“Um dia desses estava querendo ir ao supermercado e comprar as minhas coisas, me arrumei, coloquei a máscara para me proteger contra a COVID-19 e fui”, relata Bernardo Rodrigues Pena, de 15 anos, diagnosticado com Transtorno do Espectro do Autismo leve quando ainda era criança.
De acordo com a mãe do adolescente, Renata Pena, a sociedade ainda é muito preconceituosa em relação à capacidade que os autistas têm de serem independentes. “O Bernardo é super bem informado sobre a COVID-19, usa a máscara corretamente e está conseguindo lidar com a pandemia melhor que muita gente”.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece que a estigmatização e o preconceito ligados aos transtornos mentais estão diretamente associados com o sofrimento e as incapacidades de seus portadores. Para piorar esse quadro, a pandemia da COVID-19 interrompeu serviços essenciais de saúde mental em 93% dos países em todo o mundo, enquanto a demanda por saúde mental aumentou, de acordo com último estudo realizado pela OMS, publicado em 2020.
Diferente da resposta positiva que o adolescente teve, as pessoas reagem de maneira diferente a situações estressantes. De acordo com o professor da Escola de Medicina da Universidade Federal de Ouro Preto, UFOP, Aisllan Diego de Assis, muitos ainda vivem sem ter noção dos riscos de contaminação porque cada um responde à pandemia de uma forma diferente.
“Existe uma longa história em torno do que seja o transtorno mental, prefiro usar o conceito de diferença, e não da doença. Por sermos diferentes, podemos apresentar dificuldades para lidar com emoções, histórias, relações. Essas dificuldades são às vezes internas como nossos pensamentos e sentimentos. Mas muitas vezes são externas, como preconceito, violência ou na vivência das relações sociais com família, amigos trabalho e ações governamentais”.
Nesse cenário, a saúde mental das pessoas dentro da pandemia da COVID-19 tem chamado a atenção de diversas organizações relacionadas ao sofrimento psicológico, aos sintomas psíquicos e aos transtornos mentais.
Por isso, faz parte da programação do 5° Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental que está com inscrição aberta e será realizado entre os dias 3 e 7 de setembro, em Ouro Preto, um eixo temático que vai abordar pela primeira vez, as modalidades de sofrimento produzidas pelo isolamento preventivo e social, pela informações falsas e controversas e também de estratégias de autocuidado e libertação.
De acordo com o professor da UFOP, e coordenador geral do evento, Aisllan Diego de Assis, os 10 eixos temáticos do 5º Fórum de Direitos Humanos e Saúde Mental foram construídos a partir da carta de princípios e vão abrigar os grandes debates, minicursos, rodas de conversas e mostra de audiovisual.
“Não há saúde de verdade sem a saúde mental e na pandemia o sofrimento das pessoas aumentou em muitos aspectos, especialmente o psicológico e o emocional. O eixo que vai abordar a saúde mental nas pandemias vai buscar discutir a questão do sofrimento mental vivido durante a pandemia, mas também as estratégias de luta e cuidado para garantir a saúde de pessoas e grupos”.
Diante disso, Assis afirma que os projetos de vida e de felicidade precisam ser sustentados, promovidos, apoiados mesmo durante a pandemia. Os serviços de saúde mental precisam ser construídos de modo a acolher todos aqueles que precisam de cuidados seja na vivência de um transtorno mental ou no sofrimento trazido pela COVID-19.
O coordenador também afirma que temas como as vulnerabilidades contemporâneas que apontam os diversos tipos de violências incutidos na sociedade, a discussão sobre a reforma psiquiátrica, políticas públicas no campo da saúde mental e práticas sociais ligadas à economia solidária farão parte dos eixos temáticos.
As inscrições do evento estão abertas para profissionais interessados, estudantes, representantes de movimentos sociais, coletivos, usuários e familiares. Associados da Abrasme terão descontos. Serão isentos de inscrição, os participantes que comprovarem a impossibilidade de pagamento da taxa de inscrição. O formulário de isenção pode ser preenchido até o dia 30 de julho. As inscrições podem ser feitas no site do evento.
De acordo com coordenador geral, Ouro Preto é a primeira cidade, que não é capital, escolhida pela Associação Brasileira de Saúde Mental, Abrasme, para sediar o Fórum de Direitos Humanos e saúde Mental. O evento é considerado como o maior a discutir o assunto na América Latina e com isso, reúne e também estudiosos, profissionais e convidados do continente latino-americano. Nesse ano o evento será todo virtual.
“Nem só de mineração, belezas dos casarões históricos, gastronomia e montanhas se vive Ouro Preto. A cidade tem como legado a resistência e luta pelo direitos humanos que foram definitivos na construção do país. Diante dessas raízes, a cidade levantará o estandarte com o lema Resista! Lute por Direitos, Reconheça a Diversidade e a Saúde Mental como Liberdade!”.