O Senado aprovou, nesta quinta-feira (29/4), o projeto de lei para ampliar o número de doenças detectadas pelo teste do pezinho no Sistema Único de Saúde (SUS) no Brasil. Com a aprovação no Congresso Nacional, o texto segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro, mas para que possa estar disponível na rede pública de saúde nacional, é preciso que não seja vetado e que, posteriormente, a lei seja regulamentada.
Para garantir que a lei seja aplicada e que o teste do pezinho mais amplo esteja disponível para todos, pais e mães de crianças com doenças raras promovem a campanha “Pezinho no futuro'' para conseguir 1 milhão de assinaturas, uma petição realizada pelo Instituto Vidas Raras. Já foram obtidas até o momento 700 mil. Se a petição atingir a meta, a ampliação do teste do pezinho tem que ser implementada pelo Ministério da Saúde.
A mudança na legislação é fruto também da mobilização de pais e mães de crianças com doenças raras que desenvolveram sequelas devido ao diagnóstico tardio. Uma delas é a jornalista Larissa Carvalho, mãe de Théo, que completa 6 anos em 17 de junho.
Depois de uma gravidez tranquila e de um parto realizado nas melhores condições, Larissa observou que, aos cinco meses, o filho não adquiriu a coordenação motora necessária para firmar pescoço e o corpinho, o que seria a evolução esperada para aquela idade. Somente depois de 1 ano e 10 meses, depois de ir a diferentes médicos e especialistas, foi que o diagnóstico veio: Théo é portador de uma doença rara e foi acometido por sequelas, porque o problema não foi detectado no teste do pezinho, embora ela o tenha realizado no filho.
Théo é portador de uma doença genética chamada de acidúria glutárica, incluída no grupo de erros inatos do metabolismo. A doença é causada por uma deficiência da enzima glutarial-CoA desidrogenase. O erro genético impede que a pessoa portadora da doença metabolize proteínas presentes em diferentes alimentos, como o leite, carne bovina, ovos e peixes.
A história de Théo, bem como de outras crianças no Brasil com doença rara, poderia ser diferente se a doença tivesse sido rastreada no teste do pezinho. Apesar de já existir tecnologia para identificar mais de 50 tipos de doenças genéticas, o teste brasileiro, disponível na rede pública, só identifica seis doenças.
"O teste do pezinho serve para isso, para detectar, com aquela gotinha de sangue retirada do calcanhar do bebê, se a criança tem alguma doença metabólica, genética, doenças mais sérias. É muito importante as pessoas fazerem o teste do pezinho. Se tiver a doença, tem que começar a tratar tão logo saia o resultado. Nos primeiros dias de vida. Se demorar a tratar, o menino terá sequelas", conta Larissa
A deficiência de enzima não detectada precocemente em Théo resultou na perda de neurônios e, consequentemente, no comprometimento motor. O pequeno terá a locomoção comprometida por toda a vida e precisará de cadeira de rodas para se locomover. "O corpo da gente tem um tanto de tesourinha. Uma corta o sal, outra corta a gordura, outra corta vitamina, outra a proteína.Tudo que a gente come tem que ser picotadinho por essas tesouras para o corpo absorver e juntar esses nutrientes", explica ela.
Larissa detalha que a doença genética de Théo é causada por dois genes recessivos. "Para cada tesoura, quem dá uma perna é seu pai e a outra perna sua mãe. No caso do Théo a tesourinha para cortar proteína, a minha perna é capenga, porque é um gene recessivo, e a outra perna do pai é gene recessiva também. Foi um encontro raríssimo de gene recessivo, um bebê a cada 30 mil".
O calvário enfrentado por Larissa até conseguir diagnosticar que Théo é portador de uma doença rara é vivenciado por milhares de mães em todo o Brasil. Pensando em amenizar a dor dessas mulheres e impedir que outras crianças fiquem com sequelas em decorrência ao diagnóstico tardio, Larissa passou a se dedicar à defesa de ampliação do teste. Ela entrou para o Instituto Vidas Raras, que defende essa bandeira. "No começo eu fui tomada por muita tristeza. É muito revoltante pensar que ele perdeu a chance de ser um menino típico, de tudo que um menino merece, correr, pular, contar história, falar”, diz Larissa.
