Jornal Estado de Minas

COLAPSO NOS HOSPITAIS

Minas tem leitos de UTI disponíveis, mas faltam médicos

A falta de profissionais da saúde, que agrava a dramática crise dos leitos hospitalares, dificultanto o combate à COVID-19, foi tema de reunião, ontem, do governador Romeu Zema (Novo) com o presidente da Sociedade Mineira de Terapia Intensiva (Somiti), Jorge Luiz Rocha Paranhos, e chefes de unidades de terapia intensiva de Belo Horizonte. Saídas para resolver o problema envolvem não só atacar a carência de médicos intensivistas, como também de enfermeiros e fisioterapeutas.





Entidades da área médica vinham apontando a escassez de mão de obra desde o início da pandemia, fator que contribui para a exaustão e o adoecimento de quem está na linha de frente dos hospitais. O descompasso gera, ainda, um paradoxo. Existem leitos disponíveis, e inclusive equipados com respiradores e monitores, mas não há mãos suficientes para operá-los, segundo fontes do setor.

Romeu Zema afirmou, na quarta-feira, que não há mais profissionais de saúde disponíveis para trabalhar na linha de frente contra a COVID-19 no Brasil. “Mas agora nós chegamos em um ponto no Brasil que não há mais médicos. Inclusive, já fizemos chamamento, mas não há mais profissionais de saúde.”

O Estado de Minas entrevistou médicos intensivistas, coordenadores de centros de terapia intensiva e representantes de entidades médicas que listam as razões para o gargalo na rede hospitalar, principalmente no setor público. De um lado, destacam os baixos investimentos dos governos na terapia intensiva e nas condições de trabalho, o que afeta os concursos públicos, planos de carreiras e salários. De outro lado, médicos se queixam de sobrecarga de jornada, surgimento de distúrbios psicológicos, como depressão e síndrome de Burnout, nível de  contaminação pelo coronavírus cinco vezes superior àquele da população em geral e, por fim, a demora na vacinação.





O presidente da Somiti, Jorge Luiz Paranhos, lembra que o governo estadual destinou recursos repassados pela União para os municípios comprarem ventiladores mecânicos e monitores, embora não tenha havido alternativa diante da escassez de recursos humanos. “O que acontece é a falta de preocupação dos gestores em relação à terapia intensiva. A gente vem há muito tempo lutando. O Zema disse que ia resolver isso, mas não deu tempo. A epidemia veio antes", afirmou.

Paranhos dá como exemplo o hospital que dirige, em São João del-Rei, na Região Central de Minas, que completou longa atuação, de 70 anos, mas precisa contar com médicos jovens na equipe. Embora a experiência lhe dê todos os atributos para coordenar o serviço, algumas atividades exigem também vigor físico.

“Não dou conta de 20 leitos. Só tenho 10. Para ter 20, coloquei dois médicos jovens junto comigo. Isso já se esgotou. Não tenho mais médicos jovens para contratar. A gente faz editais de convocação com 20 vagas e aparecem duas pessoas. Muitas vezes, as duas que aparecem não têm conhecimento científico para assumir leito nenhum. Os que a gente consegue contratar, colocamos em leitos de clínica médica, que exigem menos, e pegamos o pessoal mais treinado e colocamos nos leitos de COVID”, afirma Paranhos.





O médico também ressalta o fato de que não consegue contratar enfermeiros nem fonoaudiólogos – profissionais que compõem as equipes numa UTI. “Tenho leito, respirador, monitor, mas não tenho médico, enfermeiro e nem fonoaudiólogo.” A falta de respiradores nunca foi um problema na cidade. “Tenho espaço físico e estrutura montada em hospital pequeno para uma cidade de 100 mil habitantes, com 50 leitos de COVID, mas só tenho recursos humanos para 20 leitos”, revela.

São João del-Rei, na Região Central de Minas, é um dos municípios que encontram dificuldade para contratar médicos e outros especialistas (foto: Orlando Paiva Barros/Prefeitura de São João del-Rei - 27/3/19)


Em BH, médicos se preocupam com a capacidade dos leitos. O Grupo Colaborativo dos Coordenadores de UTIs de Belo Horizonte fez alerta, com a publicação de nota na quarta-feira. “Esta semana, observamos uma subida muito rápida e preocupante, de 348 para 414 pacientes COVID-19 em terapia intensiva em apenas 7 dias. Foi um aumento de mais 66 pacientes internados em UTI com COVID-19 e de mais 50 pacientes em ventilação mecânica em apenas uma semana. Esse aumento ocorreu de forma parecida tanto nos leitos públicos (SUS) como nos privados.”

