, diante da pandemia, “o sistema de transporte público enfrenta a pior crise da sua história, com impactos financeiros devastadores”. Nos primeiros seis meses da pandemia houve redução de 85% dos passageiros transportados. Na somatória geral de 11 meses, a redução é 66,68% na receita, informa a entidade.
De acordo com o sindicato, Minas Gerais conta com 170 empresas concessionárias do transporte intermunicipal de passageiros, que atendem 800 municípios, em 1.270 linhas. Ao todo, elas mantêm 18.900 empregos diretos.
A assessora jurídica do Sindpas, Zaira Carvalho Silveira, salienta que, na prática, entre as mudanças proporcionadas pelo novo decreto nos fretamentos, três atingem diretamente as concessionárias das linhas do transporte intermunicipal junto ao Poder Público. São as questões relacionadas à finalidade do fretamento, o prazo para apresentação da relação de passageiros e a vinculação da viagem de retorno com o mesmo grupo da ida, o chamado circuito fechado.
No que diz respeito à “finalidade comum”, o fretamento só poderia ser feito caso todos os passageiros do grupo tivessem uma finalidade (ou vínculo), seja um passeio de turismo ou uma viagem participação de algum evento. “Por exemplo, um grupo de Belo Horizonte decide contratar uma empresa de fretamento para ir a um casamento em Montes Claros (Norte de Minas). A finalidade comum neste caso é o casamento e viagem tem origem-destino-origem. “Nesse caso, o grupo repassa essas informações para a empresa de fretamento para que ela se estruture e se organize operacionalmente para que tenha condições de prestar o serviço”, diz.
Agora, com nova legislação, não existe mais a obrigação do comunicado da finalidade comum do grupo. ”Pelo novo decreto, grupo fechado passa a ser apenas o grupo a ser transportado, relacionado na lista”, afirma Carvalho.
PRAZO
Ela ressalta que, pela regra anterior, existia um prazo de 12 horas de antecedência para que a empresa de fretamento eventual enviasse a lista de passageiros, pela internet, ao Departamento de Edificações e Estradas de Minas Gerais (DER-MG), que fiscaliza o serviço. Nesse sentido, a assessora jurídica lembra que relatório técnico do próprio governo estadual mostra que “foi consenso, inclusive entre os representantes do setor de fretamento, que o prazo é necessário para que a viagem seja organizada”. No entanto, “a partir de agora, esse prazo deixa de existir, o que pode favorecer o transporte clandestino, facilitando, por exemplo, o assédio de passageiros na rodoviária”.
Quanto ao “circuito fechado”, a advogada ressalta que, até então, o fretamento era destinado a grupo fechado de pessoas, com uma finalidade (vínculo) comum. Com isso, “era natural que o mesmo grupo que contratava a viagem da ida retornasse ao ponto de origem”. O novo decreto mudou totalmente o fretamento. Como não há nenhum vínculo, os passageiros da viagem de ida não retornarão juntos à origem. “A consequência das alterações é que o transporte fretado passa a ter as mesmas características do transporte público, ou seja, é igual ao serviço adquirido na rodoviária ou no site das empresas concessionárias”, explica Zaira Carvalho.
A assessoria jurídica do Sindpas afirma que a grande consequência do novo decreto sobre os fretamentos é que ele esvazia a clientela potencial das empresas que têm concessões do serviço de transporte e precisam atender uma série de requisitos legais previstos em contratos, como, por exemplo, limitação de preço de tarifa, gratuidades, atendimento regular de linhas, em locais, dias ou horários que não lucrativas, investimento em infraestrutura, entre outros.
“Queremos deixar claro que o Sindpas não deseja a extinção do transporte fretado de passageiros. Sempre convivemos com o serviço. O nosso inconformismo é com o descumprimento da Constituição mineira e da Lei 19.445/11 (que coíbe o transporte clandestino), situação esta que legitima a concorrência desleal, provocará danos aos cofres públicos e aos passageiros que, em futuro próximo, poderão ficar sem transporte público em Minas Gerais”, reclama Zaira Carvalho.
Ela afirma que para atender o interesse público, entre outras obrigações, as concessionárias precisam cumprir medidas como a regularidade das viagens e a gratuidade para idosos (acima de 65anos) e pessoas com deficiência, o que não ocorre com as empresas de fretamento. “Além disso, com a quebra dos contratos de concessão, criou-se um ambiente de insegurança jurídica. As novas regras, em curto prazo, vai tornarão o serviço do transporte intermunicipal inviável”, alerta.