A demora no tratamento pode fazer com que as crianças fiquem cegas, percam a mobilidade, prejuízo do desenvolvimento físico ou intelectual. Larissa levou o Théo para realizar o teste do pezinho logo que ele nasceu.
ALIMENTAÇÃO AGRAVOU O PROBLEMA
"Eu matei os neurônios dos meus filhos", conta ela em palestra no TEDx. A jornalista lamenta que o problema foi agravado pela alimentação dada ao bebê nos primeiros meses. Se ela soubesse, não teria dado ao filho alimentos ricos em proteínas. No entanto, ela não teve essa chance em decorrência do diagóstico tardio. "Amamentei. Dei papinha com ovo. Quem tem a doença dele não pode comer esses alimentos, porque são ricos em proteínas”.
Larissa sempre colocou o bem-estar do filho em primeiro lugar desde o pré-natal. Ela foi ao posto de saúde para fazer o exame no filho, mas o teste ofertado detectava apenas seis doenças genéticas. O resultado do teste do pezinho demonstrou que Théo não tinha nenhuma das seis doenças, o que tranquilizou Larissa. No entanto, na medida que o Théo crescia, o desenvolvimento motor não acompanhava.
TESTE DO PEZINHO NO BRASIL É UM DOS MENOS EFICIENTES NO MUNDO
Mas, já existe tecnologia para que o teste do pezinho detecte um número muito maior de doenças. "Eu não sabia que existia na rede particular o teste ótimo, que rastreia 30, 40, 50 e até 100 doenças. Esse exame na rede particular custa de R$ 300 a R$ 1 mil. Pacote mais simples de R$ 350 teria salvo meu menino, porque rastreia a doença dele. Mas eu não sabia."
Larissa destaca que essa orientação não tenha sido passada à ela durante o pré-natal. O teste do Brasil é um dos menos eficientes se comparado a outros países.
A doença é silenciosa, por isso a dificuldade de diagnóstico. "O único jeito precoce de saber se a criança tem a doença é fazer o teste do pezinho. "Fui para a casa e amamentei e, aos poucos estava matando os neurônios dele, o menino foi ficando esquisito, ele não chupava o pé, não firmava a cabeça, não batia palminhas, não dava sinais que iria sentar, rolar, era um bebê mole".
Larissa procurou um médico para entender as razões pelas quais o filho não evoluiu. A médica pediu a realização de um exame de ressonância magnética, que mostrou perdas de neurônios. Então, começou uma luta para saber em que momento, Théo perdeu parte dos neurônios.
Larissa procurou neuropediatras que diziam que faltou oxigenação no cérebro, no útero ou em algum momento do parto. No entanto, Larissa não se convenceu e seguiu buscando por um diagnóstico mais preciso. "Tive gravidez maravilhosa. Meu parto foi excelente. Nunca aconteceu nada de errado". Mas ela sabia que havia algo de errado. Théo não ganhava peso. Théo já estava fazendo fisioterapia, terapia ocupacional desde o sexto mês de vida. "Só foi descobrir a causa da perda de neurônio, quando o Théo tinha 1 ano e 10 meses. O Hospital Sarah Kubitscheck me chamou e falou que não era falta de ar, que era uma doença genética, metabólica, que o teste do pezinho não rastreou. Mataram a charada na hora. Fizemos o teste e deu que era uma doença metabólica. Tarde demais. Em um ano e três meses, já havia matado tantos neurônios".
A doença não afetou a parte cognitiva, mas comprometeu os movimentos. Ele é um menino super feliz, usa a cadeira de rodas, não fala nada, corpo mole. Quando entendi isso, o que vou fazer com essa história. Não dá para deixar um tanto de Théo a cada ano no Brasil". Um bebê a cada 2,5 mil no Brasil que nascem vai ter sequelas de uma doença genética, o que poderia ser impedida com o teste do pezinho
COMO AJUDAR
Acesse o site da campanha Pezinho no futuro.