Um caso que repercutiu na Grande BH no início deste ano começou a ser desvendado pela Polícia Civil de Minas Gerais. As pistas levaram a equipe até a cidade histórica de Congonhas, na Região Central do estado. Lá, um casal, considerado acima de qualquer suspeita, segundo os investigadores, foi preso nesta quarta-feira (7/4) pela morte da menina de apenas 1 ano e oito meses, cujo corpo foi encontrado debaixo de um viaduto na Região Oeste de BH. A mãe dela, de 28 anos, que era amante do homem e estaria grávida dele, desapareceu, e a polícia não descarta que também esteja morta. Os detalhes da apuração foram apresentados pela polícia em entrevista coletiva transmitida pela internet na manhã desta quarta.
Na madrugada de 25 de janeiro, o corpo da pequena P.V.L.O foi encontrado por populares que estavam a caminho do trabalho. Ele estava debaixo de um viaduto entre a BR-040 e o km 544 da MGC-356, no Bairro Olhos D’Água. O corpo da bebê estava coberto por uma blusa de frio e o rosto dela tinha hematomas. Perto dele, havia um bilhete.
De acordo com a Polícia Civil, ao periciar o corpo da criança, eles notaram que, em uma das pernas dela, havia a transfixação da tinta de um panfleto, que ficou como uma “tatuagem” legível no corpo dela. Isso pode ter sido provocado pelo contato do suor ou outra substância com o papel. Esse anúncio fazia referência a um monumento histórico de Congonhas e era da prefeitura. Isso levou a polícia ao município, onde moram as famílias envolvidas.
“O caso é escabroso, tenebroso. Não existe limite para a maldade humana. É um caso que mexe com a gente. Uma criança de 1 ano e oito meses que não fez nada, não presenciou nada, não sabe de nada, e foi morta exclusivamente para apagar qualquer rastro que ligue este autor à desaparecida”, enfatizou o delegado Alexandre Fonseca.
Segundo ele, P. era a caçula dos três filhos de Fernanda Caroline Leite Dias. O marido dela mora nos Estados Unidos há pelo menos quatro anos. Lá, ele trabalha e mantém a família em Congonhas. Apesar de o casamento não estar indo bem, ela continuava morando com os parentes dele por questões financeiras. A situação era ainda mais complicada porque a bebê era filha de outro homem, que mora em Belo Horizonte. “A Fernanda vivia nesse ambiente estranho para ela. Os familiares do seu marido conviviam, em uma cidade pequena, com essa depreciação de que a P. era filha de uma relação extraconjugal. O marido tinha apelidos pejorativos sobre isso”, explicou o delegado.
Diante desse histórico, todos foram investigados, inclusive parentes do homem, que têm passagens pela polícia por participação em tráfico de drogas e homicídio. “Para nós, o que torna esse caso ainda mais escabroso, é perceber que os verdadeiros autores são pessoas que não têm antecedentes criminais, têm trabalho fixo. O autor trabalha em uma grande mineradora da região e do nosso país. A sua mulher, partícipe, é funcionária da Prefeitura de Congonhas. Têm uma vida estável financeiramente. São pessoas incólumes, impassíveis de qualquer suspeição na nossa sociedade”, enfatizou Alexandre Fonseca.
Caso
A polícia descartou que o marido de Fernanda, a família dele e o pai da bebê tenham relação com o desaparecimento dela e a morte da filha. O homem preso pelo caso, na verdade, era o atual amante da jovem. Segundo os investigadores, eles estavam juntos em segredo há três meses, mas a família do marido dela acabou descobrindo.
Fernanda e o homem se conheceram em uma negociação para que ele fizesse uma instalação elétrica para ela. De acordo com o delegado, mesmo casado, o homem é um “galanteador” e acabou conquistando Fernanda. “Nós conseguimos confirmar que realmente o suspeito tinha um envolvimento com a Fernanda. Temos áudios sobre isso, em que ela comenta com uma amiga. E o ponto-chave desta investigação também é uma possível gravidez de Fernanda. Tem um áudio no qual ela fala que errou muito na vida, continua errando. É uma pessoa jovem, de 28 anos, com três filhos, se sente sozinha e, nesse contexto, muito vulnerável a essas aproximações desses homens casados que permitem esses galanteios”, explicou o delegado.
“Nós temos confirmação de que essa potencial gravidez foi levada ao suspeito pela Fernanda e isso foi o potencial motivador para o seu desaparecimento e, por convicção policial, minha e da equipe, nós temos certeza que a Fernanda está morta. Ainda não achamos o corpo, mas ela está morta. Porque quem matou a P, também matou a sua mãe”, enfatizou o delegado Alexandre Fonseca na coletiva.
Os suspeitos
O delegado traçou um perfil do casal preso pelo crime. Eles não têm filhos e são conhecidos na cidade. O amante de Fernanda tem 41 anos. “Ele é bacharel em direito, não tem OAB (passagem pela prova da Ordem dos Advogados do Brasil para exercer a profissão), e trabalha em uma grande mineradora da região como operador de máquinas. Não tem antecedentes (criminais), mas tem um histórico de relacionamentos extraconjugais que são de conhecimento da esposa. Ela admitiu três casos dele e descobriu o envolvimento dele com a Fernanda”, informou o delegado.
