COVID-19: doentes crônicos buscam vez entre prioritários na vacinação
Grupo de pessoas com comorbidades enfrenta o julgamento nem sempre claro para definir os públicos prioritários da vacinação, e pode ficar mais vulnerável
Por
Déborah Lima
19/04/2021 04:00 - Atualizado em 19/04/2021 22:38
audima
Na corrida por vacina contra a COVID-19, um grupo extenso de pessoas busca seu lugar, que não depende da profissão exercida, da idade, e nem mesmo da incapacidade de manter o distanciamento social recomendado para fugir aos riscos da contaminação pelo coronavírus. Esse pelotão é aquele que tem problemas de saúde, distúrbios muitas vezes desapercebidos porque não são aparentes, mas podem se tornar agravantes em caso de infecção, sobretudo com a chegada das novas cepas. Em Minas Gerais, as pessoas com 18 a 59 anos acometidas por comorbidades ultrapassam 1,7 milhão.
O Programa Nacional de Imunização (PNI) estabelece como pré-existência de comorbidades, além da idade superior a 60 anos, adultos com enfermidades a exemplo de doenças renais crônicas, cardiovasculares e cerebrovasculares; diabetes, hipertensão arterial grave, pneumopatias crônicas graves, anemia falciforme, câncer, obesidade mórbida e síndrome de down. Estão também nesse grupo, os imunossuprimidos, que têm reduzida a ação de seu sistema imunológico, por ação de algum remédio.
A estimativa populacional dos públicos prioritários para a Campanha Nacional de Vacinação contra a COVID-19 em Minas aponta que esse grupo representa 1.784.058 pessoas, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (SES-MG). Especialistas defendem que os estados e municípios respeitem o PNI. No entanto, admitem que o plano deve ser revisto regularmente, já que as informações sobre os indicadores da pandemia são atualizados todo dia e os critérios para imunização podem ser alterados.
A médica infectologista Luana Araujo explica que, ao definir a população prioritária para a vacinação, é preciso levar em consideração fatores que podem ser conflitantes: as características do vírus, as vulnerabilidades das populações e as do sistema de saúde. “No caso da COVID, a transmissibilidade é muito alta e o sistema de saúde tem dificuldade em lidar com esses pacientes com comorbidades, principalmente os idosos. Depois, temos os profissionais que estão mais expostos a uma carga viral mais alta”, explica.
Essa definição é clara na teoria, mas pode causar confusões na prática. É o que ocorre na hora de responder quem deve ter prioridade entre uma pessoa mais jovem com comorbidade ou uma categoria profissional que está mais exposta ao vírus. “Isso é muito difícil, depende também do comportamento da população. Se essa pessoa mais nova com comorbidades se protege mais em casa, se ela tem mais condição de estar protegida, talvez a prioridade fosse o profissional que não tem como escapar disso e tem mais contato com pacientes possivelmente positivos. Ou então, se essa pessoa mais nova com comorbidade não consegue se proteger, e aquela categoria profissional que está reivindicando não tenha tanto contato assim. Talvez a pessoa mais nova com comorbidade estivesse com prioridade.”
A dificuldade de julgar quem merece mais rápido a imunização do que outro, pode ser amenizada com a intensificação na produção de vacinas. “Quando junta as coisas na prática, elas não são tão claras. É por isso que precisamos aumentar as doses para que a gente não fique entre a cruz e a espada e consiga levar a vacina para todo mundo que precisa mais rápido.”
É o que espera Tatiana Auxiliadora de Jesus, de 43 anos, hipertensa e enfrentando os problemas decorrentes do sobrepeso. Além dos problemas de saúde, ela trabalha em unidade médica, lidando com movimento maior de pessoas. “É desesperador”, diz a administradora hospitalar que coordena uma clínica de angiologia no Bairro Santa Efigênia, em Belo Horizonte.
Na família, o irmão de Tatiana teve COVID-19 e sobreviveu. Entre conhecidos, viu duas pessoas perderem a vida para o coronavírus. “Um deles era jovem, mais novo do que eu”, lembra, preocupada. Ela não esconde a ansiedade pela chegada da vacina. “Todo dia é uma vitória, mas o medo é algo que me acompanha desde abril do ano passado, que foi quando a gente voltou a trabalhar presencialmente”, conta.
“Emendas”
O virologista Flávio Guimarães da Fonseca, presidente da Associação Brasileira de Virologia, pesquisador do Centro de Tecnologia de Vacinas (CT Vacinas) e membro integrante da Rede Vírus, núcleo criado pelo governo federal para o combate à COVID-19, também acha necessário fazer ajustes nos grupos prioritários para vacinação.
“O PNI elaborou uma lista que está muito clara na fila. As pessoas com comorbidades estão discriminadas entre os grupos que devem receber prioritariamente. A ordem foi criada num momento, como em tudo na COVID, com rapidez, às pressas. Não é perfeito, mas serve como arcabouço. É como ter uma constituição, que depois se faz emendas porque fica desatualizada, é natural do processo”, explica.
Para o pesquisador, o plano nacional está cheio de falhas, tendo deixando de lado vários grupos prioritários, principalmente do ponto de vista do impacto para retorno de atividades essenciais, como é o caso de professores e motoristas de ônibus, que em outros países estão elencados. “A gente trabalha com ciência, desenvolvimento de testes, mas nós pesquisadores não estamos elencados. Mas, isso nem é uma reclamação, é só uma constatação que tem lacunas que precisam ser revistas”, acrescenta Flávio Fonseca.
O que é um lockdown?
Saiba como funciona essa medida extrema, as diferenças entre quarentena, distanciamento social e lockdown, e porque as medidas de restrição de circulação de pessoas adotadas no Brasil não podem ser chamadas de lockdown.
Em 17 de janeiro, a vacina desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan no Brasil, recebeu a liberação de uso emergencial pela Anvisa.