A contribuição para a saúde pública não começou em 2016, com o convite do prefeito Alexandre Kalil (PSD) – de quem ele revela ser um “amigo pessoal”. O dermatologista já havia atuado na Secretaria Estadual de Saúde como coordenador do Programa de Doenças Sexualmente Transmissíveis em meados dos anos 1980.
É em reuniões semanais com os infectologistas Carlos Starling, Estevão Urbano e Unaí Tupinambás que saem as orientações sobre flexibilização do comércio ou restrições mais rígidas.
Confira a entrevista completa
Nesta semana completa um ano do primeiro caso confirmado do novo coronavírus em BH, também um ano da criação do Comitê e um ano do primeiro fechamento. Tudo isso em um momento crucial, quando há explosão de casos e de ocupação de leitos. O que Belo Horizonte aprendeu nesse um ano de enfrentamento à COVID-19?
Estamos experimentando o maior número de casos desde o ano passado. O distanciamento social é sem dúvida alguma o aprendizado mais importante, juntamente com o uso da máscara e as medidas de higienização das mãos com álcool em gel ou com água e sabão.
Mas, disparado, o distanciamento social é a medida mais importante, porque sabemos que, para haver contágio, é necessário um contato por um tempo maior que 10 a 15 minutos com pessoas sem máscara. Toda vez que a gente se aglomera, a chance de contágio aumenta substancialmente.
Como se deu a criação do Comitê de Enfrentamento à COVID-19 montado pela prefeitura?
Obviamente, por ser do meio médico, eu já conhecia as pessoas e, principalmente, pessoas que representam instituições de altíssima qualidade, como é o caso da Sociedade Brasileira de Infectologia, Sociedade Mineira de Infectologia e da Universidade Federal de Minas Gerais.
Convidei essas três pessoas, telefonei imediatamente para o prefeito e informei que havia convidado essas pessoas, e elas tinham concordado em fazer parte do comitê. Isso aconteceu cerca da meia-noite do dia 16 de março de 2020. No dia 17 já saiu o decreto instituindo o comitê sob a minha coordenação.
Como é a relação do prefeito Alexandre Kalil (PSD) com o comitê? Como são as reuniões? Quais assuntos são tratados?
Ele quase nunca dá opiniões nas áreas técnicas, exceto quando há questões matemáticas envolvidas, que é muito da área dele, da engenharia. Então, ele opina bastante nas áreas relacionadas à matemática e em relação às implicações políticas dos atos que o comitê aconselha e em relação à efetividade das ações que a gente propõe.
Há uma conversa muito franca, muito aberta, não é impositiva. A gente sempre vota para escolher a melhor decisão, mas devo te dizer que em praticamente todas as situações a decisão de aconselhar o prefeito a uma determinada postura foi unânime.
BH está em um momento de restrição das atividades. Há alguma previsão de quanto tempo isso vai durar?
Mas temos que lembrar que quando uma ambulância vai transportar um paciente com COVID, após o transporte, ela tem que sofrer um processo de higienização terminal, que é um processo de higienização muito completo. Não queremos que uma ambulância que transporta doente COVID sirva de fonte de contágio para um doente não-COVID transportado logo a seguir.
Com relação a esses números, que são muito dinâmicos ao longo do dia, como o transporte e as filas de internação. Por que eles não são divulgados para todo mundo em tempo real?
"São pessoas que têm poder aquisitivo maior e que, portanto, se cansaram de ficar em casa e, vou dizer, 'chutaram o pau da barraca' e acharam que a diversão era mais importante do que a prevenção"
Jackson Machado Pinto, secretário de Saúde de BH
Quando a prefeitura voltar a flexibilizar, o que deve ser prioridade para abrir primeiro?
Sabemos das implicações do fechamento, sabemos que as pessoas estão sofrendo porque deixaram de ganhar recursos para manter as suas despesas, o comitê é sensível a todas essas questões.
"Mas também entendemos, como médico que somos, que a preservação da vida é mais importante que a conta bancária"
Jackson Machado Pinto, secretário de Saúde de BH
O dinheiro ganha-se de outras formas depois. Vende bala no sinal, faz o que for preciso fazer. Mas a vida não.
Temos pessoas que adoeceram com COVID e ficaram com várias sequelas. Sequelas neurológicas, tem gente que não consegue falar, tem gente que tem perda de movimentos do pé, por exemplo. São sequelas dos mais variados tipos possíveis.
Não queremos que isso aconteça com ninguém. O ideal é que estivéssemos todos vacinados.
Fazendo um balanço de como foi esse primeiro ano, é possível enxergar algum erro, alguma falha nas decisões?
E quais os principais acertos do comitê?
Até a semana passada eram Palmas e Florianópolis, mas Florianópolis já passou Belo Horizonte no número de mortes por 100 mil habitantes. Isso nos dá a certeza de que as medidas que foram sugeridas ao prefeito e adotadas com muita coragem foram acertadas.
E aí a atenção primária têm um papel muito importante no monitoramento dessas pessoas. Esse monitoramento e o controle dessas comorbidades também auxiliam nos bons números que BH teve.
Há um desejo de reabertura das escolas por parte da prefeitura, que inclusive havia anunciado retorno previsto para março, adiado por causa da piora nos indicadores. Quando for a hora de receber esses alunos novamente, com qual modelo a prefeitura trabalha?
