Pesquisadores do Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveram estudo a partir de uma partícula em escala nano do grafite, material-chave para os avanços da computação quântica, que foi capa da edição de quarta-feira (17/02) da revista científica Nature, a mais prestigiada do mundo.
O feito se deve ao fato de a UFMG ser um dos primeiros centros de pesquisa brasileiros a estudar os nano materiais. E o que o grafite tem a ver com tudo isso? Um desses nano materiais é o grafeno, uma parte do grafite que só pode ser observado na escala nanométrica. E a ciência de ponta opera na escala do nanômetro, unidade que é um bilhão de vezes menor que o metro. Os cientistas da UFMG, ao empregar essa escala, estudam as pilhas que compõem o grafite, o chamado grafeno.
"A UFMG foi pioneira na pesquisa com o grafeno. No início da nanociência no mundo, o Departamento de Física e o Departamento de Química da UFMG começaram o movimento de pesquisar nanomaterial. A UFMG foi a gênese da nonociência no Brasil, principalmente no estudo do grafeno", conta o professor do Departamento de Física Luiz Gustavo Cançado. Ele coordena o MGgrafeno, projeto desenvolvido em parceria entre a UFMG, CDTN e Codemge. Isso faz com que a universidade mineira esteja emparelhada com resto do mundo no que há de mais avançado em nanociência.
O grafeno é composto 100% por carbono. "O grafite é um mineral lamelar, formado por planos, como se fosse uma pilha de papel. São planos de átomos empilhados. Se organiza numa rede hexagonal, formada por átomos de carbono. O grafeno é uma folhinha", explica o professor Luiz Gustavo. Para se ter uma ideia da escala, o grafeno é 350 mil vezes mais fino que uma folha de papel.
O feito dos pesquisadores consistiu em inventar um equipamento capaz de observar o ângulo de giro entre duas camadas de grafeno. "Esse giro, no inglês, twist, gerou toda uma discussão. É a twistrônica, que seria uma eletrônica baseada neste giro entre camadas. No caso do grafeno, num ângulo mágico, de aproximadamente um grau de giro entre as duas camadas, a de baixo e a de cima", explica o professor.
"A UFMG foi pioneira na pesquisa com o grafeno. No início da nanociência no mundo, o Departamento de Física e o Departamento de Química da UFMG começaram o movimento de pesquisar nanomaterial"
Luiz Gustavo Cançado, professor do Departamento de Física
Ao fazer essa observação do giro, os pesquisadores atestam que o grafeno é um supercondutor, com vantagens. Ele tem duas características: precisa de poucos elétrons e pode trabalhar a altas temperaturas. "O maior problema dos supercondutores é que eles requerem temperaturas muito baixas, -270 graus Celsius. Os super condutores que podem trabalhar a altas temperaturas trabalham a - 140 grau Celsius, temperatura considerada alta para os supercondutores."
Supercondutores na computação quântica
Os supercondutores conduzem muita eletrecidade e têm resistência elétrica nula. Por isso, podem ser usados na computação quântica. "Para produção de computadores quânticos, vão precisar de dispositivos de supercondutores. Outra aplicação possível seria a produção de fotodetectores de eficiência muito alta", diz. A fotodetecção é uma tecnologia muito importante, mas tem muita perda. "É importante ter fotodetectores com eficiência bem alta, bem sensíveis. Supercondutores são exelentes candidatos para esse tipo de tecnologia".
O nanoscópio
O nanoscópio, equipamento usado para a pesquisa, foi criado pelos cientistas da UFMG. "O grande diferencial da pesquisa é que utilizamos espectroscopia óptica", informa. O nanoscópio é muito mais potente que os microscópios óptico. "Quando vamos para a escala nano, um bilhão de vezes menor que o metro, os equipamentos óticos não têm resolução espacial, então fica tudo embaçado. O que fizemos foi enxergar a estrutura cristalina do grafeno girado, utilizando espectroscopia óptica."
Os cientistas conseguiram ver a imagem de estrutura cristalina com luz visível. "Quando viram que enxergamos uma rede cristalina usando luz visível, impressionamos", explica os motivos de a pesquisa ser publicada na capa da Nature.
Os cientistas desenvolveram o equipamento junto ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) e uma ponta metálica nanomêtrica, a parte mais importante dele. O nanoscópio foi patenteado nos EUA, na China e está em vias de patentear na Europa e Japão. "Tecnologia protegida e que ninguém no mundo tem", revela o pesquisador.
A invenção deverá ser, em breve, exportada. "Para fazer uma pesquisa que ninguém nunca fez é imprenscindível que se invente a máquina, invente a técnica e fabrique a máquina que ninguém tem. Só assim, a gente consegue fazer experimento que ninguém nunca no mundo fez."
O primeiro protótipo ficará pronto em abril. "Está comprovado que é um equipamento poderoso. Acredito que vamos exportar", diz Luiz Gustavo. Com isso, o Brasil exporta tecnologia, o que é muito bom. "Quando o país compra equipamento científico está comprando algo que pesquisador inventou há décadas e publicou na Nature há décadas", conclui.