Jornal Estado de Minas

PATRIMÔNIO

Expoente do barroco, igreja tricentenária de Minas ganha vida nova

Um dos símbolos da grande campanha de resgate do patrimônio sacro desaparecido em Minas Gerais, a Igreja Santo Amaro, no distrito de Brumal, em Santa Bárbara, na Região Central, experimenta uma etapa importante na sua história de quase 300 anos.



Desde dezembro, o templo barroco passa por esperadas obras emergenciais para se livrar dos cupins – que devoraram a madeira ou se reproduziram sem dó nem piedade no solo do entorno –, das infiltrações formadoras de verdadeiras “cascatas” nas paredes internas, no dizer dos moradores, dos estragos no piso e de outros fatores de alto risco para o monumento tombado em três esferas: Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico de Minas Gerais (Iepha-MG) e Conselho Municipal de Cultura de Santa Bárbara.

O administrador paroquial do Curado Nossa Senhora das Graças, da Arquidiocese de Mariana, padre Hélio Correia Maia, aguarda, com entusiasmo e responsabilidade nos desafios, a aprovação do projeto executivo de restauro, atualmente em análise no Iphan e no Iepha, para planejar a etapa futura e buscar os recursos necessários.

“É importante destacar que estão sendo feitas obras emergenciais no telhado, nas janelas, no piso e a descupinização”, explica o administrador paroquial, ressaltando que os recursos vieram de empresas da região, com os serviços a cargo da empresa Ânima, de São João del-Rei.






Desde o início da obra, o templo está fechado às cebrações, as quais foram transferidas para o salão vicentino próximo. Os efeitos da intervenção, iniciada em 3 de dezembro, foram sentidos durante as águas de março, em situação bem diferente de fevereiro, quando as goteiras desciam com força pela nave.

Parceria e proteção

O entusiasmo é compartilhado pela presidente da Comissão Pró-restauração e Proteção da Igreja Santo Amaro, Dilce Mendes: “Agora estamos mais tranquilos, pois o telhado e as janelas ficaram prontos”. Ela conta que desde 2019 os integrantes do grupo vêm trabalhando para formar parcerias, obter recursos e articular a empreitada que já consumiu cerca de R$ 100 mil, fruto da doação de empresas.

No ano passado, foi firmado um termo de ajustamento de conduta (TAC) entre uma empresa e o Iepha para elaboração do projeto executivo de restauração.

“Nossa igreja estava ameaçada. Felizmente, já conseguimos fazer a descupinização nas áreas externa e interna, incluindo retábulos, arco-cruzeiro e elementos artísticos, higienização e descupinização das campas (antigo local de sepultamento), obras na cobertura e nas oito janelas por onde entrava a água”, contabiliza.





Na avaliação de Dilce mendes, serão necessários mais duas semanas de trabalho e cerca de R$ 10 mil para o término. Como dinheiro não cai do céu como a água da chuva, as mãos estão abertas a contribuições. A grande preocupação está em alguns barrotes, sob o piso, que precisam ser trocados. Com seis metros de comprimento, as peças apodreceram e oferecem perigo à estabilidade do altar-mor.

Concluído o serviço, é aguardar a aprovação do projeto executivo de restauro, que vai contemplar todo o templo datado de 1727.
 
Intervenções que atacam cupins e infiltrações eliminam riscos imediatos, mas templo ainda demanda restauro geral (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
Casario no entorno reforça o ar colonial e a importância do templo, cuja história remonta aos anos 1700 no distrito aos pés do Caraça (foto: GLADYSTON RODRIGUES/EM/D.A PRESS)
 

Joia do Ciclo do Ouro

O distrito de Brumal, em Santa Bárbara, surgiu nos primeiros anos do século 18, quando o sertanista Antônio Bueno descobriu as minas de Brumado. Como o ouro era escasso, Bueno e seus companheiros abandonaram o local e fundaram, duas léguas adiante, às margens do Ribeirão de Santa Bárbara, o Arraial de Santo Antônio de Santa Bárbara.

O antigo arraial de Brumado, como era denominado, se consolidou em torno da Capela de Santo Amaro, construída por iniciativa de Amaro da Silveira Borges, morador do arraial.

Em petição datada de 14 de fevereiro de 1727, que encaminhou a dom frei Antônio de Guadalupe, bispo da Diocese do Rio de Janeiro, Amaro da Silveira Borges pediu licença para erigir uma capela, alegando estarem os moradores muito distantes da matriz.



