Diante da possibilidade de nova escalada de casos da COVID-19, dirigentes hospitalares ouvidos pelo Estado de Minas no Norte do estado anunciam que não devem ampliar suas equipes médicas, com o argumento de que têm estrutura suficiente para eventual terceira onda. Porém, essas mesmas unidades enfrentaram esgotamento no último pico da doença, com falta de leitos e filas de pacientes aguardando vagas na terapia intensiva.
A apreensão é maior em relação à disponibilidade de medicamentos para sedação de pacientes graves da COVID-19. A escassez do chamado kit intubação foi enfrentada no pico da segunda onda da pandemia e até hoje, mesmo após a redução dos casos de coronavírus, a situação ainda não foi regularizada nesses hospitais.
A preocupação em torno dos estoques é uma realidade no Hospital Universitário Clemente de Faria, referência regional para atendimento à COVID-19 em Montes Claros.
A instituição, vinculada à Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes), informou que trabalha para regularização dos estoques, com “muitos processos licitatórios finalizados sem a concretização do contrato, devido à falta de interesse de fornecedores ou a preços muito acima do permitido nas tabelas (em torno de 350% de aumento de alguns itens)”. A persistir o problema, a gestão admite que pode enfrentar novamente insuficiência de medicamentos do kit.
No ápice da segunda onda, em março, a unidade chegou a ter demanda de mais de 150% da capacidade, com até 17 pacientes aguardando leitos de UTI. Atualmente, são 20 vagas na terapia intensiva e seis leitos clínicos exclusivos para contaminados pelo coronavírus. Não há previsão de ampliação, o que dependeria de recursos governamentais.
As demandas de eventual terceira onda causam preocupações semelhantes no Hospital das Clínicas Mário Ribeiro, também em Montes Claros, que tem 96 vagas exclusivas para pacientes com coronavírus, sendo 39 de UTI, 32 clínicas e 25 de suporte ventilatório. Diretora do Mário Ribeiro, a médica Luciana Santana se lembra das dificuldades com o aumento de casos em março.
“O maior desafio foi a superlotação, em torno de 120% da nossa capacidade. Em alguns momentos, tivemos entre 20 e 25 pacientes aguardando para ser internados na UTI. Houve esgotamento de leitos de enfermaria, de suporte regulatório de UTI, e isso foi bastante angustiante”, relata.
“O maior desafio foi a superlotação, em torno de 120% da nossa capacidade. Em alguns momentos, tivemos entre 20 e 25 pacientes aguardando para ser internados na UTI. Houve esgotamento de leitos de enfermaria, de suporte regulatório de UTI, e isso foi bastante angustiante”, relata.
A dirigente salienta que, em março e abril, o hospital também enfrentou baixo estoque de medicamentos para a sedação de pacientes graves. “Não só pelo preço, mas também pela disponibilidade. Chegou um momento em que o mercado se esgotou. Foi fundamental a ajuda do governo do estado, que nos enviou os medicamentos.”
Apesar dos alertas, a diretora afirma que, em um ano e dois meses de pandemia, a unidade adquiriu expertise e montou uma grande estrutura exclusiva para atendimento à COVID-19, que está sendo mantida após a redução dos casos, a partir de abril. Por isso, acredita que há certa segurança em eventual recrudescimento da pandemia.
No limite
Ainda na cidade-polo do Norte de Minas, o provedor do Hospital Aroldo Tourinho, Paulo César Gonçalves de Almeida, relembra a segunda onda da pandemia, quando os leitos clínicos e de UTI permaneceram com 100% de ocupação por vários dias, embora não tenham sido registradas grandes filas de espera.
Ele também relata que o hospital, filantrópico, enfrentou desabastecimentos do kit intubação, não conseguindo comprá-los “nem mesmo oferecendo pagamento à vista, em dinheiro”.
“Tem faltado à indústria capacidade para fornecer produtos para todo o país na quantidade que passou a ser exigida. Em alguns momentos, ficamos com estoque crítico. No entanto, devido ao plano de contingência estabelecido, felizmente nenhum paciente teve a medicação interrompida ou o tratamento comprometido”, assegura Almeida, sem negar a apreensão com eventual novo aumento de demanda.