Faltaram análises, diz Sindpas
Mudanças no fretamento que dizem respeito ao prazo mínimo da contratação, “finalidade comum” e “circuito fechado” foram colocadas no novo decreto que regulamenta a prestação do serviço sem qualquer motivação prévia, análise dos impactos da regulação sobre os serviços existentes ou melhoria da fiscalização, afirma a assessora jurídica do Sindpas, Zaira Carvalho.
Ela relata que o fretamento do transporte era regulamentado pelo Decreto estadual 44.035, de junho de 2005 e por uma lei estadual de 2011 (Lei 19.445). Segundo ela, em 2019, a Secretaria de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), Secretaria de Governo (Segov), o Departamento Estadual de Edificações e Estradas de Minas Gerais (DER-MG) constituíram um grupo de trabalho para discutir e implementar mudanças no setor.
Ainda de acordo com Zaira, foram convidados representantes do setor de fretamento, Sindpas, da Polícia Militar, Advocacia-Geral do Estado (AGE), do Sindicato das Empresas do Transporte de Passageiros Metropolitano (Sintram) e outras entidades. Informou ainda que foram realizadas seis reuniões pelo grupo de trabalho. “Mas, em nenhum momento, o grupo de trabalho sugeriu as mudanças que constam no decreto. Fomos surpreendidos quando foi publicado. Não houve discussão prévia das mudanças”, afirma.
O presidente do Sindpas, Luiz Carlos Gontijo, informou que, em reunião e por meio de ofício enviado à Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade, demonstrou que o Decreto 48.121 contraria a Lei 19.445/11 e a Constituição de Minas, além de causar impacto nos contratos. “Solicitamos cópia do processo de elaboração do decreto e pedimos a prorrogação do início de vigência, visando entender a motivação da alteração das regras. Até o momento não tivemos resposta”, diz Gontijo.
Para governo, norma favorece regularidade
Procurada pelo Estado de Minas, a Secretaria de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra) disse, por meio de nota, que o Decreto estadual 48.121/21 “simplifica e desburocratiza a obtenção de autorização para realização do transporte fretado”. De acordo com a nota, o objetivo é incentivar a regularidade na prestação desse serviço, “retirando exigências que não contribuíam para o exercício do poder de polícia do Estado”.
A Seinfra sustenta que “em nenhum momento, o decreto se refere a aplicativos ou plataformas colaborativas. Segundo a pasta, “trata-se de aperfeiçoamento regulatório do setor de fretado, dentro de um conjunto de iniciativas que o governo do estado vem adotando com o intuito de melhorar o ambiente de negócios e a prestação de serviços públicos em Minas Gerais”.
Ainda de acordo com a secretaria, há hoje em Minas Gerais 1.821 empresas autorizadas a fazer fretamento. “Estima-se que o decreto beneficiará essas empresas, com potencial para praticamente duplicar o número de prestadoras de serviços, oferecendo, assim, melhores opções e preços mais acessíveis para os usuários do serviço de fretamento. Além disso, o decreto incentiva a regularização de empresas que hoje estão à margem do sistema”, disse a pasta.
A Seinfra informa que realizou um conjunto de estudos para promover as mudanças, que indicaram que elas têm potencial para elevar a demanda, com impacto positivo de R$ 360,79 milhões, Produto Interno Bruto (PIB), abertura de 11.310 postos de trabalho em um ano (11.310 empregos) e aumento da arrecadação de tributos de R$ 100,17 milhões no mesmo período.
Ainda de acordo com a Seinfra, o decreto não implica descumprimento de regras dos contratos de concessão das linhas intermunicipais como afirma Sindpas. “O serviço de fretamento já era previsto em decreto regulamentar desde 2005, antes da celebração dos atuais contratos de concessão de transporte coletivo intermunicipal, não se confundindo com ele: enquanto o fretamento é serviço de natureza eminentemente privado, os serviços delegados são públicos. Não há, portanto, interferência entre tais modalidades, as quais possuem características operacionais e prestacionais distintas”, sustenta.
A Seinfra afirma ainda que vem adotando medidas para fortaleccer as concessões vigentes. Nesse sentido, cita, a secretaria concluiu, em parceria com o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), diagnóstico sobre o modelo de regulação dos contratos em vigor”. Ainda de acordo com a secretaria, o órgão multilateral recomendou uma série de ações, entre elas a revisão das planilhas de custos repassados aos usuários, as quais incluem, por exemplo, gastos com datilógrafo e escriturários; revisão ordinária dos contratos a cada quatro anos e estabelecimento de índices adequados de desempenho, como limpeza, segurança. “Atualmente, os contratos são genéricos a esse respeito e não há incentivos econômicos para a melhoria da prestação dos serviços”, sustenta a Seinfra, que nega que as mudança contrariem a Constituição de Minas.