A urgência da vacina para o controle da COVID-19 direcionou mais do que nunca os holofotes para a ciência. E, no Brasil, estão sob a atenção e a expectativa de todos laboratórios como o da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, onde é envasada a Covishield, uma das fórmulas que compõem, até o momento, o Plano Nacional de Vacinação contra a COVID-19.
À frente da Fiocruz – que foi apontada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) referência nas Américas para a doença – está pela primeira vez uma mulher: Nísia Trindade Lima, eleita em novembro de 2016 para um mandato de quatro anos e reeleita no ano passado para o posto.
Leia Mais
Dia da Mulher: Os desafios de quem luta diariamente contra a COVID-19Vacinação em BH: Chegou a vez dos idosos de 83 anos; veja locaisCOVID-19: Sete Lagoas atinge 100% de ocupação de UTIs e pede socorroQuem são as (poucas) mulheres que batizaram crateras da LuaSaiba quais os 5 motivos que fizeram a COVID explodir em BH e no BrasilUm quarto dos municípios mineiros sob toque de recolher da COVIDDia Internacional da Mulher: a origem operária do 8 de MarçoE, neste Dia Internacional da Mulher, foram escolhidas pelo Estado de Minas como representantes do imenso contingente feminino que dedica seus dias a buscar saídas para o maior desafio da humanidade.
Nas entrevistas abaixo, elas contam um pouco da missão que é ser mulher e produzir ciência no Brasil, em um momento em que preceitos científicos são questionados e a necessidade de combate emergencial à pandemia aumenta a pressão sobre cientistas.
Leia também: Mulheres, as barreiras estão aí para serem rompidas!
E ainda: 'No Dia Internacional da Mulher, não me dê parabéns'
Entrevista / Nísia Trindade Lima
Presidente reeleita da Fundação Oswaldo Cruz
O fato de ser mulher influenciou em sua carreira como cientista? De que forma?
Como muitas outras mulheres de todas as profissões e modos de vida, lutei muito para estudar, criar meus filhos e desenvolver, concomitantemente, a carreira acadêmica e de gestora.
Essa experiência, que não é individual, mas coletiva, inclusive, é objeto de muitos estudos sobre história da carreira científica em diferentes países, e, na nossa instituição, tem sido abordada num belo projeto de memória institucional que se chama “Mulheres na Fiocruz: Trajetórias”, com uma série de vídeos que mostram os desafios e as conquistas das nossas cientistas. Costumo dizer que me orgulho muito de ser a primeira mulher a presidir a Fiocruz, mas que não adianta orgulho sem ação.
Portanto, só me orgulho porque tenho trabalhado, com muitos parceiros, pela inclusão de mulheres e meninas na ciência, pela equidade de gênero e raça na instituição e com medidas concretas.
Qual é o maior desafio no enfrentamento à COVID-19 no Brasil?
A pandemia da COVID-19 agravou todas as características estruturais que desafiam a sociedade brasileira, especialmente as desigualdades sociais, e requer uma resposta também estrutural. Esse é o maior desafio no enfrentamento à pandemia.
Orientada pelo seu papel estratégico como instituição pública, a Fiocruz buscou atuar em diversas frentes e nas entregas para a sociedade: da produção em larga escala de kits-diagnóstico à assistência hospitalar; da pesquisa científica de bancada a ensaios clínicos transnacionais; da organização de programas variados para populações vulneráveis à formação de recursos humanos, sempre com ênfase na defesa permanente de insumos, tratamentos e cuidados à saúde como bens públicos.
Os brasileiros vivem a expectativa da vacinação. Em que estágio está a produção?
A Fiocruz se prepara agora, finalizados os testes clínicos e feito o registro sanitário, para a produção de milhões de doses da vacina contra a COVID-19 no Brasil.
Concomitantemente, muitos de nós, trabalhadores da casa, temos participado intensamente de lives, entrevistas, audiências públicas com parlamentares, reuniões com sociedades científicas e webseminários, e temos publicado artigos em jornais de circulação nacional para informar devidamente a comunidade científica e a população brasileira sobre a crise.