“Tem faltado à indústria capacidade para fornecer produtos para todo o país na quantidade que passou a ser exigida. Em alguns momentos, ficamos com estoque crítico. No entanto, devido ao plano de contingência estabelecido, felizmente nenhum paciente teve a medicação interrompida ou o tratamento comprometido”, assegura Almeida, sem negar a apreensão com eventual novo aumento de demanda.
Em termos de leitos, ele avalia que o hospital está preparado para enfrentar eventual terceira onda, “dentro de sua capacidade estrutural”, ampliada para atendimento à COVID-19, com 10 leitos de UTI e 23 leitos clínicos.
Santa Casa
Maior hospital conveniado ao SUS no Norte de Minas, a Santa Casa conta com 30 leitos UTI e 50 clínicos exclusivos para COVID-19. Mas a estrutura não foi suficiente para impedir a superlotação durante a explosão de casos no início de março, quando a instituição teve filas por vagas em terapia intensiva.
No entanto, o superintendente Maurício Sérgio e Silva afirma que a instituição já contratou uma equipe multidisciplinar para o enfrentamento da pandemia, envolvendo médicos, enfermeiros, fonoaudiólogos e fisioterapeutas. Dessa forma, não pretende ampliar o quadro funcional.
Disse também que o hospital “já possui os kits de intubação conforme sua necessidade, caso falte no mercado brasileiro” e que “tem importado esses medicamentos com a proposta de garantir a assistência com segurança dos pacientes".
Hospital de campanha
Entre o fim de fevereiro e o início de março, a Prefeitura de Montes Claros montou um hospital de campanha e aumentou o credenciamento de leitos de UTI e clínicos em unidades conveniadas ao SUS, com o objetivo de amenizar a superlotação. A secretária municipal de Saúde, Dulce Pimenta, afirma que, com a redução dos casos de COVID-19, atualmente a ocupação de leitos de UTI exclusivos é de 50%, e de 41% nos clínicos.
A prefeitura optou por manter o hospital de campanha funcionando, caso a cidade enfrente uma terceira onda. O município conta atualmente com 119 leitos de terapia intensiva e 159 de enfermaria nos SUS para atendimento às vítimas do coronavírus.
Faltam profissionais e insumos disparam
A pandemia da COVID-19 escancarou um sério problema na saúde, que se tornará um agravante em caso de uma terceira onda: a falta de profissionais qualificados para atuar, principalmente, na terapia intensiva.
Em Divinópolis, cidade-polo do Centro-Oeste de Minas, mesmo diante da ameaça de repique de casos, o Hospital São João de Deus, que atende moradores de 53 municípios, não consegue ampliar leitos devido à escassez de mão de obra – há 44 vagas abertas –, ao mesmo tempo em que vê dispararem custos dos insumos mais usados.
Em Divinópolis, cidade-polo do Centro-Oeste de Minas, mesmo diante da ameaça de repique de casos, o Hospital São João de Deus, que atende moradores de 53 municípios, não consegue ampliar leitos devido à escassez de mão de obra – há 44 vagas abertas –, ao mesmo tempo em que vê dispararem custos dos insumos mais usados.
Outra dificuldade encontrada pela instituição é a compra de medicamentos que compõem o kit intubação. Além dos valores exorbitantes, os produtos estão em falta. “O impacto do aumento dos preços é sentido duramente no caixa da Fundação Geraldo Corrêa (responsável pela gestão do São João de Deus), pois vem combinado com o aumento do consumo de determinados itens que são extremamente necessários”, destaca a instituição, informando que alguns produtos tiveram reajuste de 1.000%.
Os preços dispararam justamente nos itens que registraram maior aumento no consumo na linha de frente. Entre os produtos com grandes altas estão gases medicinais (64%), anestésicos e relaxantes musculares (60%) e equipamentos de proteção individual, como luvas de procedimento e máscaras de proteção (78%).
Em média, os custos com esses insumos representam cerca de 30% das despesas variáveis. “O aumento nos custos para aquisição dos insumos não pode ser repassado às operadoras de planos nem ao SUS, pois os contratos vigentes não permitem”, acrescenta.
