Os casos de violência contra a mulher avançam, e a subnotificação e a falta de um sistema integrado e transparente de dados oficiais ainda dificultam o trabalho das diferentes organizações de prevenção.
Pensando nisso, um grupo de estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) lança a campanha #PorTodasBH com o objetivo de mapear os casos de violência contra a mulher na cidade, tanto os que chegam à Delegacia da Mulher (Deam), quanto os não notificados, a fim de torná-los públicos.
Nesta terça-feira (1/6), ocorrerá o evento de inauguração da campanha que contará com um debate aberto para tratar da importância do tema e da necessidade de um mapeamento como esse.
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A estudante contou que com o avanço do movimento 'exposed' em Belo Horizonte, além de vários outros projetos que procuravam dar voz à mulher vítima de violência, ela percebeu a importância da criação de uma plataforma que, independentemente da denúncia, permitisse que as mulheres contassem sua história.
"Em junho de 2020, comecei a organizar as ideias e propostas, de forma que, aos poucos, fui delimitando, apoiada pela equipe do CRIM/UFMG, um projeto que conseguisse ter real impacto social. Decidi começar por Belo Horizonte, até para observar as implicações e resultados, e, a partir daí, inspirar outros jovens estudantes a replicar ações semelhantes em suas cidades", contou a jovem.
A ideia surgiu a partir do período de estágio na Delegacia da Mulher (Deam) quando teve contato com os boletins de ocorrência. "Graças dra. Isabella Oliveira - delegada titular da Divisão Especializada em Atendimento à Mulher, ao Idoso, à Pessoa com Deficiência e Vítimas de Intolerância -, pude ter acesso a esses dados e integrá-los à plataforma, criando um banco de dados mais completo, rico e confiável", explica Luiza.
A plataforma contará com um formulário para que mulheres no geral possam relatar seu caso de forma anônima e sem se vincular à denúncia.
A equipe do projeto é formada por 37 pessoas - entre professores orientadores, alunos de graduação e pós-graduação dos cursos de direito, psicologia, medicina, antropologia e ciências sociais.
A ideia foi colocada em prática a partir do patrocínio de professores, colaboradores e de uma Vakinha on-line. Assim, o grupo contratou profissionais especializados em programação e publicidade e propaganda para a criação de material de qualidade.
No site, haverá um sistema de gráficos interativo, no qual o usuário selecionará a fonte dos dados que pretende analisar, podendo escolher entre Boletins de Ocorrência ou formulários do próprio site - aberto para qualquer mulher relatar algum caso de violência de forma anônima e sem se vincular à denúncia. A partir disso, ele poderá determinar as variáveis para compor o eixo X e Y do gráfico.
No caso do formulário presente no próprio site, as variáveis estarão de acordo com as perguntas do Formulário Nacional de Avaliação de Risco de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e os questionamentos do próprio Boletim de Ocorrência, de forma que as perguntas vão desde informações sobre o perfil da mulher e do agressor - etnia, religião, escolaridade, entre outras -, a dinâmica da violência - local, data, relação com o agressor - , a dinâmica do relacionamento da vítima com o agressor no caso de se enquadrar em violência doméstica e familiar, e as sobre a denúncia - se foi feita ou não, e, no caso de subnotificação, os motivos.
"Queremos gerar material de qualidade suficiente para permitir um melhor entendimento do perfil da mulher vítima de violência e da dinâmica dessa violência", explicou a idealizadora.
Logo, ela acredita, a academia, as organizações da sociedade civil e as próprias entidades governamentais conseguirão estudá-los, estabelecendo medidas mais assertivas e eficientes.
Problema estrutural
A violência contra a mulher é um problema estrutural e, para combatê-lo, é imprescindível entendê-lo para que haja uma atuação articulada e conjunta dos centros acadêmicos, órgãos oficiais e organizações da sociedade civil.
"Para que esse trabalho seja efetivo, é essencial um conhecimento consistente dessa violência: quem são as vítimas, os agressores, a relação entre eles e a dinâmica da violência, em ambiente doméstico e familiar e fora dele", complementa Luiza.
A campanha, então, pretende demonstrar através de um banco de dados acessível, transparente, atualizado e confiável a realidade violenta, na qual várias mulheres resides em Minas Gerais estão inseridas.
"Dessa maneira, espera-se influenciar políticas públicas que consigam desenvolver de maneira mais efetiva e incisiva ações, pesquisas e projetos pela igualdade de gênero", acrescenta a jovem.
Aumento na pandemia
Em relação aos dados dos Boletins de Ocorrência, Luiza Martins conta que chamou a atenção o crescimento de mais de 7% nos casos de violência doméstica e familiar entre 2018 e 2020.
"A partir dessa informação, é possível investigar diferentes hipóteses, como um possível aumento dos casos de violência ou mesmo um maior número de mulheres denunciando. Porém, deve-se levar em conta que no ano de 2020, com a pandemia do COVID-19, intensificaram-se fatores agravantes da violência doméstica e familiar, como o desemprego, maior tempo de convívio com o agressor, entre outros. Assim, já era de se esperar um aumento nesses números. A questão é que esse aumento pode ter sido bem maior que 7%, afinal os mesmos fatores agravantes são os que aumentam os casos de subnotificação", complementou.
Lançamento do projeto
O evento de lançamento será nesta terça-feira às 19h pelo Youtube do CRIM/UFMG, neste link. Ele será aberto ao público, gratuito e não necessita de inscrição prévia.
Nesse evento, o grupo vai debater “a importância do trabalho em conjunto dos órgãos oficiais, academia e organizações da sociedade civil no mapeamento, prevenção e combate à violência contra a mulher”, tendo uma representante de cada uma dessas esferas.