Jornal Estado de Minas

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'É um cenário de filme de terror', diz médico infectologista sobre BH


Médico, especializado em infectologia e, com prazer em exercer sua ocupação mais importante: professor. Unaí Tupinambás carrega a vida na docência acumulando experiência de alguém que ensina ciência, técnica e propaga experiências.





Com essa carga de conhecimento, o especialista foi convidado a integrar o Comitê de Enfrentamento à Pandemia de COVID-19, instituído pela prefeitura de Belo Horizonte há exatamente um ano.



Ele faz parte de um time que estuda o comportamento do novo coronavírus e monitora a evolução de casos e mortes na capital. A partir disso, o grupo reúne dados e opiniões que orientam o prefeito Alexandre Kalil (PSD) sobre as flexibilizações do comércio.

Na semana em que se completa um ano da confirmação do primeiro caso da doença em BH, o Estado de Minas publica uma série de entrevistas exclusivas com os integrantes do comitê: os médicos infectologistas Carlos StarlingEstevão Urbano e Unaí Tupinambás, além do secretário de Saúde, Jackson Machado.





Na edição de hoje, o professor Unaí, defensor ferrenho do SUS, alerta para a situação atual da pandemia: “Belo Horizonte tem um risco real de entrar em colapso”, afirma. E, mesmo assim, é positivo com relação à vacinação: “há uma luz no fim do túnel.”

Em uma conversa intimista, o médico revela seus posicionamentos políticos, defende o lockdown para alívio da pressão hospitalar e ainda confidencia um sonho divertido com a cloroquina enquanto estudava o medicamento.

Confira a entrevista completa

O comitê está completando um ano neste período crucial da pandemia. A primeira pergunta é: em que momento estamos?

Estamos no pior momento da pandemia. Fica parecendo que o ano passado foi um treino para esse momento. A gente não achava que ia chegar nessa situação. A população está cansada, às vezes fica confusa por conta da falta de uma política centralizada pelo SUS. Apenas o prefeito de Belo Horizonte não teria poder de convencer as pessoas a ficar em casa.





Nesse momento, talvez o mais crucial, em que as pessoas deveriam ficar em casa, e elas claramente não conseguem ficar em casa por vários motivos: não tem auxílio emergencial, se não sai para trabalhar, não consegue colocar comida dentro de casa, e, paradoxalmente, esse talvez é o pior cenário que nós estamos vivendo.

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Belo Horizonte tem um risco real de entrar em colapso. Minas Gerais nesse caos todo, várias cidades com 100% de ocupação de leitos. Belo Horizonte recebe muitas pessoas na saúde suplementar do interior de Minas Gerais.

E tem essa outra variável que também não é menos importante, que são as cepas novas, que circulam com mais facilidade entre as pessoas e pegando esse cenário de terra arrasada, um ano já com crise econômica, social e política.





Você acredita que este é o pior cenário da pandemia até hoje?

Realmente eu acho que talvez nós estejamos vivendo o pior cenário. Agora a pergunta que fica é: por quanto tempo? Se a gente pudesse fazer o sonho de consumo de todo infectologista, epidemiologia, e sanitarista, é poder fazer um lockdown de 21 dias. Aí acabava com a pandemia. Lockdown e vacina em cima. É o que fez PortugalIsrael, é o que fez todos os países sérios que tiveram uma organização de enfrentamento.

Quando eu falo acabar, eu tô sendo bem exagerado, mas você tira a pressão do sistema de saúde, as pessoas param de adoecer, param de morrer, que o que nós queremos agora: evitar as mortes. É um cenário de filme de terror. Não tem para onde correr. Se lá atrás as pessoas podiam correr de Manaus para Belo Horizonte, para as capitais, hoje não tem para onde ir.

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Já imaginou se você morrer com falta de ar dentro da sua casa ou no carro que vai lá para o hospital? E pior, você pode morrer de uma apendicite, você pode morrer no parto complicado, você pode morrer de AVC, de um derrame, porque não vai ter pessoas para te atender. Esse é o cenário que a gente tá vivendo.