Em 5 de março do mesmo ano, Amaro e seus descendentes receberam do bispo do Rio de Janeiro o direito de jazigo perpétuo, verificando-se que, naquela época, já havia edificada no lugar uma capela coberta de telha com seu coro, púlpito e ornamentos, como consta no Livro de Documentos e Inventários da Capela de Santo Amaro – 1738-1807. O mesmo documento informa que, em 2 de fevereiro de 1738, a capela tinha o altar-mor e os colaterais.

Reformas e complementações acompanharam a igreja de meados do século 18 a meados do 19, começando em 1759 pela substituição de uma das paredes, possivelmente de adobe, por outra de pedra, além da colocação de esteios, recolocação de telhas e pequenos consertos generalizados.

Em 1764, encontrava-se em obras gerais de reparação, mas devidamente preparada para cultos. Em 1770, a igreja recebeu acréscimo de seis janelas dos corredores, duas portas grandes e dois esteios na torre. Ocorreu no mesmo ano a execução dos sinos, bem como a arrematação do frontispício.





Em 1775, houve obras para reconstrução da calçada. A partir daquele ano até o início do século 19, tornaram-se frequentes as despesas relativas a consertos nos telhados e pequenos serviços gerais. Segundo o Iphan, responsável pelo tombamento em 1941, a inexistência de elementos documentais impossibilita o esclarecimento sobre a autoria das obras de ornamentação.

Pesquisa da equipe da instituição federal mostra que há “apenas algumas referências a prováveis obras de reparo nos retábulos entre 1782 e 1788 e nos painéis do forro, em 1792, os quais não se encontram mais no lugar de origem. No século 20, a igreja não sofreu reformas substanciais, mantendo suas características originais, embora sua conservação tenha sido comprometida pelo tempo.”

O primeiro registro de obras no século 20 se refere ao ano de 1950, quando o Iphan iniciou trabalhos de recuperação do templo, “que consistiram basicamente no término de uma das torres, serviços na capela-mor, consertos no telhado, substituição de uma parede da fachada e pintura a óleo”.



Em 1982, vistoria do Iphan identificou graves problemas estruturais, deslocamentos das molduras e forrações em madeira. Por isso, em 1988 foram realizadas obras gerais de recuperação da igreja, incluindo a restauração de elementos artísticos.

“Internamente, a Matriz de Brumal conserva um dos melhores exemplares de conjunto ornamental da primeira fase do barroco mineiro, tanto pela homogeneidade do conjunto quanto pela qualidade das peças. Os três retábulos, juntamente com a decoração do arco-cruzeiro, compõem a parte escultórica. As pinturas em cores sóbrias e representações pictóricas estáticas caracterizam os primeiros trabalhos do gênero”, descreve publicação do órgão de patrimônio estadual.
 
O então arcebispo de Mariana, dom Luciano Mendes de Almeida, na festa de devolução de peças sacras que haviam sido furtadas da igreja (foto: MARCOS MICHELIN/EM/D.A PRESS - 26/9/03)
 

Festa para receber peças recuperadas pela Federal

Localizada ao final de um gramado e próximo ao casario histórico de Brumal, distrito aos pés do Santuário do Caraça, a Igreja Santo Amaro ganhou destaque nos primeiros tempos da grande campanha que mobilizou o estado, a partir de 2003, em prol do resgate de bens desaparecidos de igrejas, capelas, museus e prédios públicos. Em 26 de setembro daquele ano, conforme o Estado de Minas acompanhou, as autoridades devolveram sete peças que haviam sido furtadas dos altares.





O templo foi o primeiro em Minas a receber peças sacras (quatro palmas de madeira, um calvário e dois anjos) do total de 121 apreendidas, no mês anterior, em São Paulo, pela Polícia Federal. O conjunto de Brumal fora furtado em 23 de julho daquele ano. Na ocasião estava na igreja o arcebispo de Mariana, dom Luciano Mendes de Almeida (1930-2006), que assistiu à festa de recepção preparada com muita emoção pela comunidade.

Quem se lembra bem daquele dia é a professora Thelma Aparecida de Paula Sant’Ana, que traz na memória dos carros da Polícia Federal chegando e deixando os moradores do distrito na maior felicidade.  “Foi um dia muito importante. Desta vez, estamos satisfeitos com a restauração das obras. Os cupins estavam ‘brotando’ aqui no adro. A última obra de restauro aqui ocorreu em 1998.” A exemplo de Thelma, a comunidade espera o término completo dos serviços de restauração do templo – e, claro, o fim da pandemia do novo coronavírus, para a festa ser maior ainda.

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