Superlotada, sem ter para onde transferir casos graves por falta de vagas em hospitais, a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) do Barreiro tem hoje o cenário mais assustador do colapso do sistema de saúde em Belo Horizonte, desde o início da pandemia do novo coronavírus (Sars-Cov-2). A Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) afirma estudar formas de melhorar o atendimento nas UPAs e o isolamento nas tendas.
A superlotação da UPA Barreiro pode ser vista mesmo do lado de fora da unidade, pela grande circulação de pessoas entrando e saindo. Deixando as proximidades, pessoas revoltadas criticam a espera por horas e reclamam da lotação exorbitante. Alguns dizem que vão procurar atendimento particular, apesar de o estrangulamento da saúde ser em todos os setores.
Às 10h desta quarta-feira (24/03), seis ambulâncias congestionavam os estreitos acessos à UPA, que tem vagas para quatro, sendo uma do resgate do Corpo de Bombeiros Militar, duas do Samu e três de serviços terceirizados.
Três delas tinham pacientes dentro, recebendo oxigênio de respiradores que faltavam na unidade. Todos os veículos de socorro tinham seus alertas luminosos ligados, prontos para partir assim que uma vaga se abrisse no colapsado sistema hospitalar.
A tenda de lona montada do lado de fora da UPA para isolar a triagem dos casos suspeitos de COVID-19 dos demais pacientes, estava com seus 20 lugares ocupados, obrigando as pessoas a sentar sem qualquer distanciamento, lado a lado. Contudo, ali dentro também aguardavam por atendimento pessoas positivas para a infecção e que por apresentarem piora no estado de saúde regressaram para atendimento médico.
"Por favor, não se aproxime de mim. Estou contaminado pela COVID-19". A frase é a primeira coisa que o pedreiro Ayrton Lopes do Nascimento, de 29 anos, diz ao sair da tenda, quando a reportagem se aproxima dele, mostrando como a falta de espaços e separação promove a aglomeração de infectados, suspeitos e demais pessoas em atendimento na UPA.
"Estava em casa, porque na UPA só recebe oxigênio quem está em estado crítico. Fui monitorando por um oxímetro a concentração de oxigênio no meu sangue, mas exames já mostraram uma piora nos meus pulmões. por isso voltei, mas não tem mais lugar em separado para ficar", critica o pedreiro.
O forte calor eo sol que incide diretamente sobre a lona da tenda promovem ainda mais a circulação dos suspeitos e infectados, muitos deles procurando sombras onde outras pessoas estão, ou mesmo indo até padarias e lanchonetes que fornecem comida das portas semi-fechadas a todos.
"A lotação da UPA está assustadora hoje. É a terceira vez que volto aqui desde que testei positivo para a COVID-19. Tento ficar distante, não circular, mas depois de 4 horas de espera para ser atendido, preciso ir ao banheiro, comprar comida e beber água. Estou doente, afinal. Não tem estrutura para mim", reclama Ayrton, que depois de não encontrar um lugar teve de se sentar num banco do lado de fora da área de isolamento, na entrada da UPA, a poucos metros de um senhor de idade prostrado em uma cadeira de rodas. Mais uma vez um grande risco de contágio.
Em macas de rodinhas ou cadeiras de rodas, a todo momento chegam idosos e outros pacientes com balões de oxigênio. O trabalho é tanto que os funcionários mal conseguem deixar o interior da unidade para organizar o distanciamento. Chegam nos acessos e janelas e precisam gritar pelos pacientes e acompanhantes que procuram.
"Aqui se tornou um hospital, um depósito de pacientes sem condições mínimas, porque os hospitais não têm vagas", critica o motorista Jeferson Dornelas, de 28. Ele aguarda a transferência da mãe, a cozinheira Saray Rosa Dornelas, de 50, há dois dias, mas não encontra vagas no sistema hospitalar.
"Minha mãe sentia dores, estava com febre, mas mandaram eu trazer ela para a UPA apenas quando sentisse falta de ar. Isso é um erro. Uma informação que poderia tê-la matado. Trouxe ela antes e a médica disse que ela já tinha de ter recebido tratamento", critica o motorista. De acordo com ele, a mãe se encontra recebendo oxigênio em uma sala de seis leitos com 12 pacientes.
Na conta da COVID-19
O desgaste e a superlotação saturaram tanto o funcionamento da UPA Barreiro que alguns pacientes e acompanhantes denunciam que pessoas sem comprovação estão sendo tratadas como doentes COVID-19, incluindo os mortos. "A desorganização aqui é demais. Um vizinho que tem asma e sempre vem quando tem crise, foi levado direto para o hospital, porque acharam que ele tinha COVID-19 sem terem feito nenhum exame", critica o motorista Jeferson Dornelas.
Ainda mais grave é a denúncia da vendedora Jessica Paloma Veríssimo Prado, de 30. A sua mãe, Fátima Aparecida Veríssima, de 53, teve COVID-19 no início da pandemia. na segunda-feira passada (15/03), ela foi internada na UPA Barreiro depois de um acidente vascular cerebral (AVC) e acabou morrendo nesta terça-feira (23/03), Contudo, no atestado de óbito a causa da morte consta como COVID-19.
"Por causa disso a nossa família não consegue retirar o corpo há dois dias. As funerárias não podem transportar o corpo. Não vamos pdoer fazer um velório e nem tratar do corpo como ela merecia. minha mãe está lá, entre outros corpos, um descaso", critica.
Hospitais lotados e muita dor
Conseguir uma vaga no sistema hospitalar à essa altura dapandemia não é garantia de salvação para os infectados pelo novo coronavírus. Nos arredores do Hospital Metropolitano Dr. Célio de Castro, no barreiro, o trânsito de ambulâncias é intenso, mostrando a chegada de mais e mais doentes coma COVID-19. Vários grupos de parentes e amigos se formam nos quarteirões do entorno, onde as fisionomias são de muita tristesa.
Seis pessoas abraçadas não quiseram conversar com a reportagem, declarando apenas que era um momento muito difícil para a família. O irmão de uma senhora tinha acabado de morrer pela COVID-19, depois de 22 dias internado e ela tinha desmoronado nos braços de seus entes.
Do outro lado do passeio,um técnico em mecânica de 22 anos que tem a mãe de 56 internada e intubada sequer conseguia falar direito,em meio a tanto chor. "Ela é faxineira lá no (Bairro) Dona Clara (Região da Pampulha). Eu dizia: mãe, para de pegar esses ônibus lotados. Ela falava que precisava sustentar a gente. Aí, adoeceu, teve muita dor, febre e falta de ar. levei ela para a UPA Barreiro e ali ficamos por horas, até o outro dia quando saiu uma vaga aqui para ela", disse, em meio a choro e soluços, sem conseguir falar mais nada.
Prefeitura amplia atendimento e estuda mudanças
Por meio de nota, a Prefeitura informa que Belo Horizonte, assim como todo o país, se encontra em uma situação grave em relação à pandemia da COVID-19. "As UPAs da capital têm apresentado aumento na procura por atendimento nas unidades e a Secretaria Municipal de Saúde trabalha de forma ininterrupta para que todos os pacientes sejam atendidos".