O que Belo Horizonte aprendeu nesse um ano de pandemia da COVID-19?

A gente aprendeu a importância do diálogo com a comunidade. Talvez o maior aprendizado é a gente dialogar, não só o comitê, mas também nós professores, cientistas, a tentar dialogar com a população mostrando para ela os avanços da ciência, o método científico, as nossas lacunas de conhecimento.

Unaí Tupinambás, médico infectologista e integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 da PBH (foto: Gladyston Rodrigues/EM/D.A. Press)


Acho que só nesse diálogo com a comunidade bem transparente a gente pode combater as fake news. A imprensa teve um papel importante, essa parceria foi interessante. Tanto é que a gente do comitê e outros colegas sempre tentava responder, dar retorno à demanda, que não era pouco, de vocês.

Como se deu a criação desse comitê? Como a prefeitura chegou até você para este convite?

Eu não tenho a mínima ideia (risada). Eu acho que eles queriam ter representatividade da academia, no caso da UFMG e, coincidentemente, eu dei uma primeira aula sobre COVID em 29 de janeiro e aquilo me intrigou muito e eu comecei estudar, e eu achava, na inocência, que aquilo não ia chegar aqui de jeito nenhum. Na esperança, torcendo para que nada acontecesse. Aí as coisas foram complicando na China e continuei a estudar e ler muito.




Coincidentemente eu preparei uma aula para o HC (Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais) e ela foi muito assistida naquele momento. Ela bateu recorde de assistência, claro que naquele momento todo mundo tava querendo saber o que era esse negócio que chamava ‘novo coronavírus 2019’.

Talvez aí alguém da prefeitura deve ter visto e me chamaram, mas poderia ter sido qualquer um colega do departamento que tivesse nessa área de infectologia da saúde pública. E eu tive o privilégio, que foi uma honra, estar ocupando esse espaço, nunca imaginei que isso ia acontecer. Realmente tem sido um grande desafio.

Como é a relação do prefeito Alexandre Kalil (PSD) com o comitê?

Ele é muito cordial, educado, gentil. Ele escuta a gente o tempo todo. A gente vai com a discussão biomédica e ele traz as variáveis socioeconômicas e políticas que tem que ser considerado. Eu falo isso desde o início que a pandemia não vai ser resolvida só com remédio e biomedicina, tem que colocar ciências sociais e políticas nesse caldeirão. Kalil é gestor e traz isso.



Às vezes ele coloca algumas questões que são muito pertinentes. A gente entra num consenso. Ele sempre disse que ia seguir a ciência, e que ele traz também as suas visões de político que ele é. É muito bom porque balança.

Ele conduziu muito bem. Poderia ter sido melhor, poderíamos ter tido mais apoio do governo federal, apoio emergencial, mais exames, mais verbas para o SUS, mas são questões que não estão na governança de um gestor municipal.

Por que aceitar esse convite, ou, por que não negar a convocação?

Eu sou funcionário público, sou de dedicação exclusiva à universidade, sou pago pelo dinheiro da União, pelos impostos da população. Acho que era quase uma obrigação e, nesse momento, uma honra. Não poderíamos decepcionar a sociedade.



Em algum momento durante este ano você chegou a querer desistir desse trabalho que é voluntário?

Nunca pensei em desistir. Cansado todo mundo está. No ano passado nós trabalhamos muito, ainda estamos, mas no início foi uma coisa muito louca. Além do comitê, cursos de formação, cursos de extensão, projetos de pesquisa, o boletim de COVID da UFMG, outros projetos, grandes pesquisas, aulas no sábado. Tudo muito intenso.

Tem um ano que todo mundo tá muito intenso nessa luta. Mas eu tô doido para acabar. Acho que vai acabar essa pressão até o fim do ano, com as vacinas.

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Eu não vejo a hora de tentar dar uma relaxada. Mas eu sou privilegiado, tenho meu salário, eu tenho uma casa, eu não posso reclamar. O povo brasileiro tá sofrendo muito e eu não posso reclamar. 

