Limpar o leito para liberar a vaga com segurança e rapidez; atender a um familiar que procura notícias de um paciente; controlar a entrada e saída de ambulâncias... Profissionais que desempenham atividades essenciais nos hospitais durante a pandemia do novo coronavírus vivem na linha de frente do risco de contaminação por COVID-19, mas muitas vezes têm a indispensável atuação ofuscada diante de outras atividades mais visíveis, como as de médicos e enfermeiros.
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Esses profissionais convivem e trabalham em equipe para fazer a diferença na vida de pacientes e familiares que sofrem com o terror da COVID-19. Correm tanto, que resta pouco tempo para refletir sobre a importância de seu trabalho. Foi o que ficou evidente em entrevistas à reportagem do Estado de Minas, quando essa turma dos “bastidores” não conteve o choro de emoção ao constatar o quanto suas funções são fundamentais. Reflexão que ainda não havia sido feita durante mais de um ano de dedicação, em meio à maior crise de saúde da história recente.
LIMPEZA ESSENCIAL
“O clima entre nós, funcionários, é de união. Esse é o lado bom de uma coisa ruim, se é que se pode dizer assim”, constata Elisângela Bitencourt de Oliveira, de 34 anos, encarregada de higienização e limpeza da Santa Casa, na Região Hospitalar de Belo Horizonte. Ela é responsável pela equipe que entra em um primeiro momento para esterilizar o leito e deixar o ambiente seguro para acolher os que chegam para tratamento. “É difícil, mas eu vejo que a gente não deixa o medo falar mais alto. Fazemos por amor, pensando no próximo paciente, dando o nosso melhor.”
Elisângela conta que a carga emocional ao conviver de perto com a COVID-19 é pesada. “A gente tenta, entre nós, ter um momento de descontração e não deixar que fique tão pesado como tem sido. Se tivermos de falar ou desabafar, vamos fazer. Vamos nos emocionar, porque faz parte do ser humano. A gente é profissional, mas também é humano”, diz, com a voz embargada.
Longe dali, no Hospital da Baleia, no Bairro Saudade, Leste de BH, mais especificamente no setor de hemodiálise – importante procedimento para pacientes com COVID-19 –, quem cuida do serviço de higiene e limpeza é Vânia Maria Monteiro, de 53. “Não desmerecendo os outros profissionais, mas o nosso serviço é muito importante, porque sem a limpeza o hospital não funciona. Sem contar que a gente trabalha com amor, tudo que a gente faz é com muito prazer”, destaca.
A rotina de trabalho desses profissionais leva também ao contato direto com a luta pela sobrevivência nas salas de internação. “Os pacientes são muito sofridos, dá pra ver no olhar. Os médicos e enfermeiros são muito dedicados. É um conjunto de sentimento e profissionalismo”, avalia.
Quem divide o fardo da limpeza dos corredores com ela é a colega Rosália Luiza, de 50. “Aqui, é um pelo outro”, ela diz. Rosália conta que se sente mais segura depois de ter sido vacinada, mas não abre mão dos equipamentos de segurança: capote, óculos e máscara. “Se a gente tiver medo, como é que vai ser? A mesma coisa no caso dos médicos: se eles tiverem medo, quem vai cuidar dos pacientes? Tem que ter alguém. Pode até ter medo, mas tem que superar.”
O risco de cada um
Trabalhadores da saúde da rede própria do SUS-BH com testagem positiva para Sars-CoV-2, por categoria profissional
Técnico de enfermagem: 513
Agente comunitário de saúde: 265
Operacional administrativo: 154
Enfermeiro: 148
Agente de combate de endemia: 107
Médico: 97
Técnico de saúde bucal: 77
Serviços Gerais: 61
Dentista: 28
Motorista: 23
Psicólogo: 23
Técnico de laboratório: 23
Estagiário: 21
Fisioterapeuta: 17
Educador físico: 14
Técnico de farmácia: 14
Fonoaudiólogo: 11
Agente sanitário: 9
Assistente social: 8
Farmacêutico: 8
Gestor: 7
Terapeuta ocupacional: 6
Veterinário: 6
Nutricionista: 4
Biólogo: 3
Técnico de radiologia: 3
Fiscal sanitário: 1
Total: 1.651
Observação: Os dados dessa tabela referem-se apenas a profissionais que atuam e coletaram exame na rede SUS-BH.
