Jornal Estado de Minas

DIA DOS NAMORADOS

Em tempo de pandemia, casais vencem o medo por amor, mas adotam prevenção



Em um dos romances mais admirados da literatura mundial, “O amor nos tempos do cólera”, de Gabriel García Márquez, o sentimento que obcecava o protagonista Florentino Ariza por Fermina Daza floresce numa época de muitas dificuldades logo após a epidemia de cólera que assolou o Caribe no século 19. O casal só encontrou o final feliz na maturidade, demonstração da força da paixão que derrubou desafios impostos até pela medicina.



Com alguma semelhança num Brasil de hoje, encurralado pela COVID-19, casais que, como no clássico de García Márquez, se conheceram num cenário de crise sanitária demonstram que com amor estão vencendo as batalhas diárias sob os efeitos do vírus.
 
Os obstáculos começaram no primeiro encontro para os auxiliares administrativos Gabriela Duarte Almeida, de 23 anos, e Arthur Eduardo Teixeira, 24, que se aproximaram pelas redes sociais, no período mais fechado do distanciamento social recomendado no combate à disseminação do coronavírus. Eles estudam economia e se viram pela primeira vez quando o mundo ainda parecia normal, na universidade na qual estudam.
 
 
 
Antes de o namoro se concretizar, o contato perdurou por meses somente nas telas do computador e do celular, já que, com a ida de ambos para o interior de Minas, perderam a proximidade. “Fomos nos conhecendo por conversas virtuais nesse tempo. Mas, agora, o namoro tem sido como nos filmes. Passamos muito tempo juntos por conta do trabalho remoto, que em uma situação normal não seria possível. E é muito benéfico, nos conhecemos muito e acabou compensando o início em que conversamos apenas pelas redes”, conta Gabriela.




 
O temor da contaminação também desafiou as empreendedoras Fernanda Yasmin Jenne Jooplin Souza do Carmo, 26, e Letícia Lourenço Rosa, 25, mas elas estavam decididas a viver um relacionamento. Por meio de um aplicativo de namoro elas se conheceram quando a pandemia já assustava o mundo, ainda limitada à China e viram a reaproximação e o amor nascer em meio ao caos no Brasil. Seguiram o contato pelas redes sociais até que resolveram se encontrar em meio ao surto de casos em junho de 2020.
 
 
Chance para o amor %u2013 William Santos e Márcio Felipe não deixaram que %u201Cfantasmas%u201D do vírus barrassem relacionamento (foto: Jair Amaral/EM/D.A Press)
 
“Sempre tive muito medo, até porque sou asmática e trabalho com entrega de comidas. E quando decidimos nos encontrar pela primeira vez, tomados todos os cuidados”, diz Fernanda do Carmo. Sob o brilho de lua cheia, Fernanda e Letícia combinaram passar juntas o fim de semana e a partir de então evitar os deslocamentos para se encontrarem. “Saímos o mínimo possível, justamente para que a gente continue se encontrando.”
 
A internet também aproximou o auxiliar de depósito Márcio Felipe Ferreira Barbosa, 23, do namorado, o motoboy William dos Santos Almeida, 25. A despeito do medo da doença respiratória, chegaram à conclusão de que valia a pena dar uma chance ao amor entre períodos de fechamento e reabertura da cidade durante a pandemia. O primeiro encontro, entretanto, foi um pouco diferente do habitual. “Nos encontramos algumas vezes no carro. Logo após o nosso primeiro encontro, veio a flexibilização e abertura do comércio não essencial”, contam.




 
Tomando medidas de prevenção contra a transmissão do coronavírus, Márcio e William afirmam que aprenderam a lidar um com o outro e a enfrentar as adversidades, com o passar do tempo, de forma mais tranquila em relação aos medos e a incerteza do cenário atual do Brasil. “O mais legal é que os fantasmas da pandemia não nos impediram de começar a nossa história”, afirma Márcio. Uma das decisões foi começar a frequentar alguns bares, sem se descuidarem dos protocolos sanitários.
 
 
Tempo intimista %u2013 Fernanda Carmo e Letícia Rosa optaram pelo isolamento para se manterem unidas com menos riscos (foto: Arquivo Pessoal)

Exemplo

Se os novos casais comemoram o sucesso da convivência, em meio às restrições que a COVID-19 transformou em 'novo normal', e em alguns casos consideram até ter sido acesa uma chama a mais na fogueira do amor, para os casados algumas barreiras surgiram durante o isolamento. Os “eternos namorados”, como se definem os empreendedores Dayanne Andrade, 32, e André Gomes, 36, viram a vida profissional se juntar à convivência de casal em um só espaço, rotina que sacudiu a relação deles, casados desde junho de 2017.
 
“Passávamos 24 horas por dia no mesmo local, e o lado profissional passou a se sobrepor ao pessoal. Mesmo trabalhando com reeducação sexual e diálogos saudáveis, foi primordial procurar o auxílio de um terapeuta de casais para nos ajudar a separar novamente o pessoal e o profissional”, diz Dayanne.




 
Eles, então, recuperaram o ponto de equilíbrio, acreditando mais no apoio um do outro. “Criamos mais diálogos, conversamos mais sobre nossas vidas e isso fez muita diferença para o relacionamento, já que levamos uma vida 24 horas juntos”, destaca Dayanne. Ela e André tiveram a internet como cupido 14 anos atrás.

