Ouro Preto – Um tesouro
barroco
de Minas, desses fabulosos que fazem bem aos olhos, valorizam a cultura e fortalecem a devoção, ganha a partir de hoje uma campanha inédita no estado. E, sem dúvida, deverá ultrapassar fronteiras pela ideia original de preservação. Considerada uma das igrejas mais antigas de Minas, com a construção iniciada em 1727, e também das maiores em tamanho e suntuosidade, o
Santuário Nossa Senhora da Conceição
, no Bairro Antônio Dias, em
Ouro Preto
, na Região Central, começa uma ação de apadrinhamento de 23 imagens sacras do século 18.
Na manhã de ontem, cheio de entusiasmo, o padre Edmar, há pouco mais de um ano como pároco e reitor do santuário, falou sobre a boa receptividade na comunidade. "Já temos 18 famílias comprometidas em apadrinhar as imagens, o que nos deixa muito felizes. Elas poderão acompanhar todo o restauro, que já começou no ateliê montado no consistório (antiga sala de reunião das irmandades) no santuário", disse o religioso. Ele informa que apenas pessoas da comunidade participam da campanha, e não empresas. E, com bom humor, avisa aos padrinhos : "Como manda a tradição, sempre que quiserem, venham visitar seus afilhados".
As peças do acervo, em tamanhos que variam de 20 centímetros a 1,75 metro de altura, em madeira policromada, se encontram em mau estado de conservação, com perda de policromia, de pinturas e outras agressões, conforme mostrou o restaurador da Anima, Gilson Felipe Ribeiro, diante das maiores imagens do conjunto: Santa Bárbara e São João Nepomuceno. O acervo se completa com as esculturas de Santa Apolônia, Nossa Senhora da Assunção, São Sebastião, Santa Rita, São Brás, São Roque, São Judas Tadeu, Nossa Senhora da Boa Morte, São José de Botas, São Francisco de Paula, São Zacarias, Nosso Senhor do Bonfim, São Domingos Gusmão, Santo Antônio, Sagrado Coração de Jesus, São Gonçalo Garcia, Nossa senhora do Terço, Nossa Senhora das Mercês, São Miguel Arcanjo, Crucificado da Agonia e uma cruz usada em procissões.
Mostrando os objetos de fé, padre Edmar destacou: “Como é muito comum durante as obras de restauração, vamos descobrindo novos elementos artísticos que precisam de reparos. E isso ocorreu também com a nossa igreja matriz, que, nessas obras, tem o acompanhamento do chefe do escritório técnico do Iphan em Ouro Preto, arquiteto André Macieira".
Para a superintendente do Iphan em Minas, Débora do Nascimento França, a ação traz muito orgulho, por ser fruto de uma parceria em construção direta com a sociedade. "O Iphan apoia e admira a iniciativa, que partiu do padre Edmar José da Silva. Ações como essa demonstram a importância do patrimônio cultural para a sociedade e dão um exemplo de como tais parcerias podem ser trabalhadas em prol da preservação de um patrimônio tão rico como o de Ouro Preto."
Compromisso
A campanha já tem 18 famílias envolvidas. "Trata-se de uma iniciativa importante em todos os sentidos, principalmente do pertencimento aliado à valorização da arte e ao fortalecimento da fé ", ressaltou a professora Dulcinéa Corrêa França. Segundo a professora, oito pessoas da família se juntaram para apadrinhar a imagem da Nossa Senhora da Assunção, de devoção da tia Elizabeth Lopes França. Sobre Santa Apolônia, também apadrinhada pela família, Dulcinéa confessa que nada sabia, e, ao pesquisar, descobriu que foi uma cristã martirizada durante o Império Romano, sem jamais negar sua fé.
Há vários tipos de participação na campanha, incluindo contribuições via carnê. "Dessa forma, podemos participar com muita alegria", disse a dona de casa Maria das Mercês Costa Dias, casada, com três filhos, ao admirar, no ateliê, a imagem de São Miguel Arcanjo, "aos cuidados" da restauradora Sueli Hermínia Gomes Silva. No espaço, o restaurador Rafael Mendes restaura a imagem de Santa Bárbara.
Ideia luminosa
Como a imaginária da igreja não estava contemplada no processo de restauração, com exceção da escultura da padroeira Nossa Senhora da Conceição, uma conversa entre integrantes dos conselhos da paróquia e da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição apontou a direção. "E assim surgiu a ideia de se fazer uma grande campanha, envolvendo ouro-pretanos, amigos da paróquia e os amantes da arte e da cultura para a restauração das imagens que compõem os retábulos e nichos do santuário”, afirmou o padre.
Para participar, os doadores poderão apadrinhar uma imagem, oferecendo o valor integral do restauro, parcelado ao longo do ano de 2021, ou doar qualquer quantia, seja via depósito ou carnê. Em contrapartida, os doadores poderão acompanhar o processo de restauração da imagem apadrinhada, visitando o ateliê após agendamento prévio e recebendo, ao final do processo, um selo de agradecimento e participação. Ao final da campanha, serão programadas cerimônias de reentronização das imagens, com a participação dos padrinhos.
História
Conhecida como Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias, o santuário (vinculado à Arquidiocese de Mariana) foi erguido pelo grupo do bandeirante Antônio Dias, no então arraial homônimo, como uma pequena capela devotada a Nossa Senhora da Conceição. Por volta de 1705, a ermida foi ampliada, reflexo do desenvolvimento local e da subsequente demanda pela constituição de uma paróquia própria. A freguesia de Antônio Dias, junto com a de Nossa Senhora do Pilar, passou a compor a recém-fundada Vila Rica, unificando, sob a mesma jurisdição política e administrativa, dois dos principais arraiais de Ouro Preto.
Em 1727, o templo começou a ser reconfigurado e ampliado por Manoel Francisco Lisboa, pai de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. Nos anos seguintes, a igreja passou por diversas obras, intervenções e melhoramentos internos até a segunda metade do século 18. A Matriz de Nossa Senhora da Conceição, tombada isoladamente pelo Iphan em 1939, foi sede de vários eventos históricos importantes, como a posse do governador Gomes Freire de Andrade, em 1735. Também abriga os restos mortais de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814), patrono das Artes no Brasil, sepultado em frente ao altar de Nossa Senhora da Boa Morte; e de seu pai, Manoel Francisco Lisboa, na capela-mor. Na antiga sacristia está instalado o Museu Aleijadinho, onde podem ser admiradas várias obras do mestre, como a imagem de São Francisco de Paula e um Cristo crucificado.
Um dos mais importantes exemplares da arquitetura religiosa brasileira – tanto no contexto arquitetônico no panorama das matrizes mineiras setecentistas, quanto na excepcionalidade da qualidade artística do seu acervo de bens integrados –, a edificação passa pela segunda etapa de restauração, iniciada em 2019. Os trabalhos em execução estão em estágio avançado do cronograma físico e incluem serviços de conservação e restauração. “O desejo é devolver à comunidade não somente o templo restaurado, mas também as imagens que compõem o espaço religioso do santuário”, diz o padre.