Isso faz com que a fundação que administra o hospital seja dependente de recursos extras disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Entretanto, eles ainda são insuficientes para arcar com todo o gasto excedente.
Acreditando em uma terceira onda, o hospital aguarda a liberação de emendas parlamentares pendentes para auxiliar no custeio dos atendimentos às vítimas da covid. “Recursos obtidos com um esforço hercúleo pela atual administração junto a diversos deputados federais”, ressaltou a fundação.
O hospital ainda pede que a unidade seja vista como “instituição essencial à saúde da região” e “que essas verbas de receitas não operacionais sejam respeitadas, uma vez que qualquer instituição filantrópica necessita dessa receita”. “Sem esses recursos, todo o trabalho de recuperação assistencial e financeira pode ficar comprometido.”
A unidade conta com 108 leitos exclusivos para COVID-19, 50 deles de UTI (30 pelo SUS). Na enfermaria, são 30 para a rede pública e 28 para convênios e atendimento particular.
Manutenção é aposta contra novo colapso
A estrutura preparada por Uberlândia para enfrentar a COVID-19 foi duramente testada no primeiro trimestre de 2021, quando a segunda onda atingiu o pico na cidade. Durante quase dois meses, a rede teve 100% dos leitos de UTI ocupados, taxa que só começou a recuar no fim de março.
O momento agora é de redução na ocupação de leitos de UTI – embora os níveis sigam em patamar de alerta –, mas a prefeitura diz que preserva a estrutura para uma possível nova onda de COVID-19, com uso do anexo do Hospital Municipal, unidade municipalizada para atendimento aos casos de infecção por coronavírus.
O momento agora é de redução na ocupação de leitos de UTI – embora os níveis sigam em patamar de alerta –, mas a prefeitura diz que preserva a estrutura para uma possível nova onda de COVID-19, com uso do anexo do Hospital Municipal, unidade municipalizada para atendimento aos casos de infecção por coronavírus.
Durante quase todo o período inicial do ano, a maior cidade do Triângulo Mineiro e segunda economia de Minas esteve sob toque de recolher, restrição do comércio e lei seca. O município convive atualmente com 87% dos leitos de UTI gerais ocupados e 84% daqueles voltados para COVID-19 em toda a rede pública. De acordo com a prefeitura, a estruturação de atendimentos na pandemia contou com a abertura de 610 leitos de enfermaria e UTI, ampliando para 927 vagas disponíveis no geral.
A maior parte está no anexo do Municipal. A unidade era o antigo Hospital Santa Catarina e dispõe de leitos de enfermaria e de tratamento intensivo. Contudo, a Secretaria Municipal de Saúde informou que conta com estrutura para atendimento nas unidades de atendimento integrado (UAIs), com ampliação da rede de oxigênio em substituição aos tanques e a expansão de rede de gases medicinais para evitar o uso de cilindros.
Exclusivos
Quatro dessas UAIs, nos bairros Luizote de Freitas, Morumbi, Roosevelt e São Jorge, atendem apenas aos casos de COVID-19 atualmente. “Também foi criado o Centro de Internação Municipal, instalado na Casa da Fraternidade São Francisco de Assis”, disse a pasta, sobre a estrutura de recebimento de pacientes na rede.
Para redução da pressão sobre internações no Municipal, a administração informou que conta com estoque de capacetes do tipo elmo para pacientes que necessitarem de um cuidado mais intensivo. O equipamento é fixado ao pescoço com uma base que veda a passagem do ar, e por ele são administrados gases medicinais, com pressão que ajuda em situações em que o pulmão está com dificuldade de oxigenação.
Sobre insumos e pessoal, a Saúde municipal informa que “foram adquiridos kits intubação e demais insumos necessários para o tratamento dos pacientes”. Com estoque superior, chegou a emprestar medicamentos aos hospitais privados, sustenta, informando ainda ter contratado mil enfermeiros, técnicos de enfermagem, fisioterapeutas e médicos durante a pandemia.
*Amanda Quintiliano/Especial para o EM