Uma referência cultural e esportiva de Belo Horizonte, a quadra do Vilarinho, palco de inúmeros eventos e que teria sido frequentada até por "um capeta", está à venda. Foram 41 anos levando entretenimento e diversão, principalmente a um público jovem e de periferia, em tempos de poucos espaços de diversão para essa parcela da população.
Calcula-se que, nessas quatro décadas, mais de 5 milhões de pessoas passaram pelos 3.200 metros quadrados de uma das principais casas de eventos da cidade, na região de Venda Nova. "Nos tempos de bailes funk, aos domingos, recebíamos entre 2.500 e 3 mil jovens", conta Francisco Filizzola Lima, proprietário do espaço.
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Nos anos 1980, havia um programa de reportagem policial muito ouvido em toda cidade, e a radialista Glória Lopes comprou a ideia e jogou a história no ar. "Foi uma jogada de sorte", reconhece Filizola. O caso foi repassado por outros veículos e tomou grandes proporções. Passou a fazer parte da vida dos frequentadores. "Tinha um dançarino amigo nosso, que era muito bom, gostava de contar que fez aulas com o capeta."
O produtor e criador da revista em quadrinhos Celton, personagem muito conhecido nas ruas da cidade, onde vendia suas obras em semáforos, fez duas edições: a primeira, “O capeta do Vilarinho”, foi a mais vendida. Posteriormente, criou outra história de que o capeta engravidara uma frequentadora das quadras e foi em busca do filho. "Mas não teve sucesso na emboscada."
O padre Matias, pároco de uma igreja católica de Venda Nova, tentou exorcizar a “entidade". “Ele chegou todo paramentado, com os instrumentos de exorcismo e me pediu permissão para a cerimônia”, conta Francisco Filizzola. “Deixei que entrasse e fizesse o serviço, é claro.” A história rendeu até uma nota no New York Times, guardada com cuidado pelo dono das quadras.
Depois de se tornar o assunto "da hora na boca do povo", a casa promoveu um evento, o Baile Caça Fantasma. Quem conseguisse capturar o suposto "capeta" receberia um prêmio em dinheiro. Uma emissora de rádio resolveu encampar a ideia, mas o diretor exigiu que Filizzola depositasse uma quantia em dinheiro. “Vai que alguém acha um capiroto e o prende.”
Francisco Filizzola fez o depósito em cheque "sem fundo", admite. A quantia era muito alta, conta entre risos. Mas os "bicho" não foi ao baile e continuou solto. "Tudo na vida tem começo, meio e fim. O mais gratificante de tudo é que, no fim, com tantas alegrias e algumas tristezas, principalmente pelo preconceito, encerro uma etapa da vida com a felicidade de que foi um espaço tão querido da cidade.”
“Semente”
"Vida que segue." Com muito bom humor e tranquilidade, Filizzola considera que “a semente foi plantada e muitas quadras Vilarinho se espalharão pela cidade. Não guardo rancores e nem culpo ninguém". A pandemia foi o tiro certeiro para a decisão de colocar o imóvel à venda. O setor de eventos é o que mais sentiu a crise, com suspensão das atividades desde os primeiros momentos, em março de 2020. E sem previsão de voltar a atuar.
"Tenho um espaço que não posso explorar em sua total potencialidade. Apesar do nome, não era apenas quadra, tínhamos vários eventos. Nesses anos todos, trouxemos os artistas top do samba nacional, promovemos os primeiros bailes funk da capital. Aqui realizamos formaturas, ordenação de padres e festivais evangélicos. Nos tornamos uma referência para a cidade."
As práticas esportivas, tendo como principal atividade o futebol de salão, continuam funcionando, mas não cobrem os custos. "Não acredito que os eventos voltem antes de dezembro de 2022, e, caso aconteça, virão com muitos protocolos." Antes da pandemia, eram 71 funcionários, hoje são quatro. Foi referência a uma população economicamente vulnerável, com poucas opções de lazer, que trouxe "inúmeras gratificações", lembra com carinho o proprietário. Foram muitas as tentativas de fazer com que esse espaço abrigasse políticas públicas. "Enviamos inúmeros projetos a todas as instâncias municipais, estaduais e federais. Mas não obtivemos resposta", lamenta.