"Tudo indica que as inscrições narram a vida de uma mulher, e certamente foram feitas entre a segunda metade do século 18 e a primeira do 19. Junto a isso, está a origem do grupo mostrado ali: provavelmente, da região da Costa da Mina, com destaque para Benin, na África", diz a carioca Mariza de Carvalho Soares, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), especialista em história da escravidão e África e pesquisadora que há cerca de 10 anos frequenta os arquivos de Ouro Preto e Mariana, em parceria com professores da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop).
Desde que conheceu, em 2017, os desenhos ocupando a área de 2,50 metros de altura por 1,20m de largura, Mariza se declarou "encantada" e vem se empenhando para "traduzir" a narrativa marcada na argamassa, sobre a parede de pedra, com uma ferramenta de ponta cortante tipo buril.
Para falar sobre suas impressões a respeito do legado instigante e fascinante, bem como dos caminhos a seguir na pesquisa, Mariza participará no próximo dia 4, às 14h30, do seminário virtual Traçados africanos no patrimônio material de Ouro Preto, no qual vai falar sobre Limites e possibilidades da história conjetural: O caso do porão de Ouro Preto.
Participam também (na plataforma Google Meet) a arqueóloga e professora da Unifesp Cláudia Regina Plens, abordando Arqueologia e arte parietal no contexto da escravidão urbana de Ouro Preto, e o professor Francisco Eduardo Andrade, da Ufop, que discorrerá sobre Morar, agenciar na vizinhança dos negócios em Vila Rica. A professora Cláudia Chaves, da Ufop, será mediadora e as inscrições podem ser feitas no ilb.cppghis@ufop.edu.br.
Para falar sobre suas impressões a respeito do legado instigante e fascinante, bem como dos caminhos a seguir na pesquisa, Mariza participará no próximo dia 4, às 14h30, do seminário virtual Traçados africanos no patrimônio material de Ouro Preto, no qual vai falar sobre Limites e possibilidades da história conjetural: O caso do porão de Ouro Preto.
Participam também (na plataforma Google Meet) a arqueóloga e professora da Unifesp Cláudia Regina Plens, abordando Arqueologia e arte parietal no contexto da escravidão urbana de Ouro Preto, e o professor Francisco Eduardo Andrade, da Ufop, que discorrerá sobre Morar, agenciar na vizinhança dos negócios em Vila Rica. A professora Cláudia Chaves, da Ufop, será mediadora e as inscrições podem ser feitas no ilb.cppghis@ufop.edu.br.
Narrativa na parede
Na avaliação da professora Mariza, que gravou um vídeo falando sobre o achado no sobrado de Ouro Preto, a trajetória dos africanos escravizados que vieram para as Gerais e as tradições narrativas visuais na Costa da Mina, principalmente no Reino de Daomé, o mural de Ouro Preto não foi obra de apenas uma pessoa. "Houve, no mínimo, três envolvidas: aquela cuja vida é contada, a que constrói a narrativa e a que gravou na parede".
Com base nas pesquisas das tradições narrativas visuais da região da Costa da Mina e comparação com a arte parietal localizada em Ouro Preto, a pesquisadora acredita se tratar de uma homenagem a uma mulher então recém-falecida. "Era comum, naquela parte da África, as pessoas bordarem, em tecidos, cenas da vida da pessoa que queriam homenagear."
Lembrando que um dos destaques nessa história é "o modo de narrar", Mariza ressalta que o mural em nenhum momento trata da escravidão no Brasil, e que são retratados, na totalidade, grupos de mulheres trabalhando no pilão, na travessia marítima, "pois o velame (velas e mastro) da embarcação é muito alto", e em situações desencadeadas a partir da morte. Há também animais, a exemplo de um felino, e aves grandes e pequenas.
"Ainda são hipóteses, precisamos de dados históricos, fontes, datação da casa da Rua Direita (perto da Praça Tiradentes, no Centro Histórico), da técnica. Mas estamos no caminho", afirma. Para conseguir mais respostas e esclarecer esse que parece um enigma, ela vê, como fundamental, o trabalho conjunto entre universidades e órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Em 2019, uma equipe de arqueologia e restauração da Superintendência em Minas do Iphan esteve no local para iniciar estudos sobre o mural.
Emoção das cenas descobertas
Em 29 de setembro de 2019, o Estado de Minas fez a primeira matéria sobre a descoberta, guiado pelo empresário Philipe Passos, da família proprietária do imóvel. Na época, Philipe não escondeu a emoção ao falar das cenas descobertas na parede durante a restauração do sobrado: “É como se fosse uma mensagem numa garrafa jogada no mar e no tempo, para que, um dia, fosse achada por alguém”.
A preservação do legado gráfico está relacionada, segundo ele, à localização do compartimento do casarão, que, anteriormente, tinha saída para a Rua das Flores e era ventilado, impedindo a deterioração pela umidade e o tempo.
Na tarde de sexta-feira, ao reabrir a porta do sobrado para a equipe do EM e mostrar o mural, Philipe falou da importância da pesquisa: "O importante é que desperte cada vez mais estudos e interesse, pois ele tem uma história sendo contada. Que haja muitos olhares para melhor compreensão dos desenhos". Ele informou que, devido à pandemia do novo coronavírus, ainda não há definição para uso do espaço, embora exista a certeza da finalidade cultural.
Três perguntas para...
Mariza de Carvalho Soares, pesquisadora
Qual a importância dessa descoberta para a história de Minas?
O mural é um exemplo da rica vida cultural e religiosa dos africanos escra- vizados que viveram em Minas Gerais.
Há esse tipo de inscrição em baixo-relevo em outros estados?
Conhecemos inscrições em áreas de ocupação indígena e pré-colombiana. Mas nunca ouvi falar de murais urbanos como esse. Mas se existe um, podem existir, ou ter existido, outros.
Qual será a melhor forma de preservação do mural?
A melhor maneira de manter um patrimônio cultural é estudá-lo para mostrar à sociedade sua importância. O resto é consequência.
Hipóteses para as imagens no mural de Ouro Preto
- As inscrições narram a trajetória de uma mulher recém-falecida. Portanto, seriam uma homenagem póstuma
- Recriam a vida da mulher na África até a travessia no Oceano Atlântico
- Certamente, foram feitas entre a segunda metade do século 18 e a primeira do 19
- O povo mostrado no mural provavelmente era da região da Costa da Mina, com destaque para Benin, na África
- Houve, no mínimo, três pessoas envolvidas: aquela cuja vida é contada, a que constrói a narrativa, e a que gravou na parede
Conclusões sobre a pesquisa
- A embarcação desenhada na parede se refere a transporte marítimo devido ao tamanho do velame (velas e mastro)
- As inscrições não tratam do tema escravidão no Brasil
- O grupo retratado é formado apenas por mulheres
Fonte: Mariza de Carvalho Soares, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), especialista em história da escravidão e África