As mãos solidárias conhecem muito bem os perigos da pandemia, se protegem como devem, mas, em momento algum, ficam longe de quem tem fome, frio ou sede de água, afeto, aconchego. Em tempos de enfrentar a crise provocada pelo novo coronavírus, mineiros da capital e do interior unem forças para ajudar famílias que sofrem com a perda do emprego, do dinheirinho certo no fim do mês, e muitas vezes com a miséria que se instalou na casa sem bater na porta.
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“São dias de medo, angústia e dor. Homens e mulheres perderam o emprego, muita gente sem ter o que comer, uma situação muito difícil. Impossível não tocar nosso coração”, afirma a biomédica Luana de Souza, moradora do Barreiro, que, com a colega de profissão e mesma idade Izabela Borges, moradora da Pampulha, em BH, deu início a uma ação solidária para entrega de cestas básicas e kits de limpeza. As primeiras foram levadas nesse sábado a famílias da comunidade Rosa Leão, na Região Norte da capital.
“Queremos dar esta contribuição de forma contínua, e não só agora. Por isso, vamos continuar precisando da ajuda de todos”, planeja Luana. A iniciativa encontrou boa receptividade. Muitos deram dinheiro, com o qual as biomédicas compraram alimentos e material de limpeza. Depois do serviço no hospital onde trabalham, elas montaram as cestas.
DE PORTA EM PORTA
Em Santa Luzia, na Região Metropolitana de BH, a organização não governamental Solidariedade Todos Juntos Sempre, criada há cinco anos, prepara a Páscoa Sem Fome, que vai distribuir 100 cestas básicas, com máscaras e kits de limpeza a famílias cadastradas em vários bairros, e ainda ovos de chocolate para crianças da zona rural do município, além de saquinhos de bombom caseiro para coveiros, funcionários do setor de saúde e de limpeza urbana.
Os voluntários arregaçaram as mangas para fazer os bombons. “Tudo o que conseguimos é fruto de doação. Nosso grupo, formado por 20 pessoas, está preparando os doces no maior entusiasmo. Muitas vezes, avisando antes, deixamos a cesta no passeio das casas das famílias cadastradas, para evitar o contato”, diz a vice-presidente da ONG, Marly Avelino da Costa. As entregas da Páscoa serão de porta em porta, com alguns pontos de apoio, a exemplo do Mosteiro de Macaúbas. Desde o início da pandemia, acrescenta Marly, foram distribuídas 10 mil máscaras e entregue centenas de cestas básicas.
HORA DE AJUDAR
No Bairro Renascença, na Região Nordeste de BH, a solidariedade em tempos de COVID-19 é servida em forma de marmitas distribuídas à população carente e de rua em vários cantos da cidade. Até há pouco, Renata Camargo Prata e Orcival Rodrigues Salomão tinham um pequeno restaurante, que acabou sendo fechado durante a pandemia. Em vez de ficar de braços cruzados e desanimados com o futuro, eles decidiram que era hora de ajudar os mais pobres. Desde o ano passado, na cozinha do antigo restaurante, eles preparam diariamente cerca de 100 quentinhas por dia, que matam a fome dos mais necessitados.
Os alimentos para fazer os pratos, que levam arroz, feijão, legumes, macarrão e um pedaço de carne, são resultado de doações de moradores e comerciantes. Renata conta que é uma batalha diária, e que muitas vezes fica preocupada com a possibilidade de faltarem ingredientes. “Faço a comida com o maior carinho e tento fazer pratos equilibrados. Não só arroz com feijão. Acho importante ter uma proteína e legumes. O macarrão não pode ser só a massa, tem de ter algum molho.” Ela explica que a solidariedade das pessoas é muito importante para dar continuidade e até melhorar as refeições que oferece aos mais necessitados. Quem quiser ajudar, doando alimentos, óleo ou até itens como botijão de gás, pode entrar em contato com ela, pelo Instagram @_comidaqueabraca.
CORRENTE
do bem Dentro da Solidariedade em Rede, iniciativa da Arquidiocese de BH em vigor desde o início da pandemia, foi criado o programa Dai-lhes vós mesmos de comer, para ajudar famílias que enfrentam a fome e a carência alimentar. Desde 12 de fevereiro, vem sendo preparado um almoço na Catedral Cristo Rei, na Região Norte da capital, destinado a pessoas que vivem em vilas e favelas. Depois que as marmitas ficam prontas, o pessoal da arquidiocese faz a distribuição.
Na manhã de sexta-feira, a equipe do Estado de Minas acompanhou as etapas – do preparo do almoço à entrega das refeições na Vila Mariquinhas, na sede de um projeto social. Por volta das 10h, formou-se fila com pessoas de todas as idades, incluindo várias crianças com pais ou avós.
“Quem considera assistencialismo esse tipo de iniciativa não sabe o valor de um prato de comida para quem tem fome. Até para procurar emprego é preciso estar alimentado”, destacou a coordenadora do projeto Acolhida Solidária Dom Luciano Mendes de Almeida, da Arquidiocese de Belo Horizonte, Eliene Gonçalves. Toda sexta-feira, são entregues 100 refeições na Vila Mariquinhas, enquanto na Ocupação Izidora as entregas, 100 também, são diárias.