Já a mulher tem 38 anos, até então, tinha uma ficha limpa, e trabalhava no Excecutivo Municipal de Congonhas. “Ela é formada em economia, concursada. Tem um cargo administrativo lá. Ela ajudou o marido. Sabe o que aconteceu e ajudou a encobrir esses atos”, afirma Fonseca.
O suspeito nega envolvimento com o crime e a esposa diz o mesmo. Eles alegam que estavam em casa quando a menina foi encontrada. No entanto, as investigações mostram um rumo diferente, segundo a polícia.
As provas
O delegado apresentou à imprensa algumas das provas que fundamentaram o pedido de prisão temporária concedido pela Justiça contra o casal. O corpo de P. foi localizado às 5h45 e a perícia indicou morte recente. A polícia teve acesso a imagens de um radar que mostram um carro que está no nome da esposa do suspeito transitando por uma via lateral do trecho Congonhas – Belo Horizonte em um horário próximo ao momento em que o corpo da bebê foi deixado na estrada, por volta da meia-noite, como estima a polícia. “Esse primeiro ponto já nos deu muita certeza que o veículo estava envolvido no transporte dessa criança”, disse o delegado.
O carro da mulher e o do marido foram submetidos ao exame com luminol, e ambos os veículos tinham vestígios de sangue. A suspeita é de que o folder que ficou “impresso” na pele da criança estivesse no porta-malas do carro.
A necrópsia mostrou que a menina sofreu uma lesão contundente na região da bochecha e, em seguida, teve uma queda que provocou hemorragia intracraniana, a causa do óbito.
Outro ponto foi o bilhete encontrado junto ao corpo de P. sob o viaduto. Segundo a investigação, quem escreveu a mensagem tentou se passar por Fernanda e tinha informações precisas sobre o ambiente dela. De acordo com o delegado, em uma mensagem confusa, quem fez o texto identifica o pai da menina, diz o bairro onde ele morava, afirma que “não conseguia olhar para ela”, fala em uma fuga, entre outras coisas.
“A pessoa que escreveu esse bilhete tentou se passar pela Fernanda, e indicava que ela matou a P., seja por ato doloso ou culposo, e ia sumir no mundo. A pessoa queria esconder seus rastros”, disse Alexandre Fonseca. Um exame grafotécnico acabou confirmando que a letra era do suspeito, segundo ele.
Além disso, um exame feito no corpo da bebê apontou a presença de um ansiolítico proibido para menores de 18 anos. “Nós não sabemos a dosagem, mas um remédio desse em uma criança de 1 ano e oito meses pode ter contribuído para a aceleração do seu óbito a partir da lesão que ela sofreu. Nós conseguimos vincular esse remédio à esposa do autor e ao próprio. Há uma receita dele em nome da esposa do autor e foi ele quem retirou essa receita. É um vínculo objetivo que liga o corpo da P. aos autores que foram presos”, completou o delegado.
A Polícia Civil também apresentou outros detalhes, como o fato de a mulher ter vendido o carro dela por um preço inferior, o celular do suspeito que havia sido dado como extraviado. Eles foram presos temporariamente ontem, com mandados cumpridos em seus locais de trabalho. O homem foi levado para o Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp) Gameleira e a mulher, para o Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto. Após a análise dos celulares apreendidos com eles, o delegado vai remeter o caso à Justiça com pedido de conversão para prisão preventiva.
As investigações continuam para a confirmação do paradeiro de Fernanda, e se está viva ou morta. Essa parte fica a cargo da Divisão de Referência de Pessoa Desaparecida, que integra a estrutura do Departamento de Investigação de Homicídios do estado. Um cartaz com a foto da jovem foi divulgada pela Polícia Civil. Os familiares dela, conforme a polícia, estão muito abalados.
Mais uma vez, o delegado reforçou a dedução que os leva a crer que a mulher possa não ser mais localizada com vida. “Quem matou a P., sumiu com o corpo da Fernanda. É uma coisa lógica. Essa que é a barbaridade desse crime. A P. não presenciou nada, não sabe de nada, não tem nem como se expressar sobre nada. Ela foi morta exclusivamente para encobrir o desaparecimento da Fernanda. Uma pessoa que comete uma barbaridade dessas com uma criança não vai cometer o mesmo com a mãe?”, disse.
O delegado considera o indiciamento do casal por homicídio por motivo fútil, qualificado por motivo torpe e sem chance de defesa, e feminícidio contra a criança. Ele ainda menciona que existe o crime de sequestro.
“O crime seria perfeitamente adequado ao perfil das pessoas com antecedentes criminais que foram investigadas, mas, para a nossa surpresa… E eu aqui confesso que, inicialmente, custei a acreditar nisso. Era muito mais fácil pensar para o lado de quem tem antecedentes criminais em homicídio e tráfico do que nesses dois, mas as provas são inquestionáveis. A prova de autoria é plena. Tanto que conseguimos essas prisões de modo muito fácil. E não é fácil conseguir um mandado de prisão para o perfil que esse casal tem na sociedade”, concluiu.