Jornal Estado de Minas

Educação

Orçamento curto 'afoga' universidades federais em Minas


Nadando há pelo menos sete anos contra a correnteza da redução orçamentária, as universidades federais brasileiras estão este ano ameaçadas de perder completamente o fôlego e se afogar num mar de dívidas e falta de caixa para honrar compromissos básicos de seus câmpus.



Com mais um corte de recursos, muitas flutuam em águas turvas suficientes para evitar que afundem só até os próximos meses, e de maneira precária, mesmo diante do anúncio do governo federal, ontem, de que parte da verba será destravada.

Em Minas Gerais, celeiro de instituições de ensino superior sob a tutela da União, são pelo menos R$ 73 milhões a menos nos cofres das universidades do interior em 2021 e, pela primeira vez, um golpe direto nas políticas de assistência estudantil.

A Ufop deverá manter precariamente suas atividades no ensino remoto, ainda que todos os recursos contingenciados sejam liberados (foto: Reprodução/Ufop )
Maior federal de Minas, a UFMG, ainda não fala em impactos diretos sobre os programas assistenciais, mas, em nota divulgada esta semana, informa que em 2020, já trabalhava com uma realidade financeira equivalente à de 2008, quando tinha cerca de 20 mil alunos na graduação – hoje são 32 mil. E avalia que “mais um corte orçamentário representará menor capacidade de as universidades federais cumprirem sua missão de ensino, pesquisa e extensão, além de assistência” a estudantes que dela necessitam.



A Ufla já reduziu despesas com mão de obra terceirizada e teve que suspender programas de apoio a pesquisas e publicações científicas (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press- 24/2/14)
Em Minas, sete das 10 instituições federais situadas no interior do estado, saíram de um orçamento de mais de R$ 401 milhões no ano passado, para cerca de R$ 328 mi- lhões. No fim do ano passado, o governo federal enviou o Projeto de Lei Orçamentária Anual (Ploa) ao Congresso, com uma proposta que trazia um corte no orçamento discricionário das universidades federais de 14,96%, equivalente a R$ 824.553.936 milhões em relação aos valores do Ploa de 2020, que se somava a cortes ocorridos em anos anteriores.

Desde 2014, as universidades sofrem, ano a ano, cortes e bloqueios de orçamento, sufocando a receita. Desta vez, chegaram ao limite.
 
A votação que deveria ter ocorrido em 2020 foi adiada pela pandemia e o orçamento aprovado em 25 de março, com um corte suplementar de 3,76% (R$ 176.389.214 milhões). A redução total para 2021é de R$ 1.000.943.150, ou 18,2% a menos em relação a 2020.

Dentro desse valor, R$ 177.624.565,00 foram diminuídos da assistência estudantil destinada aos alunos carentes que, segundo a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) somam mais de 50% dos matriculados nas 69 federais do país.




 
O orçamento foi sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no último 22 de abril e, em paralelo, o Decreto 10.686 bloqueou na lei R$ 2,7 bilhões do orçamento do MEC, alcançando as universidades federais em mais 13,9%. Com as universidades sem saúde financeira e a ponto de parar suas atividades por falta de dinheiro, ontem, o Ministério da Economia anunciou o primeiro desbloqueio.
 
Mas a situação é tão complexa que nem o desbloqueio será suficiente para fechar as contas se não houver recomposição orçamentária, no mínimo, capaz de garantir um orçamento igual ao de 2020, afirma a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), na Zona da Mata mineira. A instituição prevê que parte de suas atividades ficarão inviabilizadas no segundo semestre, além de terminar o ano com uma dívida de R$ 13 milhões.
 
“Se as condições sanitárias e epidemiológicas permitirem o retorno às atividades presenciais, a UFJF não tem a menor condição de chegar ao fim do ano com o atual orçamento. Isso porque os protocolos de retorno que têm sido estudados apontam a necessidade de investimentos em suprimentos como máscaras, álcool em gel, entre outros itens”, informou por meio da assessoria de imprensa.