Nossos maiores desafios e prioridades agora são acelerar o processo de produção da vacina pela Fiocruz, a vigilância genômica e pesquisas de prevalência das novas variantes no território nacional, e a assistência hospitalar aos casos graves, de modo a evitar mais mortes.
A senhora acredita que o Brasil vai superar essa crise sanitária?
A pandemia desafiou a Fiocruz e a mim, em particular, para buscar formas de minimizar seu grave impacto em um país profundamente desigual.
Nossa perspectiva foi a de atuar com os grupos sociais em situação de vulnerabilidade, e dela decorreram planos de ação em comunicação e atenção à saúde, sempre de forma integrada ao SUS.
Um dos aprendizados da experiência de atuar frente aos desafios experimentados ao longo da pandemia é o da necessidade de maior papel do Estado e, ao mesmo tempo, de maior participação da sociedade.
No caso da Fiocruz, quanto a esse último aspecto, foi inédito o movimento espontâneo de doações de pessoas físicas e empresas, formando uma grande rede de solidariedade e dando suporte a ações estratégicas.
Destaca-se a cooperação estabelecida com a iniciativa Todos pela Saúde, que contribuiu para ações em todos os eixos de enfrentamento da pandemia. Penso que temos condições de ampliar ações de parceria.
Como resumiria a missão da Fiocruz neste momento?
A Fiocruz tem a mensagem da defesa da vida como seu norte. Usaremos todo o nosso conhecimento para contribuir para as respostas a essa crise, como já o fizemos nos nossos 120 anos de história, no trabalho continuado de gerações, por ocasião de outras pandemias como a gripe espanhola e a Aids.
Temos, sim, a esperança de superar essa crise, porque acreditamos na ciência nacional, na expertise do SUS e no Programa Nacional de Imunizações brasileiro, que têm garantido boas coberturas vacinais e uma cultura da imunização no país.
Assim como acreditamos num país mais justo, com políticas inclusivas, de bem-estar, e no qual a ciência e a cidadania falem mais alto. É com essa visão de fortalecimento da nossa missão e do SUS, ou seja, da ciência e da saúde em defesa da vida, que seguiremos o nosso trabalho.
Como já disse em outras ocasiões, nossas ações de enfrentamento à pandemia são um grande esforço de paz.
Entrevista/Valdiléa Veloso
Diretora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas
Como é ser mulher, fazendo ciência no Brasil?
A condição de mulher nos traz dificuldades em desenvolver a carreira, em ser ouvidas, em ter visibilidade. Hoje, com a COVID-19, na área acadêmica já se vê que as publicações lideradas pelas mulheres caíram em relação ao início da pandemia.
Virou um ambiente competitivo em relação a quem pesquisa o quê, quem tem espaço. Os homens voltaram a ter preponderância em relação às mulheres.
Está mais difícil para as mulheres terem visibilidade no trabalho e assumirem papéis de lideranças nas pesquisas também. Quando aumenta a competitividade, os homens têm mais direitos, poderes, se colocam mais.
A situação da mulher retroage um pouco, claro que não ao passado. Mas a gente vê que tem um retrocesso.
A Fiocruz é uma exceção, então?
Temos um número significativo de mulheres nas pesquisas. A Fiocruz é uma instituição um pouco diferente. Tem um ambiente em que se busca bastante a equidade de gênero.
Temos uma comissão, mas é uma instituição que também não está isenta disso. Não diria agora na pandemia, mas existe essa questão. Sou diretora de uma unidade técnico-científica e estou na minha terceira gestão.
Tive duas gestões seguidas, começando em 2006 e terminei em 2013. Os diretores são eleitos pelos funcionários e colaboradores de cada unidade. Estou agora iniciando a terceira gestão, comecei em maio.
Sinto que há uma dificuldade para as mulheres serem respeitadas, reconhecidas como gestoras, mesmo dentro da Fiocruz. É muito mais fácil para o homem se impor. A forma como tratam homens e mulheres é diferente.