Pequenos grupos de alunos, no máximo seis. Eles saem da escola numa hora diferente da outra bolha, se alimentam em horários diferentes e compartilham entre si algumas atividades. Mas não entram em contato com os componentes de outra bolha. Esse conceito de bolha minimiza uma possível disseminação do vírus dentro de uma escola.
Desde o início da pandemia você sofre uma pressão direta e indiretamente de todos os lados. Comerciantes, empresários, sindicatos, a pressão da imprensa também e a própria pressão da prefeitura. Você já chegou a pensar em deixar o cargo na secretaria de Saúde alguma vez?
Às vezes, a gente fica desgastado por causa exatamente dessas pressões, mas devo dizer que as pressões, embora tenham sido muitas e muito grandes, da minha parte são compreensíveis. Entendo bem um comerciante reclamar que foi fechado, mas sei também que não fui eu quem fechou, foi o vírus que nos fez tomar essa decisão, já que sabemos, aprendemos a experiência de outros locais que é a aglomeração que causa a maior disseminação do vírus.
"A gente sabe que as pressões são inevitáveis. Hoje a gente sofre pressão porque todo mundo quer ser vacinado primeiro."
Jackson Machado Pinto, secretário de Saúde de BH
Os “adoradores de chuva na quarta-feira de manhã nos dias nublados” querem ser os primeiros a vacinar do que os outros (risada). A gente entende isso, mas as pessoas, neste momento, têm que olhar para o lado da comunidade em vez de olhar para o próprio umbigo e entender que é importante, há pessoas que são mais expostas e que precisam ser vacinadas prioritariamente.
A gente entende as pressões, mas sabe também que elas são muitas vezes fruto daquela necessidade que a pessoa tem de culpar alguém por uma situação. Então, eu não me preocupo com as pressões. Tenho minha consciência muito tranquila de que o comitê tem feito o que de melhor poderia estar fazendo dentro das limitações.
Nós não temos, obviamente, poder ilimitado para resolver nada. Quem resolve em última análise é o prefeito, mas o comitê sempre dá sugestões mais pertinentes. Até hoje, confesso que não consigo pensar, já falei isso antes, em nada de errado que tenha sido feito. As pressões são tão naturais e vão acontecer em qualquer situação, são parte da função da gente.
A respeito dos números favoráveis de BH em relação a outras capitais do Brasil, a que você atribui esses resultados: o comportamento da população, o trabalho do comitê ou a postura do prefeito?
Para se ter uma ideia, em 8 de fevereiro de 2020, não tínhamos tido ainda um caso sequer em Belo Horizonte, mas as nossas equipes de atenção domiciliar já estavam todas treinadas para colher material para poder fazer RT-PCR.
E, no início de março, nossas equipes do Samu, duas semanas antes do primeiro caso, já estavam também treinadas para transportar paciente com COVID. O planejamento precoce é uma premissa básica da qual partimos sempre. Esperamos que aconteça o melhor cenário, mas nos preparamos sempre para o pior cenário.
Essa obediência a essa premissa e a tentativa de sempre mantermos uma coerência nas decisões se somam a esses fatores que você mencionou para explicar porquê Belo Horizonte tem os números que tem.
O que é o coronavírus
Coronavírus são uma grande família de vírus que causam infecções respiratórias. O novo agente do coronavírus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doença pode causar infecções com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte.Vídeo: Por que você não deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 é transmitida?
A transmissão dos coronavírus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secreções contaminadas, como gotículas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal próximo, como toque ou aperto de mão, contato com objetos ou superfícies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.
Vídeo: Pessoas sem sintomas transmitem o coronavírus?
Como se prevenir?
A recomendação é evitar aglomerações, ficar longe de quem apresenta sintomas de infecção respiratória, lavar as mãos com frequência, tossir com o antebraço em frente à boca e frequentemente fazer o uso de água e sabão para lavar as mãos ou álcool em gel após ter contato com superfícies e pessoas. Em casa, tome cuidados extras contra a COVID-19.
Vídeo: Flexibilização do isolamento não é 'liberou geral'; saiba por quê
Quais os sintomas do coronavírus?
Confira os principais sintomas das pessoas infectadas pela COVID-19:
- Febre
- Tosse
- Falta de ar e dificuldade para respirar
- Problemas gástricos
- Diarreia
Em casos graves, as vítimas apresentam
- Pneumonia
- Síndrome respiratória aguda severa
- Insuficiência renal
Os tipos de sintomas para COVID-19 aumentam a cada semana conforme os pesquisadores avançam na identificação do comportamento do vírus.
Vídeo explica porque você deve aprender a tossir
Mitos e verdades sobre o vírus
Nas redes sociais, a propagação da COVID-19 espalhou também boatos sobre como o vírus Sars-CoV-2 é transmitido. E outras dúvidas foram surgindo: O álcool em gel é capaz de matar o vírus? O coronavírus é letal em um nível preocupante? Uma pessoa infectada pode contaminar várias outras? A epidemia vai matar milhares de brasileiros, pois o SUS não teria condições de atender a todos? Fizemos uma reportagem com um médico especialista em infectologia e ele explica todos os mitos e verdades sobre o coronavírus.
Coronavírus e atividades ao ar livre: vídeo mostra o que diz a ciência
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