Jornal Estado de Minas

PANDEMIA

Entrevista: Carlos Starling fala sobre 1 ano de combate à COVID-19 em BH



O enfrentamento à pandemia do novo coronavírus precisa de um time de especialistas para estudar seu comportamento e monitorar a evolução de casos e mortes em uma cidade. Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil (PSD) instaurou o Comitê de Enfrentamento à Pandemia de COVID-19.



Nesta quarta-feira (17/03), ao completar um ano de existência deste grupo, o Estado de Minas inicia uma série de entrevistas exclusivas com os integrantes que reúnem informações para orientar as decisões de combate à doença na capital: os médicos infectologistas Carlos Starling, Estevão Urbano e Unaí Tupinambás, além do secretário de Saúde, Jackson Machado.



Na edição de hoje, o mais experiente entre os médicos infectologistas: Carlos Starling, que considera uma honra o trabalho à frente das orientações ao prefeito.

“Nós não conseguimos agradar todo mundo, mas nós ficamos muito satisfeitos de termos a menor taxa de mortalidade do país nas cidades com mais de 1 milhão de habitantes e a segunda menor mortalidade para cidades até 100 mil habitantes”, diz o médico.





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Com uma trajetória dedicada à saúde pública, a pandemia forçou Starling a trabalhar dobrado. Além da demanda diária de ver seus pacientes, discutir casos com os colegas, ele ainda trabalha com o controle de infecções hospitalares e soma história ligada à pneumologia e ao controle de infecções.

Também especialista em saúde pública pela UFMG, o médico conta os bastidores do comitê, a relação com Kalil, aponta erros e acertos, engrandece o trabalho da equipe técnica de Saúde e faz o alerta: “o vírus evoluiu bem mais rápido do que a nossa capacidade de contê-lo.”

Confira a entrevista completa

O comitê completa um ano desde que foi instaurado e, depois de todo esse tempo, como podemos avaliar em que momento Belo Horizonte está diante da pandemia?
Nós estamos num momento de extremo estresse epidemiológico. Certamente é um dos piores momentos da epidemia na cidade, no estado e no país como um todo. Nós já temos a experiência do ano passado todo, nós já conhecemos as estratégias de manejo da epidemia, temos dados consistentes e temos também uma mostra de que a população entende a necessidade das medidas e da postura do comitê.





Você se recorda como se deu a criação desse comitê?
Eu recebi uma ligação me convidando para participar de uma reunião com o Kalil e os secretários de Saúde e de Planejamento. Ao chegar no gabinete, também estavam Unaí e Estevão. Sentamos com o prefeito e mostramos as perspectivas epidemiológicas e como nós enxergávamos a dinâmica de controle dessa epidemia. Ele (Kalil) puxou uma cadeira e falou assim: “agora vocês você sentam aí me falam o que eu tenho que fazer, porque eu entendo muito bem de enchentes e desabamentos, que eu aprendi ao longo desse período, e vocês entendem de vírus, de infecção, então vocês me falam o que tem que fazer’. Assim foi criado.


Como é a relação entre os integrantes do grupo?
Nós ficamos em reunião constante ao longo desse um ano de existência. Não tem um dia em que nós não nos comunicamos pelo menos umas 10 vezes ao dia. É extremamente intensa a nossa relação e a discussão, seja de artigo científico, seja de dados epidemiológicos. Temos uma relação extremamente clara entre nós e com o próprio prefeito, que confiou e confia no trabalho e nós vemos isso como um diferencial da cidade. É um prefeito que eu não conhecia, é importante dizer. Nós nunca tivemos nenhuma relação.

O que te fez aceitar essa missão?
É o mesmo motivo muito semelhante pelo qual me perguntam sempre porque aceito dar entrevista toda hora. Primeiro, eu estudei minha vida inteira em escola pública, e o mínimo que eu tenho que fazer é retornar para a população aquilo que ela me deu, que foi a minha formação. E no momento crítico como esse você ser convidado para um comitê com tamanha responsabilidade, isso é um mais do que uma honra, é uma obrigação de cidadão.





Entrevistas diariamente, coletivas de imprensa, reuniões ao lado do Kalil. O que mudou na sua vida em um ano com toda essa exposição?
O que mudou esse ano foi a quantidade de lives, entrevistas, reuniões, além do trabalho que já executo normalmente, de ver os pacientes, dar suporte aos hospitais onde eu assisto, e aos colegas médicos. Posso dizer que aumentou muito a minha carga de trabalho e por incrível que pareça como boa parte desse trabalho às vezes é feito de casa, agora eu tenho também ficado mais perto das minhas quatro filhas.

Sua família de certa forma agradece?
Olha, eu não sei. Eu acho que essa exposição tem os seus preços, que é agressão que eventualmente a gente sofre.

Como é lidar com essas agressões?
Eu simplesmente ignoro, porque nós temos uma linha de trabalho, nós temos confiança no que a literatura nos mostra como caminho e nós seguimos nosso trabalho baseado em dados científicos, temos a certeza que as pessoas estão entendendo. A grande maioria das pessoas entendem bem o que vem sendo feito. Claro, agradar todo mundo é impossível, principalmente com medidas eventualmente duras que têm que ser tomadas, mas nós temos que continuar fazendo, seguindo esse trabalho e dando sustentação às medidas que são necessárias no momento que elas devem ser tomadas. Quanto aos espinhos deste trabalho, eles fazem parte.

