Jornal Estado de Minas

COVID-19

Ainda dá tempo de frear o colapso na saúde; entenda como

Doentes à míngua dentro de casa, insuficiência de covas nos cemitérios, pacientes que morrem por falta de atendimento. O cenário de terror enfrentado por países como Itália e Equador no início da pandemia do novo coronavírus não é mais uma realidade distante do sistema de saúde brasileiro.





Em diversas regiões do país, o caos já está instalado. É o caso do Rio Grande do Sul, onde dados oficiais apontam mais de 500 pacientes na fila de espera por leitos de UTI, e do Mato Grosso do Sul, em que 100% das vagas de terapia intensiva do SUS estão ocupadas.

Os próximos 30 dias, alertam especialistas, serão cruciais para definir se a crise será generalizada. Números divulgados pelas secretarias estaduais de Saúde mostram que, em 24 das 27 unidades da Federação, a situação é de pré-colapso ou colapso, com lotação de hospitais superior a 80%.

Enquanto isso, o vírus se propaga com grande velocidade: só na sexta-feira (12/3), foram 75,4 mil novos infectados em todo o território nacional. Minas Gerais e Belo Horizonte estão inseridos nesse contexto, com recordes diários de contaminações e capacidade assistencial praticamente estrangulada.





Infectologistas e autoridades consultados pela reportagem do Estado de Minas avaliam que a União, os estados e os municípios ainda podem frear a catástrofe, mas precisam trabalhar juntos, equilibrando uma espécie de tripé: atenção primária, vacinação e atenção terciária. Tudo isso sem economia na liberação de recursos para a área da saúde.

A testagem em massa da população é uma das medidas defendidas (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press %u2013 11/3/20 )

PACTO NACIONAL 

Para o ex-ministro da Saúde e ex-presidente da Anvisa Agenor Álvares, embora todas as esferas de governo – federal, estadual e municipal – sejam responsáveis pelo enfrentamento da pandemia, a iniciativa de conduzir a crise deve partir do Ministério da Saúde.

“A gestão é tripartite, ou seja, não exime ninguém. Mas cabe à União induzir o processo de planejamento. A coordenação nacional é muito importante. Se não houver uma ação coordenada nos três níveis, fica difícil evitar um colapso. Sem isso, não podemos identificar onde estão localizados os maiores gargalos e problemas e, a partir daí, centrar esforços coletivos para sanar a situação”, analisa o sanitarista.





Entre as principais providências a serem tomadas em âmbito nacional, ele cita o Pacto Nacional em Defesa da Vida e da Saúde, defendido por governadores de 24 estados. A proposta, divulgada em 10 de março, pede a criação de um comitê gestor para o enfrentamento da epidemia, com representantes dos três poderes da República e de todos os níveis da Federação, com assessoria de comissão de especialistas.

Entre as propostas citadas no texto estão a ampliação de doses e fornecedores para a campanha de vacinação, além de apoio às medidas preventivas de contenção do coronavírus, como uso de máscaras, além de suporte para manutenção e aumento com agilidade dos leitos de UTI.

“Esse pacto é necessário também para que, neste momento crítico, seja possível injetar recursos na saúde com rapidez e sem amarras burocráticas. Agora, mais do que nunca, o SUS precisa de suporte financeiro e liberdade para alocação de recursos onde quer que seja necessário, sem limites. A prioridade é salvar vidas. E isso não se faz sem dinheiro. Nos países onde a pandemia está sendo superada com sucesso, não houve economia de recursos”, argumenta Álvares.





A infectologista e epidemiologista Luana Araújo acrescenta que o combate à doença no Brasil precisa considerar também ações que equilibrem todos os níveis de atenção à saúde. “Não adianta focar só na ponta da alta complexidade, abrindo leitos de CTI. Precisamos frear a propagação do vírus, senão nunca teremos leitos suficientes. Enquanto o foco estiver nos hospitais, vamos enxugar gelo”, pondera a médica.

Segundo Luana Araújo, ao mesmo tempo em que monitora as unidades de terapia intensiva, o poder público deve investir na atenção primária, ou seja, no atendimento básico à população, com ampla oferta de testes para a COVID-19. “Com isso, é possível reduzir a propagação do vírus. A testagem permite que o médico faça a detecção precoce da doença e oriente os pacientes a ficar em casa, para que não contaminem os outros. Consequentemente, a demanda das UTIs diminui”, afirma a infectologista.

Luana critica ainda a adoção do lockdown de forma isolada, sem planejamento que inclua outras medidas.“O lockdown é uma medida extrema, que funciona no curto prazo para conter a circulação de pessoas; logo, a disseminação do vírus. Mas ele tem sido usado no Brasil como uma espécie de tapa-buraco. Assim que os números da pandemia explodem, vem o prefeito e decreta lockdown. Mas ele não pode se esquecer de que a cidade será aberta de novo dentro de algumas semanas e que, a cada lockdown, a adesão das pessoas é menor. Por isso, é importante coordenar o bloqueio junto com a vacinação e com a atenção primária, com oferta irrestrita de testes”, defende.




TESTAGEM EM MINAS 

O presidente do Conselho de Secretarias de Saúde de Minas Gerais (Cosems-MG), Eduardo Luiz da Silva, também aposta na testagem em massa como arma de combate à pandemia no estado. “Os testes estão entre as nossas principais reivindicações da Secretaria de Estado de Saúde. No início da pandemia, era compreensível que esses itens fossem escassos, pois havia falta no mercado mundial. Agora, a produção já foi normalizada. A oferta desse insumo aos municípios mineiros é urgente nesse momento crítico”, diz o dirigente.

Silva propõe ainda maior repasse de recursos destinados à saúde pela União e pelos estados. Ele explica que 65% das cidades mineiras têm menos de 10 mil habitantes e, portanto, dependem majoritariamente de transferências governamentais para o sustento de suas despesas. Se não houver acréscimo de verbas nos próximos meses, alerta o gestor, os prefeitos podem ter dificuldades para responder às demandas do quadro pandêmico.

“No início de 2020, houve liberação de recursos do governo federal por meio das portarias 374 e 1.666 para aplicação emergencial na saúde. Mas esse dinheiro já está se esgotando. A liberação de mais verbas, tanto pelo estado, quanto pela União, para que possamos atravessar esse momento difícil é urgente”, afirma Silva.





MEDIDAS DE CONSENSO NA RMBH 

Em Belo Horizonte, onde 89,3% das vagas de UTI estão ocupadas, a superintendente do Hospital das Clínicas da UFMG, Andrea Ferreira, teme que as restrições anunciadas na sexta-feira (12/3) pelo prefeito Alexandre Kalil tenham eficácia reduzida se não houver um consenso dos municípios da região metropolitana.

“Até acho que a Secretaria Municipal de Saúde vem desenvolvendo um trabalho eficiente, Belo Horizonte é uma cidade conurbada. Ou seja: cercada de diversas cidades próximas, que muitas vezes recorrem ao nosso sistema de saúde. Então, o ideal seria que os prefeitos entrassem num acordo e padronizassem as medidas de contenção da pandemia”, diz Andrea Ferreira.

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