Jornal Estado de Minas

ABASTECIMENTO DE BH

Dia Mundial da Água: comitê alerta para possível colapso do Rio das Velhas


A segurança hídrica deve ser uma preocupação contínua da sociedade, das empresas e do estado. Ofertar água em quantidade e qualidade suficentes para sobrevivência e produção, sem esquecer que se trata de um recurso não renovável, é obrigação de todos.



O alerta veio no Dia Mundial da Água, 22 de março, do Comitê Bacia Hidrográfica Rio das Velhas - CBH, que divulgou carta lançando a campanha "O Rio que eu cuido", apresentando fatores que atualmente colocam a Região Metropolitana de Belo Horizonte em estado de insegurança hídrica.
 
São 51 municípios que dependem das águas do Rio das Velhas e uma população de mais de 5 milhões de pessoas. A preocupação vai além do simples fato de colocar água tratada e distribuir nas residências.

Nos últimos anos, chuvas mostraram que só chover não resolve o problema, mesmo com o volume considerável, ainda houve falta de água na bacia, principalmente na porção a montante de Presidente Juscelino, Região Central do estado. O território precisou de normativa de redução de consumo de água. 





"O que demonstra a perda de capacidade da bacia de se recuperar", advertiu Poliana Valgas, engenheira ambiental e presidente do CBH Rio das Velhas, em coletiva online na manhã desta segunda-feira (22), com participação do secretário do comitê, Marcus Vinícius Polignano e do projeto Manuelzão.
 
A capital do estado retira do Rio das Velhas mais de 70% da vazão do rio, que chega a valores críticos nos meses de julho, agosto e setembro. A Região Metropolitana de Belo Horizonte ocupa apenas 10% da área territorial da bacia, mas possui mais de 70% de toda a sua população.

Concentra atividades industriais e tem processo de urbanização avançado, sendo por isso a área que mais contribui com a degradação das águas do Rio das Velhas.
 
Em 2020, somente Belo Horizonte acumulou 2.338mm de águas pluviais. Menor volume apenas em relação ao ano de 1983. Porém, nada foi aproveitado. A cidade não conta com sistemas de captação de água da chuva, prática utilizada em vários países.



"Toda água que cai na área urbana não é reaproveitada. Precisamos mudar o modelo de cidade para que essa água sirva durante o ano para determinados períodos e evite mais enchentes", defende Polignano. E completa: "Perdemos mais ou menos 40% da água tratada, o que é inaceitável. Água que não se recupera".
 
"BH depende em 60% do Rio das Velhas e não temos uma conexão entre os sistemas. Se o 'Velhas' cair efetivamente, você não consegue fazer com que a água do Paraopeba chegue a todos os pontos abastecidos pelo sistema Velhas", alerta Polignano.
 

Traçado do rodoanel é motivo de preocupação

A mais recente preocupação é com o anúncio pelo governador Romeu Zema (Novo) do projeto para construção do Rodoanel, que substituirá o fluxo intenso de veículos do atual Anel Rodoviário. 



"Ninguém é contra", explica Polignano, "mas o desenho original passa em áreas muito sensíveis, que são hídricas, de biodiversidade. É possível alternativas. A campanha 'O Rio que eu cuido' é pra dar visibilidade às pessoas que estão próximas aos seus rios, que lutam pelo bem comum, para que tenham biodiversidade, peixes, capacidade de renovação. São todos os rios, incluindo os urbanos. Que sejam revitalizados, revistos e mantidos".
 
O acordo entre a Vale o governo do estado prevê investimentos de R$ 4,5 bilhões em mobilidade urbana, tendo a construção de um Rodoanel na RMBH como destaque. A nova malha viária irá contemplar quatro alças – Norte, Oeste, Sudoeste e Sul –, sendo o entroncamento entre três rodovias principais: as BRs-381, 040 e 262, com extensão prevista de pouco mais de 100km.
 
A Alça Sul interceptará o Monumento Natural da Serra da Calçada e o Parque Estadual da Serra do Rola-Moça, além de grande área de mata atlântica, cerrado, campos rupestres ferruginosos e mananciais.



