Jornal Estado de Minas

COVID-19

Sobe número de não idosos em UTIs, e isso piora colapso. Entenda por que


Em menos de uma semana, a febre intermitente que incomodava o jovem motorista de aplicativo Lucas Marley da Silva Lacerda, de 23 anos, o levou à beira da morte, precisando de sedação e intubação na unidade de terapia intensiva para COVID-19 de um hospital particular em Belo Horizonte. “Ele foi só piorando: estava no oxigênio, foi para o respirador e precisaram intubar”, conta a mãe, Elis Regina Lacerda, de 44.



No caso dele e de milhares de outros pacientes, o vigor da juventude que muitos achavam ser vantagem contra a pandemia do novo coronavírus (Sars-CoV-2) já não é barreira para novas variantes do vírus.

Não parece ser coincidência que nas UTIs mineiras o volume de pacientes com menos de 60 anos em estado mais crítico da doença tenha saltado 123% em 2021, sendo decisivo para o colapso de leitos hospitalares. No mesmo período, os casos positivos no estado subiram 146% e as mortes, 78%.

Os dados da Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais comparam o último trimestre de 2020 com o primeiro trimestre deste ano. Os internados em condição mais crítica em Minas Gerais eram 2.658 e passaram para 5.916.

As duas regiões de saúde onde mais cresceu o quantitativo de pacientes com menos de 60 anos internados em UTIs são o Triângulo do Norte (onde o município de referência é Uberlândia), com ampliação de 456%, e o Noroeste (Paracatu), com 317%.



As menores são a Nordeste (Teófilo Otoni), com 17,5%, e Central (Belo Horizonte), com 60% de aumento. Na capital, o percentual de pessoas com menos de 60 anos internadas permanece o de 2020, na casa de 32% em enfermarias e UTIs, segundo a Secretaria Municipal de Saúde.
 
 

Apesar de englobar uma amostragem menor, dados do Ministério da Saúde relativos a síndrome respiratória aguda grave (SRAG) ajudam a entender um pouco como a doença tem se manifestado de forma severa mesmo em pacientes mais jovens. De 22.164 mineiros registrados como internados com a síndrome e positivos para a COVID-19, 6.693 (30,2%) foram parar em UTIs. Desses, 2.359 (35,2%) tinham menos de 60 anos.

Entre o grupo abaixo de 60 anos no tratamento mais crítico, 851 (36%) não tinham outras condições de saúde adversas como diabetes, hipertensão, obesidade, entre outras. Precisaram de suporte ventilatório 2.047 dos pacientes internados nas UTIs. Do conjunto, estavam internados em UTIs 1.137 pessoas entre 50 e 59 anos (48%), 651 entre 40 e 49 (28%), 405 de 30 a 39 (17%), 103 de 20 a 29 (4%), 19 de 10 a 19 (1%) e 44 com menos de 10 anos (2%).





Em boletim do Observatório da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) divulgado na última sexta-feira (26/03), pesquisadores observaram aumento de casos de COVID-19 em três grupos etários: 30 a 39 anos (565,08%); 40 a 49 anos (626%); e 50 a 59 anos (525,93%). Consequentemente, a concentração nas idades mais avançadas foi reduzida, segundo a pesquisa.

“É importante observar que a maior incidência nas idades mais jovens e manutenção da mortalidade concentrada em idosos contribui para o cenário crítico da ocupação dos leitos hospitalares. Por se tratar de população com menos comorbidades – e, portanto, com evolução mais lenta dos casos graves e fatais, frequentemente há um maior tempo de permanência na internação em terapia intensiva. De fato, a média da idade de pacientes internados vem diminuindo progressivamente”, avalia o estudo.

MAIS PRESSÃO

O volume crescente de jovens nos leitos hospitalares tem causado grande pressão no sistema de saúde, segundo a secretaria estadual. “O maior acometimento proporcional das faixas etárias mais novas nas unidades de internação fez com que a rotatividade dos leitos diminuísse (maior tempo médio de permanência nos leitos), e esse fator teve de ser considerado. Essa mudança é um fenômeno recente, que vamos acompanhar de perto”, informou a pasta.





Contudo, a secretaria não culpa apenas a questão etária pelo colapso de oferta de leitos em municípios mineiros. “Os níveis de isolamento caíram muito no início de 2021, junto ao aumento de relatos de aglomerações. Daí a necessidade de uma medida mais incisiva, como a onda roxa, que já tem resultados nos dados de isolamento social. É difícil dizer o tamanho dos efeitos de causa social, e por faixa etária. Temos que considerar que parte do agravamento da pandemia se deu devido a difusão da variante brasileira do coronavírus, que se mostra mais agressiva, e tem gerado uma pressão generalizada no setor hospitalar, em todo o Brasil.”

Internações de não idosos têm escalada 

A frequência de internações mostra como tem sido vigorosa a aceleração do ingresso de pacientes mais jovens nas UTIs. Em 2020, ingressaram nas UTIs mineiras em média 19,5 pessoas com menos de 60 anos por dia.

Esse ritmo foi acelerado para 35,8 (83% a mais) entre janeiro e fevereiro, e aumentou ainda mais em março, mês do colapso, batendo em 43,5 pacientes a cada 24 horas, um incremento de 21,5% sobre os dois meses anteriores. A aceleração é maior do que a do grupo de idosos, que teve aumento de 110% nos dois primeiros meses do ano, mas em março sofreu redução de 23,2%.





O diretor de Promoção à Saúde e Vigilância Epidemiológica da Secretaria de Saúde de BH, Paulo Roberto Lopes Corrêa, informa que os dados de março ainda não estão consolidados, mas afirma ser possível verificar um grande aumento na presença de pacientes de 20 a 59 anos nos leitos COVID-19 da capital.

“Isso pode ser um reflexo do grande número de idosos que já tem pelo menos uma dose de vacina. Em 2020, praticamente os casos graves eram só de idosos. Atualmente, entre internados (em enfermarias e UTIs), cerca de um terço de pessoas tem abaixo de 60 anos”.

Para o médico, o comportamento dos jovens com relutância em aderir ao afastamento social, ao uso de máscaras e também pelo fato de ser o maior contingente de força de trabalho, portanto em circulação, contribuem para a maior disseminação do vírus.

“Parece que essas pessoas de menos idade achavam que não iam pegar ou não teriam gravidade, por serem fortes. Mas as variantes as têm levado a uma piora. Por isso é preciso que se mantenha o autocuidado, sair só para fazer o necessário, evitar festas e encontros com pessoas que não são do mesmo círculo familiar”, afirma.





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