A situação é vista com receio pelo presidente do Sindicato dos Médicos de Minas Gerais (Sinmed-MG), Fernando Luiz de Mendonça. “No caso específico dessa epidemia, que já completa um ano, desde o começo, o que a gente tem assistido é a um planejamento não muito adequado”, diz. Ele afirma que a falta de médicos é resultado da inexistência de investimentos na formação e capacitação de profissionais.





“Não temos um concurso público para preenchimento de vagas no estado também há muitos anos. Pelo contrário, o que observamos é uma tentativa de desmonte das unidades hospitalares, exemplo o que acontece hoje com hospitais da saúde mental e com propostas que já passam para hospitais do interior”.

O presidente do Sinmed-MG reforça que não é a primeira vez que o governador alega falta de médicos para não ampliar o número de leitos. “No ano passado, também no meio do ano, por ocasião do pico daquela época, a justificativa para o não aumento de vagas era de que faltavam médicos. Agora, no pior momento da crise, mais uma vez a fala do gestor é de que não pode abrir leitos porque faltam médicos. Muito fácil esconder o não planejamento, que vem de anos.”

Planejamento


Os médicos são unânimes em apontar que a crise da saúde pública é antiga. “A falta de planejamento da gestão, de não ter previsto a necessidade de algo que já era sabido desde o ano passado com a justificativa de que não se encontram profissionais, é querer fugir das próprias responsabilidades. Precisamos não só de médicos para funcionar um leito de terapia intensiva como também de outros profissionais da saúde”, diz Fernando Menonça.





Jorge Luiz Paranhos debita o problema à gestão de Fernando Pimentel no goveno de Minas Gerais. “Houve buraco de quatro anos desse último governo, que não investiu nada em saúde”. Na avaliação dele, não houve tempo hábil para o governador Romeu Zema mudar o cenário.   

 Exaustão e condições precárias


Os médicos intensivistas trabalham 36 horas e, durante a pandemia, muitas vezes não têm sequer tempo de ir ao banheiro. “Morrem três pessoas por plantão. E já vem outro paciente para ser entubado. É um desgaste emocional muito grande para o médico", resume uma das fontes ouvidas pelo EM sobre a rotina desses profissionais. O pneumologista e intensivista Maurício Meireles Góes rebate a afirmação do governador Romeu Zema de que não há profissionais de saúde disponíveis para contratação no Brasil: “Fica muito fácil quando o governante coloca a culpa no colo dos médicos. É muito fácil dizer que não há mais leitos porque não tem profissional. Mas ofereça salário competitivo, concurso público e plano de carreira para ver se falta".

O pneumologista e intensivista defende que colegas não se oferecem para trabalhar em razão de o governo não oferecer condições de trabalho adequadas. “Eles abrem uma chamada oferecendo trabalho médico por três meses. Imagine o médico ter que largar algo para trabalhar três meses e depois ser demitido. Falta um plano de carreira para o médico no estado. Há muito não há concurso público”, diz.

Góes destaca que, de acordo com pesquisa da Associação Médica Brasileira, 25% dos médicos se contaminaram com a COVID-19 e, apesar de estar na linha de frente, nem todos receberam a vacina. “Em comparação com a população brasileira, em torno de 5% têm COVID-19. Um quarto dos médicos já teve ou está com COVID. Por isso, chamo a atenção para priorizar a vacina para esse público”.





A demora na vacinação e sequelas da doença afastam o médico por longo tempo.”Temos uma série de médicos acima de 60 anos que não foram vacinados e eles não podem trabalhar. Falta vacinar vários médicos que não foram vacinados para que possam voltar a trabalhar na terapia intensiva”.

Vários médicos estão afastados por exaustão física ou por distúrbios, como depressão e ansiedade, que os impedem de trabalhar. Segundo Góes, foi definido que todos os médicos seriam vacinados até o fim de fevereiro, o que não ocorreu. “Se o governo resolver esses problemas, vão aparecer médicos”, diz. Ele admite a dificuldade do momento, tendo em vista que o médico intensivista não é um profissional formado em pouco tempo. “Tem que fazer uma residência e preparação para trabalhar no centro de terapia intensiva”.