A Alça Norte será construída onde estão situados a Linha Verde, o Centro Administrativo, o aeroporto internacional e os municípios de Lagoa Santa, Pedro Leopoldo, Ribeirão das Neves, Santa Luzia e Vespasiano, além de dezenas de unidades de conservação, grutas e mananciais.
 

Outros fatores preocupantes

Poliana apontou outros fatores considerados "preocupantes" em relação à sobrevivência desse importante afluente do Rio São Francisco. Depois do rompimento da barragem do Córrego do Feijão, em Brumadinho (em 25 janeiro de 2019), o sistema Rio das Velhas ficou sobrecarregado, com a interrupção da captação no Rio Paraopeba. 
 
As atividades minerárias avançam sobre regiões sensíveis, de produção de água, no Alto Velhas (a montante). "O conflito pelo uso desse territóro é imenso. Se ocorrer rompimento de alguma das barragens, haverá comprometimento de toda a captação de Bela Fama, em Nova Lima", indica.



Isso levaria ao colapso hídrico para 50% da população da Grande-BH."São três barragens na Bacia do Rio  das Velhas que se encontram no nível 3 de emergência. Risco máximo de ruptura: B3/B4, da Mina MarAzul, região de Macacos e Forquilha I e Forquilha II, da Mina de Fábrica, em Ouro Preto. 
 
A presidente do CBH Rio das Velhas lembra que, ao contrário do Rio Paraopeba, que contém bacias de contenção de segmentos, o Rio das Velhas não teria como reter os rejeitos. "O rio seria sepultado em toda sua extensão."
 
A expansão urbana é mais um fator de risco. Poliana cita um empreendimento imobiliário em andamento que pretende instalar quase 200 mil pessoas na Serra da Moeda. Essas pessoas necessitarão de aporte de água.



"Precisamos de um olhar tanto do estado quanto da sociedade que aponte ser possível desenvolver, ampliar a cidade, preservando as áreas sensíveis. As áreas impermeabilizadas dificultam a recarga dos lençóis", explica.
 
Para o secretário do comitê, é preciso entender que água não se fabrica e que os rios voadores, que trazem água da Amazônia e recarregam os lençóis de grande parte do país, precisam de solos permeáveis e uso adequado para que se infiltrem e mantenham o fluxo do rio para ser usado o ano inteiro.
 
Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), dois terços da população mundial  vive em áreas de escassez de água ao menos durante um mês por ano. Cerca de 500 milhões de pessoas vivem em áreas nas quais o consumo de água excede em duas vezes os recursos hídricos renováveis localmente.




 
Somente 3% da água do planeta é doce, em sua maioria congelada nos polos. Menos de 0,5% da água é superficial, conhecida como rios.

A BACIA DO RIO DAS VELHAS
(foto: Arte EM)

O Rio das Velhas é o mais importante afluente do Rio São Francisco

Toda a Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas está localizada dentro do estado de Minas Gerais, em sua região central, ocupando um área de drenagem de 29.173km2, de acordo com a Fundação Estadual do Meio Ambiente (FEAM).

Com 801 km, o Rio das Velhas é o maior afluente em extensão da Bacia do São Francisco. Nasce em Ouro Preto, no Parque Municipal das Andorinhas, e deságua no Velho Chico no distrito de Barra do Guaicuí, município de Várzea da Palma. 

Alto Rio das Velhas: compreende toda a região denominada Quadrilátero Ferrífero, tendo o município de Ouro Preto como o limite ao sul e os municípios de Belo Horizonte, Contagem e Sabará como limite ao norte. Uma porção do município de Caeté faz parte do Alto Rio das Velhas, tendo a Serra da Piedade como limite leste.
 
Médio Rio das Velhas: ao norte, com limite desse trecho da bacia coincidindo com o Rio Paraúna, o principal afluente do Rio das Velhas. No lado esquerdo, atravessa o município de Curvelo e, em outro trecho, coincide com os limites do município de Corinto.
 
Baixo Rio das Velhas: compreende, ao sul, a linha divisória entre os municípios de Curvelo, Corinto, Monjolos, Gouveia e Presidente Kubitschek e, ao norte, os municípios de Buenópolis, Joaquim Felício, Várzea da Palma e Pirapora.





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