Fonte: EMAD/SMSA-BH e GAL/FUNED – atualizado em 14/5/2021
Segurança emocional
Nas entradas das unidades de saúde, quem faz a segurança patrimonial acaba fazendo também o serviço de “posso ajudar?”. Entre idas e vindas de familiares de pacientes na recepção da Santa Casa, Iaraliz de Oliveira, de 35, se protege com os equipamentos indispensáveis, mas também com um escudo mental para tentar não transparecer as emoções aos visitantes. “Fazer com que as pessoas entendam que não vai ter visita porque é um momento de restrição não é uma coisa fácil, mexe com emocional, mexe com tudo”, desabafa.
A unidade normalmente recebe transferências de pacientes das UPAs da capital. Enquanto a equipe médica presta assistência ao enfermo, Iaraliz, de certa forma, acolhe os parentes. “A família fica totalmente sem saber o que vai acontecer, é muito difícil. E quando a gente vê o olhar de um familiar recebendo a notícia de que tem que acompanhar a distância, por teleboletim, é o que desgasta o funcionário. Comove a gente, isso machuca”, diz.
A segurança também destaca a dedicação da equipe. “Tem pessoas que estão deixando de ir para casa para preencher o plantão de gente que acaba passando mal, a gente se desdobra mesmo”, conta, com os olhos marejados. “Ter medo da COVID a gente até tem, mas temos que nos doar. Se a gente não estivesse aqui, quem estaria? A vacina tranquiliza em parte, porque na hora de voltar pra casa você sabe que lá tem sete pessoas que ainda não tomaram a vacina.”
A segurança Rayanne Oliveira Alves, de 30, do Hospital da Baleia, perdeu recentemente um tio para a COVID-19, dobrou a proteção no trabalho e alerta todas as pessoas para fazerem o mesmo. “Está na hora de as pessoas, aquelas que podem (ficar em isolamento), pararem para pensar se realmente vale a pena arriscar perder a vida ou se é melhor trabalhar direitinho e ficar dentro de casa”, observa.
No controle da recepção do prédio de hemodiálise, Rayanne, que precisa estar na linha de frente, sente a inquietação de quem divide o mesmo espaço. “Tem horas que a gente vê equipes médicas ‘para baixo’, porque fazem de tudo e não conseguem salvar a vida de um paciente. Por outro lado, vejo muitos que recebem alta e dão graças a Deus. Vejo a angústia que cada um tem. O familiar desesperado, porque precisa de informação e não sabe se vai ou não vai ver o parente de novo.”
SOB CONTROLE
No abre e fecha da cancela que libera a entrada e saída de ambulâncias na Santa Casa de BH está Elioenai Silva de Melo, de 37. O agente de atendimento trabalha na instituição há cinco anos e pela primeira vez notou o aumento das ambulâncias e a diminuição de pessoas do lado de fora. “O movimento tem aumentado bastante, mas a restrição para visita direta ao paciente, por segurança, eu avalio como positiva. Senão, aqui ficaria cheio, como era antes da pandemia”, afirmou, destacando que a situação agravaria os riscos para todos.
Com os cuidados reforçados, ele não abre mão das medidas de proteção contra o vírus. “A gente tem que fazer de tudo, se cuidar. Faço tanto por mim quanto pelas pessoas à minha volta”, lembra. “Claro que me preocupo com a minha família, mas o que a gente tem que fazer é trabalhar, fazer nossa parte, higienizar as mãos e usar máscara.”
Na portaria de suprimentos, quem atende é Daniel Lucas Antônio Custódio, de 30. A entrada, atrás do hospital, dá acesso, inclusive, ao setor de desinfecção. Ele percebeu aumento de internações nos meses mais críticos da pandemia, mas conta que o hospital faz de tudo para que os funcionários não se contaminem. “Aumentou demais, mas muita gente acha que é mentira, não acredita na imprensa. Ter medo da COVID a gente tem, mas tem que sair de casa para trabalhar, uai. A preocupação é transmitir dentro de casa, porque, querendo ou não, a gente está de frente para o risco.”