Esse comitê está sempre se expondo, aparecendo ao lado do prefeito e do secretariado, se responsabilizando pelas decisões. O que mudou na sua vida nesse um ano de coronavírus e também de exposição?

Nossa! Mudou muita coisa, mudou tudo. Por incrível que pareça, a coisa mais chata foi isso de ficar longe dos amigos e família. Isso me deixou muito abalado. Mas, como eu disse anteriormente, eu sou privilegiado porque eu acho que a minha qualidade de vida melhorou. Eu tenho comido melhor, feito mais ginástica, estou bebendo menos… Olha que loucura! Porque beber sozinho é ruim.





Unaí Tupinambás, médico infectologista e integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 da PBH (foto: 30/12/2020 - Tulio Santos/EM/D.A Press)


Essa exposição me cansa um pouco, é chata às vezes. Eu tento sempre dividir a bola com os colegas da faculdade, mas sabendo também da importância de dar um retorno. Eu vejo retorno bom, várias pessoas retornando pra gente, algumas falam que adoram ouvir a gente (o comitê) falar, que se sente seguro, tem uma segurança, uma certeza, acredita no que a gente fala. Mas isso cansa um pouco, o holofote às vezes incomoda a visão. 

Mas, assim, mudou muita coisa. Andar de máscara é muito ruim. Eu sempre gostei de abraçar as pessoas e não abraça mais, só fica ali de cotovelada. Que chato!

Como lidar com as pessoas que são contrárias? Pessoas que não confiam, que não concordam com os trabalhos dos especialistas do comitê?

Engraçado isso. Eu sempre fui muito ríspido com isso. Não sei se é idade ou esse momento, mas acho que eu tenho tido muito mais paciência com eles. Vejo sim as pessoas falando absurdos, eu fico escutando e vou tentando falar.


É o que eu falo sempre: de cada 10 negacionistas, eu acho que nove estão procurando informações corretas. Estão inseguros, com medo legitimamente. A gente consegue convencer esses nove. Aqueles 10% são coisas perdidas, não tem o que conversar com eles, mas a gente conversa com calma.





Você chegou a estudar a cloroquina, que de certa forma foi 'politizada'. Como você enxerga isso?

Eu tenho um 'álibi' com a questão da cloroquina porque nós pesquisamos a cloroquina no início do ano passado, fizemos nosso ensaio clínico interessante. Eu tinha esperança que ela poderia funcionar, se ela funcionasse, maravilha! Parece que não vou usar porque eu sou anti bolsonarista… É uma estupidez sem tamanho.

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Eu já tive até sonho. Eu sonhei que estava andando dentro do artigo científico da New England Journal of Medicine, que é um jornal muito importante, e a revista falando assim que a cloroquina salvou a vida. Eu falei: ‘gente do céu onde eu errei?’. Aí eu lembro que andava no artigo em cada palavra para ver onde eu tinha errado. Eu acordei e fiquei pensando se era sonho mesmo. Será que teve algum artigo que eu não li? Aí eu falei: se isso for verdade, eu vou dar minha cara a tapa. Fizemos a pesquisa na torcida que dava certo.

Esse ambiente conflituoso dificultou o enfrentamento da pandemia. Politizou a cloroquina, a máscara, o isolamento social. Vamos pagar um preço muito caro. 

Carreira política, você chegou a ser sondado, pensa nisso alguma vez?

Sim. Já fui sondado, eu declinei. Neste momento não. Eu já fui candidato a vereador em 1982 em Itaúna, eu estava no meu primeiro ano de medicina. Ainda bem que eu não fui eleito porque minha vida seria completamente diferente. Hoje eu não tenho nenhuma pretensão política, não está em mim, não tenho vontade.





Não quero, não está no meu radar. Tenho capital político, mas acho que tenho que usar no espaço que estou, da universidade. É delicado, acho que a população não vai entender, vão falar que usei de trampolim pra ser político. Nossa… A vida de político é muito chata.

