Professores e demais trabalhadores das instituições de ensino superior de Belo Horizonte experimentaram um misto de sensações ao receber a primeira dose da vacina contra a COVID-19. Iniciada ontem (4/6), a imunização de pessoas entre 18 e 59 anos, completos até 30 de junho, dessa categoria segue neste sábado (5/6). De acordo com dados da Secretaria Municipal da Saúde (SMS), compilados até 2 de junho (o dado mais recente), a capital vacinou com a primeira dose 42% do público-alvo da campanha (2.037.913 pessoas acima de 18 anos). Outros 19,3% receberam a segunda dose.
Os profissionais da educação celebraram, mas não deixaram de pontuar a necessidade de a vacinação ser acelerada, apesar de que em Belo Horizonte o ritmo está mais rápido do que a média em Minas e no Brasil. Até o momento, 31.339 trabalhadores da educação foram imunizados com a primeira dose. De acordo com dados da SMS, nenhum profissional da educação recebeu ainda a dose de reforço.
“Então, fico muito feliz de diminuir meu risco e, ao mesmo tempo, triste de saber que muitos colegas meus ainda precisam estar de forma presencial no trabalho e (a imunização) vai demorar. Infelizmente, existe uma gama da população que necessita e pega ônibus, está presencialmente trabalhando e ainda não tomou”, comentou a professora do curso de ciências contábeis do Centro Universitário Estácio de Sá Niara Cruz, de 31 anos.
A docente afirmou que receber a imunização foi emocionante, mas lembrou que ainda falta muito para que boa parte da população do país receba a proteção. “Quem estiver no grupo de preferência, vá até os postos e se vacine, não perca essa oportunidade. É fundamental que toda a população esteja vacinada para que esse vírus desapareça”, afirmou Niara.
Em Belo Horizonte, foram aplicadas 846.573 primeiras doses e 394.259 segundas doses. Do total de primeiras doses, 461.136 contemplaram idosos acima de 60 anos, 160.087 foram para pessoas com comorbidades, gestantes e puérperas; 179.405 para trabalhadores de saúde; 16.672 para forças de segurança, forças armadas, funcionários do sistema de privação de liberdade; 31.339 trabalhadores da educação e 7.934 pessoas de outros grupos.
Minas recebeu, até 2 de junho, de acordo com os dados da Secretaria de Estado da Saúde, 10.040.564 de doses. Foram aplicadas 4.928.532 primeiras doses e 2.382.765 segundas doses. De acordo com levantamento do painel COVID-19 no Brasil, Minas vacinou 23,15% da população com a primeira dose e 11,19% com a segunda dose.
"A gente quer muito voltar às nossas atividades. A gente tem um prazer imenso de estar na sala de aula, mas é importante pensar em toda a sociedade para que possamos juntos vencer essa pandemia"
Valéria Gama Fully Bressan, de 46 anos, docente da Faculdade de Ciências Econômicas da UFMG (Face)
Homenagem à Ciencia
A frase “Vacina e ciência: UFMG contra a COVID-19” podia ser lida na camiseta da professora Valéria Gama Fully Bressan, de 46. A vestimenta foi feita especialmente para a ocasião. Docente da Faculdade de Ciências Econômicas da instituição (Face-UFMG), a moradora do Bairro Caiçara, Região Noroeste da capital, comemorou a imunização.
“Foi maravilhoso poder receber a vacina hoje, até dentro da UFMG, porque é uma instituição que preza pela ciência, está desenvolvendo vacinas, testes para COVID. É uma instituição que, como várias outras, quer buscar o bem para a sociedade como um todo”, destacou.
Valéria disse que foi uma ótima surpresa receber, na última segunda-feira, a notícia de que a vacinação dos professores começaria nesta semana, e reforçou a importância de que a imunização seja para todos. “A gente quer muito voltar às nossas atividades. A gente tem um prazer imenso de estar na sala de aula, mas é importante pensar em toda a sociedade para que possamos juntos vencer essa pandemia”, afirmou.
"É um misto de sentimentos. Uma dose de esperança, mas significativa tristeza por ser uma realidade muito distante para todos"
Roberta Franco, de 36 anos, professora da Faculdade de Letras da UFMG (Fale)
Aos 36 anos, a professora Roberta Franco, da Faculdade de Letras da UFMG (Fale), disse que a expectativa para a imunização era grande, mas não tinha expectativa de que fosse receber a vacina por agora. “Foi uma boa surpresa. Embora haja uma opinião pública forte do porquê de os professores se vacinarem agora, mas também existe uma demanda para que a gente volte, porque o ensino remoto não contempla todos os alunos, os professores ficam muito sobrecarregados.” Roberta disse que o ideal seria que os estudantes também fossem vacinados, para dar mais segurança no retorno às aulas.
Depoimento
"Vacinei contra a COVID-19 como proteção e cidadania"
Márcia Maria Cruz, Jornalista que, há um ano e três meses, escreve reportagens a respeito da COVID-19, conta como foi receber a 1ª dose da vacina por ser professora universitária
“Desde a infância, simpatizo-me com o Zé Gotinha. Nem quando criança tive medo de me vacinar, muito pelo contrário. Mas jamais imaginaria que, na vida adulta, vacinar seria tão simbólico e me faria chorar como aquelas meninas e meninos que não entendiam bem as agulhadas. Além de jornalista, desde 2008, sou professora universitária no curso de jornalismo, o que me credenciou para integrar o grupo vacinado, na sexta-feira (4/6): os docentes de nível superior.
