A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) vai notificar hoje a 22 estudantes o desligamento da instituição. Outros sete serão suspensos por um semestre letivo. Eles fazem parte de um grupo de 61 alunos investigados administrativamente há quase quatro anos por fraude no sistema de cotas raciais. O veredito foi dado ontem pelo Conselho Universitário, que acolheu a recomendação da comissão disciplinar instituída para apurar as irregularidades.
Em junho de 2017, a UFMG instituiu comissão de sindicância para investigar 61 denúncias de supostas fraudes de recém-ingressados. Desse total, 10 denúncias foram arquivadas por envolver estudantes que já se desligaram da instituição. Em 17 casos, houve arquivamento por improcedência da denúncia. A Reitoria instaurou um processo administrativo para cada caso, para garantir ampla defesa. A comissão disciplinar concluiu pelo uso irregular das cotas raciais em 29 casos, recomendando a aplicação de sanção disciplinar, nos termos do Regimento Geral da universidade.
De acordo com a UFMG, embora não correspondam ao público-alvo pretendido pela política afirmativa, “sete discentes demonstraram que suas autodeclarações como negros foram frutos da construção de referenciais sociais relevantes e indicativos de um comportamento pautado pela boa-fé”. Por isso, o Conselho deliberou pela suspensão por um semestre letivo. A comissão constatou fraude entre os outros 22 universitários, ao considerar que eles não tinham fundamentos hábeis para sustentar a autodeclaração, e decidiu pelo desligamento.
As denúncias começaram a ser feitas em 2016 por movimentos negros da UFMG que contestavam entrada de alguns alunos pela modalidade. Eles alertavam ainda para o uso indevido da autodeclaração de raça para assegurar vaga em cursos mais disputados, inclusive medicina, conforme mostrou reportagem do Estado de Minas, em abril daquele ano.
Naquela época, os mecanismos da universidade permitiam barrar fraudes somente em relação à condição de estudantes terem cursado escolas públicas e declarado baixa renda. Não havia, até então, como controlar as cotas raciais, porque a lei não previa fiscalização para esse critério, estabelecendo apenas a autodeclaração do candidato. Nem a Lei 12.711, de 29 de Agosto de 2012, que instituiu a ação afirmativa, nem a Portaria Normativa 18/2012, que a implementou, trazem qualquer previsão de mecanismo de verificação sobre a declaração eventualmente feita por candidatos que não se encaixem no perfil.
Depois do escândalo, a UFMG e outras universidades adotaram mecanismos próprios de avaliação. Foi o caso da Federal de Uberlândia (UFU), no Triângulo Mineiro, que foi acionada na Justiça por pelo menos três calouros aprovados na instituição para começar a estudar no segundo semestre de 2017, mas desclassificados por não obedecer aos critérios estabelecidos na instituição para comprovação de raça e etnia. Na época, foi criada comissão para avaliar os alunos autodeclarados negros, pardos e indígenas com base, exclusivamente, no fenótipo, ou conjunto das seguintes características dominantes: cor da pele, textura do cabelo e formato do rosto.
Mediante os escândalos e suspeitas de fraudes, a UFMG, por sua vez, passou a exigir em 2018 dos candidatos que optaram pela modalidade de raça/cor no sistema de reserva de vagas a redação de uma carta consubstanciada de próprio punho com justificativas para a autodeclaração de pertencimento étnico-racial. Em 2019, o processo foi aprimorado, como ressalta a reitora Sandra Goulart Almeida, “ao instituir uma comissão complementar à autodeclaração, responsável por realizar o procedimento de heteroidentificação, verificando a condição étnico-racial do candidato selecionado”. A avaliação é condição obrigatória para efetivação da matrícula. O trabalho da comissão resultou em três volumes de processos, totalizando 1.024 páginas. Todos os processos correram em sigilo.