É possível conhecer a arte da felicidade em plena pandemia? E mais: de que forma o passado manda um presente para iluminar os caminhos futuros? São muitas as perguntas para responder, palavras para refletir e páginas para abrir. Um taxista de Belo Horizonte, com atenção e sensibilidade, vem encontrando respostas nas letras a cada segundo. Morador do Bairro Tupi, na Região Norte da capital, o belo-horizontino Flávio Cazita da Cunha, de 50 anos, solteiro, descobriu o prazer da leitura durante uma história que, por si só, renderia um conto recheado de confiança, surpresa, conhecimento.
Tudo começou há 20 anos, mas só despertando em plena pandemia do novo coronavírus. "Antes de mais nada", ressalta, "nunca tive interesse por leitura. Cursei o ensino médio, não estudei mais. Então, os livros ficaram longe do meu cotidiano."
Em março do ano passado, no início da quarentena, Flávio foi arrumar seu armário e encontrou lá no fundo o livro “A arte da felicidade” (1998), do Dalai Lama (hoje com 85 anos e líder espiritual do budismo tibetano). "O livro estava ainda com a embalagem de plástico, nunca o tinha aberto", revela o taxista neste 23 de abril, em que se celebra o Dia Mundial do Livro.
"Desde então, li 'A arte da felicidade' duas vezes, aprendi muito, fui pesquisar a vida do Dalai Lama, vi que é o 'papa do budismo'. Não tenho religião, mas acredito em Deus como criador do universo, creio em Jesus Cristo."
Da obra, ficou gravada na memória de Flávio uma frase que repetiu inúmeras vezes nas conversas com colegas e amigos: "O que está no mundo para unir as pessoas é o que mais as afasta". Um segundo depois, acrescenta: "É a religião. Ainda fazem guerras, e não a paz, por divergências religiosas. Ela deve ligar, não separar".
O livro chegou às mãos do taxista por estrada com muitas voltas. No início dos anos 2000, Flávio prestava serviço a um professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). "Era um professor doutor, um homem muito legal, inteligente, que sempre requisitava meus serviços." Por meio desse professor, aumentou a clientela. "De tanto ir aos diversos departamentos da universidade no câmpus da Pampulha, era até confundido com os professores", brinca.
Gato foi o pivô
O tempo passou, até que o professor comprou uma casa no Bairro São Luiz, na Pampulha, e pediu a Flávio que supervisionasse 15 dias de obra, enquanto viajava. "Residia nessa casa uma senhora, dona de dois gatos. No dia da mudança dela, um dos gatos, o pretinho, bem manso, fugiu. A senhora ficou triste e me pediu que, caso o bicho aparecesse, lhe comunicasse imediatamente. E não é que apareceu?"
De tão agradecida, a moradora presenteou Flávio com o livro do Dalai Lama, dizendo que poderia ajudá-lo muito na vida com seus ensinamentos. A primeira leitura indicou novos caminhos e abriu horizontes para Flávio Cazita. Na sequência, ganhou outro livro de uma cliente, evangélica, do qual está gostando muito: “Por onde for o teu passo, que lá esteja o teu coração”, de autoria do padre Fábio de Melo.
"Muito interessante. O padre Fábio de Melo fala muito sobre espiritualidade e amor ao próximo, algo que é universal. Isso é muito importante nesses tempos difíceis que vivemos. No livro está escrito que, para ser felizes, devemos amar o que fazemos. Amo minha profissão, vou completar 30 anos como taxista em 26 de maio", comemora com orgulho e a certeza de que seu carro, com o entra e sai de passageiros de todo canto, se torna uma porta aberta para o mundo.
Quando não está no trabalho, Flávio gosta de pedalar. "Sou ciclista, adoro conhecer as estradas, curtir a natureza. No feriado de quarta-feira, fui a Jaboticatubas pela rodovia MG-020. Foi muito bom", conta, com a confiança de quem descobriu que, após um ponto final, novas histórias recomeçam – basta abrir outro livro.