Não consegui dormir de quinta para sexta-feira, acordando diversas vezes com imagens, sem muito sentido, de que grupo prioritário a imunização se destinaria – uma preocupação ética, uma vez que considero fundamental obedecer a ordem estabelecida pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).
Acordei às 5h de uma noite não dormida para ir bem cedo vacinar. Ao lado da minha casa, tem um centro de saúde. Fui até lá e me informaram que a vacinação de professores estava sendo realizada em alguns postos específicos. Escolhi, sem refletir muito sobre o meu gesto, que tomaria no posto que fica na Rua Carangola, também bem próximo da minha casa.
Quando lá cheguei, havia uma fila pequena, com andamento relativamente rápido. Mostrei meu vínculo com a faculdade onde dou aula e minha identidade. Depois que fiz o cadastro, fiquei pronta para receber a dose, então, de repente, me veio à mente que estava no prédio da antiga Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da UFMG, a Fafich. Neste momento, as lágrimas vieram com a força de queda d'água. Não consegui conter a emoção. Embora estivesse muito feliz por, enfim, poder ser vacinada, não imaginava que seria tomada por sentimento tão desestabilizador.
Chorei, porque a Fafich foi local de resistência à ditadura militar em 1968, quando o regime político brasileiro caminhava para o momento de maior censura e cerceamento das liberdades individuais. Chorei, porque há um ano e três meses, escrevo todos os dias sobre COVID-19 e tenho que informar o número de pessoas que morreram vítimas dessa doença, algo que sempre me devastou muito: ver os números aumentarem e os governos e, até mesmo a sociedade, relativizarem as estatísticas.
Chorei pelas duas profissões que escolhi, jornalista e professora, que têm sido tão vilipendiadas no Brasil. Chorei por estar na Fafich e saber que tantos jornalistas brilhantes foram formados ali. Chorei por entender como um simples gesto de me vacinar se tornou ato de cidadania num país que parte da população descredibiliza a imprensa, a ciência, a educação e a vacina. Chorei por entender que o Brasil vai passar por esse momento sombrio, como passou por outros de igual terror no passado.
Desde o início da pandemia, em março de 2020, fui destacada para a equipe do Estado de Minas que cobre a COVID-19. Em especial, o diretor de redação pediu que eu tivesse atenção especial ao desenvolvimento de vacina.
Então, desde aquela época, passei a acompanhar os estudos que se cadastravam numa plataforma científica internacional para iniciarem os ensaios clínicos. Aprendi sobre cada uma das etapas de desenvolvimento de uma vacina, passei a entender como era feita a avaliação dos estudos por pares. E como jornalista diariamente esperava poder dar a tão sonhada notícia de que tínhamos vacina para a COVID-19.
Os estudos avançaram com mais agilidade do que de costume e, no final de 2020, já tínhamos vacinas disponíveis. Parecia um sonho até que olhei para a realidade brasileira. Embora a vacina estivesse disponível no mundo, não havia sinalização por parte do governo federal para um plano nacional de imunização. O que era para ser a saída festejada para a maior pandemia que a humanidade já enfrentou começou a ser algo de ataques de teorias da conspiração, que questionavam o valor da vacina e colocavam em xeque a eficácia.
Meu trabalho como jornalista, como de todos os meus colegas de redação, então, passou a ser desmentir boatos, desinformação e mentiras sobre as vacinas. Acompanhei de perto o desenvolvimento da vacina nas universidades mineiras, em especial a UFMG, dando ampla visibilidade às pesquisas, às dificuldades dos pesquisadores e à importância de termos uma vacina com tecnologia nacional.
Em âmbito internacional, apresentei quais eram os estudos mais avançados. Também apresentei o CTVacinas; anunciei em primeira mão quando os testes pré-clínicos foram iniciados em primatas não humanos; dei em primeira mão, numa entrevista exclusiva com a reitora Sandra Goulart, que a Prefeitura de Belo Horizonte financiaria parte da pesquisa da maior universidade mineira.
O Plano Nacional de Operacionalização de Vacinação contra a COVID-19 foi lançado e o que deveria ser motivo de alegria se tornou ponto de investigação devido aos chamados fura-filas. Algo que jamais estaria no meu horizonte de expectativas ocorria: as pessoas tentavam burlar a ordem de prioridade, tentativas de roubo de vacinas, golpes para aplicação de vacinas a preços elevadíssimos.
O ditado 'farinha é pouco, meu pirão primeiro' revelou uma face triste de nossa cultura, o jeitinho. Formas de conseguir ser incluído em grupo de prioridades, atestados falsos e até mesmo mudar sua vinculação profissional para poder ser vacinado. Esperei a minha vez e confesso que até fico triste em saber que a vacinação segue tão lenta, e que é preciso que as categorias travem uma verdadeira guerra para conseguir o direito de ser vacinado. Sigo, porém, com a esperança de que vamos superar esse momento tão difícil. Não posso jamais deixar de agradecer ao Sistema Único de Saúde e à ciência por esse momento. Hoje, já na meia idade, sigo amando o Zé Gotinha mais do que nunca.”