Na sexta, a dona de casa Joveny Alves Prates, de 76, era das primeiras da fila e se mostrou bem feliz. “A gente não está podendo fazer comida em casa, fica caro demais. Então, essa marmita ajuda muito”, disse a moradora da Vila Mariquinhas.
Cadastradas previamente pela liderança comunitária, as pessoas levavam até mais de uma marmita. “Essa comida está salvando o dia da nossa família. Os tempos estão difíceis, ainda mais para quem tem em casa cinco filhos e três netos”, revelou, com um sorriso, Maria Aparecida Lima, de 43, autônoma, que levou os netos Kauã Felipe, de 6, e Ana Beatriz, de 5. Atraído pelo aroma dos temperos, Kauã quis logo abrir a tampa, mas Maria Aparecida, com doçura, avisou que era preciso, antes, chegar em casa.
Amauri Portugal, de 58, garantiu o almoço e o jantar. “Cato latinha, estou desempregado, serviço está difícil. Então, como metade agora e guardo outra parte para mais logo.” Sabedora das dificuldades cotidianas, Karolayne Cristine Santos Rodrigues, de 23, levou duas: “São para mim, meu marido e nossas duas filhas. Ajuda demais, pois o dinheiro está curto e tem muito comércio fechado”.
Organizada pelo Vicariato Episcopal para Ação Social, Política e Ambiental da Arquidiocese de BH, a ação Solidariedade em Rede, segundo os coordenadores, é uma sólida corrente do bem que interliga paróquias de diferentes lugares, a partir da missão de oferecer ajuda emergencial aos mais pobres. Além da ajuda espiritual, as famílias mais prejudicadas pelos desdobramentos econômicos da pandemia recebem alimentos, atendimento jurídico, psicológico e orientações sobre direitos assegurados pelo poder público.
O vigário episcopal para Ação Social, Política e Ambiental da Arquidiocese de BH, padre Júlio César Gonçalves Amaral, explica que, durante as ações, foi possível constatar que a solidariedade une o coração das pessoas. “O voluntariado e a caridade têm força sociotransformadora.”
A rede de apoio aos mais pobres permitiu oferecer ajuda emergencial, de modo descentralizado, nos 28 municípios que integram a Arquidiocese de BH, a partir de 89 pontos de referência preparados para amparar e acolher quem precisa de ajuda. São cerca de 10 mil famílias pobres acompanhadas em suas muitas necessidades. Neste tempo de pandemia, considerando o último ano, houve aumento em 40% dos que procuram a Igreja em busca de ajuda emergencial. (Colaborou Renato Scapolatempore)
Enquanto isso...
...PARCERIA PARA COLABORAR
Parceria solidária entre a direção do foro da Comarca de Porteirinha, na Região Norte de Minas, o Ministério Público local, as polícias Civil e Militar e o Departamento Penitenciário de Minas Gerais (Depen-MG), da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, resultou em uma campanha de doação de cestas básicas para famílias em situação de extrema pobreza. A iniciativa já arrecadou mais de 200 cestas desde 19 de março. As doações podem ser entregues no quartel central da PM em Porteirinha (Praça Tiradentes, 65, Centro). O juiz Rodrigo Fernando Di Gioia Colosimo, titular da comarca, explica que pensou em buscar ajuda para famílias carentes da região com cestas básicas inicialmente com os servidores do fórum. Como a receptividade foi grande, a iniciativa cresceu e recebeu apoio dos outros parceiros.
A VOZ DE QUEM OFERECE...
"São dias de medo, angústia e dor. Há muita gente sem ter o que comer. Isso toca nosso coração”
Luana de Souza,
biomédica, que entrega cestas básicas e kits de limpeza
com a amiga Izabela Borges
"Quem considera assistencialismo não sabe o valor de um prato de comida para quem tem fome. Até para procurar emprego é preciso estar alimentado”
Eliene Gonçalves,
coordenadora do projeto Acolhida Solidária, da Arquidiocese de Belo Horizonte
"Tudo o que conseguimos é fruto de doação. Muitas vezes, avisando antes, deixamos a cesta no passeio das casas das famílias cadastradas para evitar o contato”
Marly Avelino da Costa,
vice-presidente da ONG Solidariedade Todos Juntos Sempre
...E A GRATIDÃO DE QUEM RECEBE
"Essa comida está salvando o dia da nossa família. Os tempos estão difíceis, ainda mais para quem tem em casa cinco filhos e três netos”
Maria Aparecida Lima,
de 43 anos, autônoma, moradora da Vila Mariquinhas, em BH
"Cato latinha, estou desempregado, serviço está difícil. Então, esse marmitex dá para o almoço e o jantar. É o que tenho para hoje”
Amauri Portugal,
de 58 anos, solteiro, morador da Vila Mariquinhas, em BH
"Estou levando duas marmitas, pois são para mim, meu marido e nossas duas filhas. Ajuda demais, pois o dinheiro está curto e muito comércio fechado”
Karolayne Cristine Santos Rodrigues,
de 23, moradora da Vila Mariquinhas, em BH