Em um tempo em que Bello Horizonte ainda se escrevia com “ll”, a capital enfrentava epidemia de thyfo (tifo), com “apenas dois casos confirmados”, e as obras no Ribeirão Arrudas eram anunciadas pelas autoridades para conter os constantes transbordamentos e preparar a cidade para o futuro.
Essas eram algumas das notícias de destaque na primeira edição do Estado de Minas, que circulou em uma quarta-feira, 7 de março de 1928.
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Crise econômica e sanitária põe universidades em compasso de esperaMinas terá aplicativo para guardar lista do patrimônio históricoCOVID-19: Grande BH teme colapso e busca acordo para comércio COVID-19: Governador Valadares ultrapassa a marca de 600 mortesA partir dos primeiros casos, em sucessivas edições desde o início dos alertas espalhados pelo mundo, passando por momentos em que óbitos no país na escala dos 15 mil já pareciam muito, até que atingissem as centenas de milhares, capas históricas vêm marcando os desafios dos brasileiros e da humanidade no enfrentamento da COVID-19.
Tudo sem esquecer o espírito crítico e os aspectos políticos que se entrelaçam, no Brasil em especial, com a pior crise sanitária da história moderna.
Neste aniversário, sem perder de vista sua missão de manter mineiros e brasileiros informados diariamente, é possível fazer uma pausa para contar um pouco da história do próprio jornal, em um episódio que marca seu relacionamento com os leitores e a importância que conquistou entre gerações.
Como porta-vozes dessa interação, dois irmãos da família Lage, Oscar e Ivana, nascidos em Governador Valadares, na Região Leste do estado, que demonstram uma relação íntima com o Estado de Minas – que atravessou décadas sempre chegando à casa dos pais assinantes.
Se a imprensa é um espelho da sociedade, a história da família Lage se reflete como exemplo de preservação e valorização de documentos. “Na nossa casa, sempre tivemos muitos móveis antigos, louças e objetos, tudo conservado”, conta Oscar Martins Lage, de 52 anos, vendedor e hoje vivendo em Igarapé, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
ACHADO
E foi em um desses móveis, logo depois da morte do patriarca, Joaquim Martins Lages, aos 92, em 2008, que os filhos, em um trabalho de “arqueologia doméstica”, abriram um guarda-roupas bem antigo, onde encontram um exemplar da primeira edição do Estado de Minas.
O local, segundo Ivana Martins Lage, residente em Governador Valadares, não poderia ser mais inusitado: estava atrás do espelho de cristal bisotê do móvel que pertencera ao avô de Ivana, Lagino Lage. “Era comum fazer uma ‘almofada’ com papel para o espelho não se quebrar. Na época, os assoalhos de madeira trepidavam muito, vidros se partiam facilmente”, diz Ivana.
Diante da descoberta, a viúva, Maria José Cabral Lage, resolveu guardar o exemplar. Quando a mãe morreu, aos 78 anos, em 2017, Ivana se tornou a nova guardiã do documento. Produtora cultural na Secretaria Municipal de Cultura de Valadares e já tendo trabalhado em jornal, ela reconhecia ali a importância da preservação da memória. E, em tom de brincadeira, diz que o exemplar é cheio de mistério.
REVELAÇÃO
De toda forma, uma relíquia de mais de 40 anos, testemunha de parte importante da história da imprensa mineira e de muito do respeito da família Lage pelo jornal, preservado por gerações desde a descoberta atrás do espelho.
FAROL
Com 12 páginas e na cor sépia adquirida com o tempo, o exemplar tem apenas uma parte rasgada na última página. Analisar o primeiro número de uma trajetória que hoje já ultrapassa as 28 mil edições é como viajar pelo tempo, mesmo que em publicação comemorativa. Os olhos atentos vão fazer um giro pelo mundo, pela capital e pelo interior de Minas, com notícias sobre agropecuária, obras públicas, política cafeeira... assuntos que em 93 anos se repetiram, se consolidaram, se modernizaram e se ampliaram, junto com o próprio EM, hoje também em formato digital e na era das mídias sociais, sempre como veículo da essencial missão de informar.
Das mais recentes reportagens sobre a pandemia do novo coronavírus, que integram a edição deste domingo, tanto impressa quanto digital, às informações gravadas há 93 anos e reproduzidas no exemplar da família Lage, um olhar profundo pelo retrovisor da história, e a certeza de que a notícia jamais perde o brilho. Pelo contrário: é e seguirá sendo um farol para o mundo.