 
Com 18,2% menos em relação ao do ano passado no custeio (despesas correntes, que vão do pagamento de contas de consumo ao gasto com pessoal terceirizado), houve redução de 869 bolsas de iniciação científica, extensão, monitoria e treinamento profissional; redução no valor de bolsas e nos valores de apoio estudantil; corte de 307 postos de pessoal terceirizado; redução dos valores disponíveis para compra de material de consumo (de laboratórios, inclusive). Desde 2016, a UFJF acumula reduções equivalentes a mais de 47%: eram R$ 157,9 milhões disponíveis naquele ano ante R$ 82,3 milhões neste.

“Chegamos a um ponto em que não era possível continuar sem absorver cortes muito duros no funcionamento da instituição”, lamentou o reitor da UFJF, Marcus David, em coletiva no mês passado.
 
O cenário se repete praticamente nas nove das 10 federais mineiras com as quais o Estado de Minas conversou. Na Região Central, a Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) tinha até o desbloqueio fôlego também só até julho, mas também não terá o problema resolvido.

O pró-reitor de Orçamento, Planejamento e Administração, Eleonardo Lucas Pereira, informa que o orçamento de 2021 remonta a valores de 2010. Os recursos são de R$ 45,9 milhões, sendo R$ 44,58 milhões de custeio e R$ 1,37 milhões de capital (obras, equipamentos e investimentos). E 60% desse total (R$ 25,9 milhões) estavam contingenciados.




 
“Se esses recursos contingenciados forem disponibilizados, a universidade conseguirá, precariamente, garantir as suas atividades de maneira remota. Caso não houvesse o desbloqueio, o funcionamento da Ufop seria inviabilizado a partir de julho”, diz. Será possível manter o pagamento das bolsas, mas ele prevê que alguns auxílios ao estudante poderão ser reduzidos.

DÉFICIT


No Sul de Minas, a Universidade Federal de Lavras (Ufla) diz que suas atividades também já estão comprometidas, mesmo com desbloqueio. Assim como a Ufop, ela cobra recomposição sobre valores do ano anterior, que já eram insuficientes.

Apesar do déficit de mão de obra que se agravou nos últimos anos, não teve outra saída: reduziu despesas com mão de obra terceirizada em vários contratos, como apoio administrativo, conservação do câmpus, manutenção predial e limpeza. Também foi obrigada a reduzir o montante alocado em bolsas de iniciação científica, monitoria e extensão, o que toca diretamente na permanência de estudantes na universidade.




 
“Os programas de apoio às pesquisas e publicações científicas também foram suspensos, o que trará impacto negativo na publicação de artigos em periódicos internacionais de alta qualidade, reduzindo a contribuição institucional para a ciência e, consequentemente, para a solução dos problemas da sociedade”, afirma a Pró-Reitoria de Planejamento e Gestão.

Do ponto de vista do investimento, estão sendo revistas a conclusão de alguns projetos, como a implantação do câmpus de São Sebastião do Paraíso, o Centro de Inovação Tecnológica e o Hospital Universitário.
 
O orçamento atual, corrigido pela inflação, é equivalente ao ano de 2008, quando a universidade tinha aproximadamente 3.529 alunos na graduação e 1.238 na pós-graduação. Atualmente são 11.539 estudantes na graduação e 2.479 na pós-graduação. Sem recomposição orçamentária, a Ufla corre risco de ter de ir ainda mais longe: suspender o pagamento de bolsas para estudantes com vulnerabilidade socioeconômica, a manutenção de equipamentos, veículos e predial.



Pagamento de contratos, como mão de obra terceirizada e contratos de energia elétrica e telefonia também está por um fio. “O número de demissões de colaboradores pode ser ainda maior, aumentando o desemprego e o caos social. Cabe ainda destacar que se o câmpus estivesse funcionando normalmente, ou seja, sem trabalho e estudo remotos, em virtude da pandemia, a situação seria ainda mais drástica”, acrescentou a pró-reitoria.

Malabarismos para fechar as contas


No Triângulo Mineiro, as instituições federais de ensino superior também tentam manter contas no azul. A Universidade Federal de Uberlândia (UFU) diz que por enquanto está adimplente em seus compromissos de custeio e que, com a liberação de recursos contingenciados, conseguirá funcionar até setembro ou outubro. Mas já está no vermelho com despesas assumidas com investimentos, devido ao veto total desses recursos.
 
A Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), em Uberaba, adotou a cautela como a ordem da vez desde o ano passado, quando a União sinalizou que o orçamento de 2021 seria menor. Foram adotadas medidas como renegociação de contratos e readequação de despesas para minimizar os impactos e evitar a suspensão de atividades. A prioridade atual são despesas contratuais e a concessão de bolsas e auxílios.




 
Em outro ponto do estado, com R$ 45 milhões para 2021, a Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ), no Campo das Vertentes, diz ser impossível manter as unidades funcionando. “Tendo em vista que os recursos empenhados em custeio em 2020 foram de R$ 54.293.416 e o disponibilizado até o momento é de R$ 37.152.941, o déficit será em torno de R$ 17 milhões, o que nos impossibilita chegar ao final do ano com nossas atividades, mesmo que remotas, por dificuldades de pagamento de despesas básicas, visto o corte de R$ 10,5 milhões em relação ao ano passado”, avisa o pró-reitor de Planejamento e Desenvolvimento, Renato Vieira Silva.
 
Ele ressalta que, em jogo, estão ações de manutenção  das instalações da universidade, entre elas obras em prédios históricos, que precisam ser restaurados por serem protegidos pelo patrimônio, sobretudo na cidade de São João Del-Rei. 
 
Na rubrica custeio, UFSJ se vê diante de um orçamento nos patamares do de 2013. Em investimentos, é o menor da série histórica.  Já os recursos para investimento despencaram: de R$ 76 milhões para R$ 1,6 milhão em 10 anos.





DESAFIO


Ir até o fim do ano é desafio difícil de ser cumprido também na Universidade Federal de Alfenas (Unifal), no Sul de Minas, segundo o reitor Sandro Amadeu Cerveira. Os recursos de custeio sofreram redução de 23%, maior que a média aplicada pelo governo. 
 
Com risco de suspender serviços terceirizados, diminuir bolsas de pós-graduação e extensão, enfrentar falta de recursos para a compra de EPIs e para a recomposição de insumos essenciais para a manutenção das unidades, a instituição amarga recursos que se assemelham aos recebidos em 2008. “Naquele ano, a universidade ainda não tinha passado pela Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). A adesão ao programa resultou na construção de três novos câmpus, contratação de técnicos e criação de 14 novos cursos”, lembra o reitor.
 
Uma das poucas a respirar mesmo com cortes é a Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM), devido a um superávit na execução orçamentária de 2020, o que possibilitou antecipar o pagamento das dívidas deste ano. De acordo com o reitor Janir Alves Soares, o único impedimento atual para a retomada das aulas presenciais é a pandemia.



Apesar disso, os R$ 37 milhões previstos em orçamento é o menor da história da universidade e deixa rastros. A Pró-Reitoria de Planejamento e Orçamento (Proplan) afirma que os sucessivos cortes lineares têm comprometido a estruturação dos câmpus novos da UFVJM nos municípios de Janaúba e Unaí, bem como a consolidação dos câmpus em Diamantina e Teófilo Otoni.
 
Procurado, o Ministério da Educação (MEC) respondeu, por meio de nota, que “não tem medido esforços nas tentativas de recomposição e/ou mitigação das reduções orçamentárias das instituições federais de ensino superior” e que estava em contato com o Ministério da Economia para o desbloqueio dos recursos. 

Ferida aberta


Mês passado, o Estado de Minas mostrou como o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) se tornou um passivo de R$ 4 bilhões para as instituições e uma ferida aberta em meio à crise orçamentária pela qual passam. Com recursos cada vez mais enxutos, as universidades federais viram o fim da promessa de crescimento ordenado para assumirem obras inacabadas e projetos sem perspectiva de sair o papel. Uma delas é a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Como antecipou o EM, com orçamento atual de 12 anos atrás, passou de uma comunidade acadêmica de cerca de 30 mil pessoas na época da implementação do programa para 50 mil. Várias obras ficaram para trás e há dificuldades para terminar o que já tinha começado a ser feito.






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