Sou uma pessoa que tomo partido, faço campanha. Foi tão interessante que o prefeito sabe que eu não voto nele. Eu falei com ele: ‘se tiver segundo turno, eu voto em você’. Até falei com ele ‘espero que você ganhe no primeiro turno’. Depois que passou, brinquei com ele ‘ainda bem que não precisou do meu voto, né, Kalil?’. A gente tem essa abertura tranquila.

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Belo Horizonte é exemplo para as outras capitais? Isso tem a ver com o trabalho do comitê, com posicionamento do prefeito, ou com o comportamento da população?

É um sucesso relativo. O SUS-BH é bem estruturado e é uma construção coletiva que vem desde os anos 80 e Kalil pegou e soube pegar esse bonde andando e mantiveram essa estrutura do SUS.





Temos o prefeito que falou que ia seguir a ciência desde o início. Ele seguiu a ciência o tempo todo, foi uma jogada inteligente dele, acho ele não pensou nisso, só nos dividendos políticos. Ele estava preocupado com a população.

E eu acho que a população, de uma certa forma, confia no comitê. E, claro, a população tá super cansada, como eu falei anteriormente. Está há um ano com essa crise humanitária, econômica, um cenário de terra arrasada. Então eles têm que dar um jeito de sair, tem que fazer dinheiro.

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Imagina hoje, por exemplo, quantos garçons estão em casa, que era o esteio da família? Eu fico pensando no setor econômico, pessoas que estão sem ter aquele do dia-a-dia, sabe? Isso é muito grave, é muito trágico, se tivesse um auxílio emergencial ajudaria bastante.





Olhando para trás, fazendo um balanço de como foi esse ano, é possível a gente enxergar algum erro, alguma falha nas decisões, e também pontuar os principais acertos?

Sempre poderia ter feito diferente. Algumas coisas estavam na nossa governança, outras não. Eu acho que talvez a gente poderia ter batalhado, mas não sei como tirar recurso, era ampliar o teste diagnóstico, fortalecer ainda mais a atenção primária à saúde. Talvez ampliar o comitê com mais uma figura feminina. Talvez a Educação e Ações Sociais fixas no comitê.

O que a gente pode esperar do próximo ano? Quando desmobiliza o comitê? 

Espero que acabe logo, que até o final do ano seja nossa redenção. Acredito que nós teremos vacina, eu acho que até no final desse semestre nós vamos vacinar toda a população acima de 60 anos. Assim a gente vai sair da crise sanitária, vai acabar a pressão nas internações.

No segundo semestre nós vamos continuar vacinando a população até 18 anos de idade e até no final do ano já vão ter estudos mostrando a eficácia e segurança da vacina em crianças e adolescentes. Acho que nós vamos ficar esse ano inteiro confuso ainda. Talvez comece a melhorar a partir de agosto/setembro.





Nós vamos ter uma primavera talvez muito boa em termos de ocupação de mortes, mas o vírus vai estar circulando, vamos ter que usar máscara, evitar algumas aglomerações, mas há uma luz no fim do túnel.

Quem é Unaí Tupinambás?

Unaí Tupinambás, médico infectologista e integrante do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 da PBH (foto: 07/07/2020 - Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press)


IDADE: 59 anos
FORMAÇÃO: Médico
ESPECIALIZAÇÃO: Infectologia
LOCAL QUE ESTUDOU: Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) 
OUTRAS ATUAÇÕES: Médico infectologista, professor da Faculdade de Medicina da UFMG, Prefeitura de Belo Horizonte, assessor do Ministério da Saúde

O que é o coronavírus

Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.
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Como a COVID-19 é transmitida?


A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.



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Como se prevenir?


A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
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Quais os sintomas do coronavírus?

Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:

  • Febre
  • Tosse
  • Falta de ar e dificuldade para respirar
  • Problemas gástricos
  • Diarreia

Em casos graves, as vítimas apresentam

  • Pneumonia
  • Síndrome respiratória aguda severa
  • Insuficiência renal

Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus.

 

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Mitos e verdades sobre o vírus


Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.



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