Agora, ao olhar para trás, é possível ver alguma falha, algum erro, alguma tomada de decisão que poderia ter sido diferente?
Algumas coisas que poderiam ser feitas diferentes: nós poderíamos ter testado mais a população e adotado estratégias de isolamento e testes (juntas), entretanto, isso não é muito fácil de fazer porque nós não tínhamos no princípio a quantidade de testes.





Outra coisa que eu acho que nós poderíamos melhorar, e temos que melhorar para os próximos anos, é a questão da vacinação, que também não depende da prefeitura. Ela depende do PNI, nós precisamos de vacinas para poder executar esse trabalho. Foram feitas tentativas de aquisição de vacinasPlano B para vacinas, isso foi feito e ainda pode ser lançado mão dessa estratégia caso nós não tenhamos a quantidade de vacina que nós precisamos.

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Nós poderíamos sim ter feito uma alguma flexibilização talvez de ações nas escolas, talvez rever a questão das escolas, entretanto, a preparação dessas escolas é um assunto complexo, difícil de se lidar e que às vezes a discussão é muito apaixonada e com poucas certezas em relação a esse tema. De qualquer forma, poderíamos ter aproveitado uma ‘janela’ no meio do ano para abrir as escolas e logo depois teríamos que fechar.

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A falta de uma estratégia única de enfrentamento à COVID-19 no país atrapalha o trabalho do comitê?
Nós estamos aprendendo a lidar com epidemia, aprendendo a lidar com um desafio mundial. Nesse país ainda é mais complicado porque você tomar decisões que eventualmente não tem consonância com as posições federais, é muito complicado. E Belo Horizonte não é uma ilha, nós recebemos influência pesada da política governamental federal, estadual e o diálogo e a consonância dessas três esferas de poder é fundamental para condução da epidemia, seja numa cidade, no estado, no país, num continente. Mas nós temos sim certeza que nós tivemos mais acertos do que erros, e os números mostram isso.





E quais são os principais acertos?
O primeiro acerto foi o início do fechamento, a decisão de fechar a cidade rapidamente logo nos primeiros casos porque foi isso que permitiu segurar a evolução da epidemia e fazer com que os hospitais se preparassem bem para enfrentar o problema.

A criação dos indicadores, a princípio os velocímetros de progressão da epidemia e a forma de comunicação simples que foi criado com a população. Alguns outros estados criaram regras às vezes muito complexas que a população não entende e nós resolvemos trabalhar com a comunicação super simples: vermelho, amarelo e verde, guardando a correlação com sinal de trânsito.

O secretário Jackson é o esteio desse trabalho. Ele e a equipe. Outra figura importante é o secretário de Planejamento, André Reis, sempre muito competente.





O que a gente pode esperar do próximo ano?
Eu tinha feito uma projeção e eu discuti isso em algumas reuniões de que nós teríamos um primeiro trimestre muito parecido com o último trimestre de 2020. Eu errei pesado. Esse foi um erro de análise. O nosso primeiro trimestre tem sido bem pior do que nós imaginávamos. Nós estamos vivendo uma situação pior do que o ano passado, com variantes, uma aceleração rápida da epidemia e isso de uma forma homogênea atingindo o país inteiro. Nesse momento, se nós não pararmos completamente o país, certamente também nós não vamos conseguir controlar esse vírus. Nós seremos o paraíso mundial das variantes e isso vai nos isolar do restante do mundo.


O país hoje tem uma epidemia absolutamente fora de controle, com o aumento progressivo do número de mortes, uma vacinação acanhada frente a nossa competência para vacinar, ou seja, temos competência para vacinar mas não temos vacinas em quantidade suficiente e para atender e poder bloquear esse cenário que é ruim para 2021. Muito ruim se nós não vacinarmos rápido e fizermos interrupções de mobilidade social ampliadas para o país, certamente nós vamos conviver com o drama social sem igual. Nós ainda não vimos e estamos começando a ver a pior face dessa epidemia.

Nos próximos três meses nós vamos viver ainda, continuar vivendo um drama em progressão, e que pode piorar com o surgimento de mais variantes, ainda mais adaptadas a nós, acometendo faixas populacionais diferentes daquela faixa mais acometida inicial que era idosa, hoje jovens e crianças começam ser acometidas. O vírus evoluiu bem mais rápido do que a nossa capacidade de contê-lo e nós dependemos da consciência das pessoas para segurar e conter essa progressão e evolução viral. E aí que tá o complicador maior: a falta de unicidade na condução da epidemia no país. Portanto eu acho que nós vamos ter um 2021 ainda muito difícil e com idas e vindas nas medidas de restrição de mobilidade social.



Quem é Carlos Starling?

Carlos Starling, médico infectologista e integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 da PBH (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A. Press)


IDADE: 63 anos
FORMAÇÃO: Médico
ESPECIALIZAÇÃO: Medicina Preventiva e Social, Infectologia, Mestre em Medicina
LOCAL QUE ESTUDOU: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)
OUTRAS ATUAÇÕES: Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), Sociedade Mineira e Brasileira de Infectologia

O que é o coronavírus

Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
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Como a COVID-19 é transmitida? 

A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.

Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?

Como se prevenir?

A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.



  

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Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam:

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal

Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus. 

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Mitos e verdades sobre o vírus

Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.

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