São necessários 10 anos para a formação de um intensivista. Depois dos seis anos do curso de medicina, e dois anos de residência em clínica médica, cirurgia ou anestesia, o médico tem de praticar mais dois anos de medicina intensiva. “É um profissional que vai levar 10 anos para começar a trabalhar “, observa. Além da formação demorada, é necessaria experiência para lidar com respiradores mecânicos, medicamentos vasoativos, e drogas que regulam a pressão do paciente.





O pneumologista não descarta, por exemplo, que vagas possam ser ocupadas por médicos cubanos. “Poderia abrir vagas para os médicos que têm os pré-requisitos. Se o médico tem o treinamento em medicina intensiva, residência ou título da Associação Médica Brasileira, ele está qualificado. Sendo um concurso público, o candidato pode ser de qualquer lugar, não teria problema não”.


EXAUSTÃO E PRECARIEDADE


Os médicos intensivistas trabalham 36 horas e, durante a pandemia, muitas vezes não têm sequer tempo de ir ao banheiro. “Morrem três pessoas por plantão. E já vem outro paciente para ser entubado. É um desgaste emocional muito grande para o médico", resume uma das fontes ouvidas pelo EM sobre a rotina desses profissionais. O pneumologista e intensivista Maurício Meireles Góes rebate a afirmação do governador Romeu Zema de que não há profissionais de saúde disponíveis para contratação no Brasil: “Fica muito fácil quando o governante coloca a culpa no colo dos médicos. É muito fácil dizer que não há mais leitos porque não tem profissional. Mas ofereça salário competitivo, concurso público e plano de carreira para ver se falta".

O pneumologista e intensivista defende que colegas não se oferecem para trabalhar em razão de o governo não oferecer condições de trabalho adequadas. “Eles abrem uma chamada oferecendo trabalho médico por três meses. Imagine o médico ter que largar algo para trabalhar três meses e depois ser demitido. Falta um plano de carreira para o médico no estado. Há muito não há concurso público”, diz.





Góes destaca que, de acordo com pesquisa da Associação Médica Brasileira, 25% dos médicos se contaminaram com a COVID-19 e, apesar de estar na linha de frente, nem todos receberam a vacina. “Em comparação com a população brasileira, em torno de 5% têm COVID-19. Um quarto dos médicos já teve ou está com COVID. Por isso, chamo a atenção para priorizar a vacina para esse público”.

A demora na vacinação e sequelas da doença afastam o médico por longo tempo.”Temos uma série de médicos acima de 60 anos que não foram vacinados e eles não podem trabalhar. Falta vacinar vários médicos que não foram vacinados para que possam voltar a trabalhar na terapia intensiva”.

Vários médicos estão afastados por exaustão física ou por distúrbios, como depressão e ansiedade, que os impedem de trabalhar. Segundo Góes, foi definido que todos os médicos seriam vacinados até o fim de fevereiro, o que não ocorreu. “Se o governo resolver esses problemas, vão aparecer médicos”, diz. Ele admite a dificuldade do momento, tendo em vista que o médico intensivista não é um profissional formado em pouco tempo. “Tem que fazer uma residência e preparação para trabalhar no centro de terapia intensiva”.





São necessários 10 anos para a formação de um intensivista. Depois dos seis anos do curso de medicina, e dois anos de residência em clínica médica, cirurgia ou anestesia, o médico tem de praticar mais dois anos de medicina intensiva. “É um profissional que vai levar 10 anos para começar a trabalhar “, observa. Além da formação demorada, é necessaria experiência para lidar com respiradores mecânicos, medicamentos vasoativos, e drogas que regulam a pressão do paciente.

O pneumologista não descarta, por exemplo, que vagas possam ser ocupadas por médicos cubanos. “Poderia abrir vagas para os médicos que têm os pré-requisitos. Se o médico tem o treinamento em medicina intensiva, residência ou título da Associação Médica Brasileira, ele está qualificado. Sendo um concurso público, o candidato pode ser de qualquer lugar, não teria problema não”.

audima