A gente tem que se impor mais. É sempre um pouco desgastante.
A Fiocruz tem uma comissão de equidade de gênero?
A Fiocruz tem uma comissão de equidade de gênero e equidade de tudo em relação às pessoas, que também trabalha a questão de racismo, de diversidade. É uma comissão que faz bom trabalho, uma sinalização para a comunidade. Mas, na questão da mulher, temos ainda assimetrias.
Há quanto tempo você está na ciência?
Eu me formei na UERJ em 1985, fiz minha residência médica em infectologia, fui para São Paulo, no Hospital Emílio Ribas, e voltei para o Rio, porque tive oportunidade na Fiocruz. Em abril de 1988, inicialmente como bolsista; em 1989, passei a fazer parte do quadro. Fiz minha carreira de pesquisa toda aqui. Minha área é HIV/Aids.
Antes de assumir posições de gestão na Fiocruz, assumi posições de gestão no Ministério da Saúde, coordenei a área de assistência no programa de Aids na época que implementamos o tratamento universal aos antirretrovirais. Fiquei lá até meados de 2000 e passei um período na gerência de Aids na Secretaria Estadual de Saúde.
Em 2003, retomei minhas atividades na Fiocruz, mas nunca abandonei a pesquisa. Construí carreira que conjugou gestão e pesquisa. Fiquei muito tempo trabalhando com assistência, atendendo pacientes, dando plantão e depois passei a conjugar mais gestão e pesquisa e menos atividades diretas. Toda a minha carreira foi no serviço público.
Os desafios aumentam com a progressão na carreira?
Uma mulher na área de gestão, conforme vai subindo, chefe de serviço, depois de departamento, quando passa para direção, enfrenta dificuldades maiores em relação a essa questão de gênero. É a realidade.
A gente vê que tem muito caminho pela frente para a gente realmente atingir a equidade. Hoje é mais difícil você ser discriminada por ser mulher de forma aberta, mas têm coisas que são embebidas no dia a dia, na forma de agir das pessoas.
Dê um exemplo...
As pessoas quando vão formar comitês (científicos) lembram-se dos homens. No Rio de Janeiro, foi formado comitê assessor ao prefeito para o enfrentamento à COVID-19. Você vê que a comissão só tem uma mulher.
É muito impactante ver que isso está na cabeça das pessoas. Elas só se lembram dos homens. Para ter visibilidade, as mulheres trilham caminho mais longo e mais difícil.
Fazer ciência no Brasil está mais difícil? Está cada vez mais difícil. Tenho o privilégio, junto a meus colegas da Fiocruz, de trabalhar numa instituição que preza a ciência. O ambiente é favorável.
Não é só dinheiro a questão da ciência, é um ambiente que tem a cultura da ciência, valores que facilitam o desenvolvimento da ciência. Você pode fazer ciência numa instituição e aquela instituição não valorizar aquilo, então fica tudo mais difícil. Aqui temos essa valorização.
Claro que, como em toda instituição no Brasil e universidades, temos dificuldades. Mas nossa cultura valoriza a pesquisa. Isso faz toda diferença, valoriza a inovação, e isso fomenta o desenvolvimento dos pesquisadores.
O que é o coronavírus
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 é transmitida?
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?
Como se prevenir?
A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê
Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
Em casos graves, as vítimas apresentam:
- Pneumonia
- Síndrome respiratória aguda severa
- Insuficiência renal
Vídeo explica por que você deve 'aprender a tossir'
Mitos e verdades sobre o vírus
Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência
Para saber mais sobre o coronavírus, leia também:
- O que é o pico da pandemia e por que ele deve ser adiado
- Veja onde estão concentrados os casos em BH
-
Coronavírus: o que fazer com roupas, acessórios e sapatos ao voltar para casa
-
Animais de estimação no ambiente doméstico precisam de atenção especial
-
Coronavírus x gripe espanhola em BH: erros (e soluções) são os mesmos de 100 anos atrás