Empurrão

A pandemia impôs maiores dificuldades para os encontros e começos de relacionamento, mas também ajudou e deu um bom estímulo ao aconchego, já que, em razão da necessidade de isolamento social, da prática de home office e de longo tempo em casa, os casais se aproximaram. Para os amores em construção, uma dose enorme de intensidade e profundidade foi agregada a relação. “Não nos conhecemos saindo para um lugar e depois de um tempo a gente começou a frequentar uma a casa da outra”, conta Fernanda do Carmo.

“Pulamos direto para a intimidade, de viver uma com a outra, se relacionar, coisas que com o namoro e se conhecendo aos poucos vai devagar. A gente já foi intenso. E para fazer dar certo, como não tem como sair e conhecer aos poucos, é só dentro de casa. A gente conversa para saber e fazer o que as duas querem, a gente gosta de coisas parecidas, de ver o dia, tomar uma cerveja, cozinhar, ver filme, ver série, jogar”, observa Fernanda.




 
Gabriela e Arthur também experimentaram essa intensividade. Mas, demorou um pouco até a aproximação chega a esse nível. “Ficamos mais próximos, mais companheiros”, conta Arthur Teixeira. Com William e Felipe, como Márcio é mais chamado pelos amigos e, também, pelo companheiro, a premissa foi a mesma. Não à toa, com quase um ano de namoro, eles resolveram “juntar as escovas”. “A química é forte desde o primeiro encontro. Tudo fluiu muito bem, até chegar ao ponto de morarmos juntos. Namorar em quarentena exigiu um preparo maior, já que todos estamos com o psicológico abalado. Mas, o maior benefício que temos é a companhia um do outro, nos conhecemos melhor e construímos algo mais real”, relata o motoboy.

Dia do romance

Hoje, os casais devem comemorar o Dia dos Namorados de um jeito atípico, uma vez que o amor em tempos de COVID-19 terá que ser celebrado longe de aglomerações e cuidando de preservar o outro. Ao menos nesse sentido, a comemoração ganhou um ar mais romântico. Porém, a criatividade vai ter que falar alto e reinventar nunca fez tanto sentido.

Na alegria e no estresse dos plantões médicos

Horas exautivas de trabalho, estresse e grande exposição aos riscos de contaminação pelo coronavírus não abalaram os relacionamento de profissionais da área da saúde ouvidos pelo Estado de Minas. “Nos completamos e nos equilibramos para dar certo no meio do caos”, diz o cardiologista Diogo Umann, de 37 anos, casado com a dermatologista Marina Sathler, de 36. Juntos desde 2004, eles contam que se apoiam na visão mais pragmática sobre as coisas de Marian, combinada à impulsividade de Diogo, que optou por conter esse modo de encarar a vida adotando a cautela que uma pandemia exige.




 
Ponto de equilíbrio %u2013 Diogo Umann e Marina Sathler se completam mesclando características opostas (foto: Grazi Oliveira Fotografia/Divulgação)
 
“Em meio a tudo isso, nossos laços de amor estão ainda mais fortes. Estamos mais unidos, conversando mais e ouvindo mais”, conta Diogo, ao considerar que o relacionamento com Marina se fortaleceu, a despeito das dificuldades que a crise sanitária impõe. Vivendo a dura rotina dos hospitais, o ortopedista pediátrico Bruno Azalim Bastos Barbosa Mendes, 32, companheiro da dermatologista Ana Vitória Ribeiro Perecini, 30, desde 2010, mesmo com medo, não deixou o prazer de estar na companhia dela.
 
A história deles se parece com aqueles roteiros de filmes em que os casais custam a ficar, de fato, juntos. Bruno e Ana Vitória começaram a namorar em agosto de 2010, nas só decidiram morar juntos no  início da pandemia, após desistirem da cerimônia de casamento.  “Foi um momento de muito estresse. Já estávamos noivos, e acabamos nos aproximando mais e começamos a morar juntos”, conta Ana. Envolvidos em frequentes plantões, eles adotam o distanciamento social rigoroso, mas não deixam de curtir unidos os momentos de descanso.
 
A pandemia mudou a proporção dos sentidos e das atividades do dia a dia, inclusive do amor, segundo o psicológico comportamental Leonardo Morelli. “Amor não é apenas na alegria e em momentos felizes. Pelo contrário. Amar é poder compartilhar com outro nossas dores, medos, angústias e sofrimentos. É saber que tem sempre alguém por perto e que por mais difícil que pareça, não estamos sozinhos. Saber que temos alguém para caminhar conosco torna esse caminho menos pesado”, ensina. (JM)





*Estagiária sob supervisão da subeditora Marta Vieira

Tempo a sós 


Separar tempo para o lazer, promover a descontração e relaxar é muito importante para os casais, uma dica de ouro, como destaca a psicóloga e sexóloga Sônia Eustáquia. “Um dia de casal, com vinho, assistir à televisão, ter uma conversa relaxante são ótimas formas de passar o Dia dos Namorados, sem preocupações e se desligando um pouco dos problemas e aproveitando cada momento”, sugere. Caso ainda seja difícil ter mais intimidade e se sentir confortável, Sônia aconselha apimentar a relação. “Usar acessórios eróticos é uma boa ideia, mas atenção a todo cuidado na hora de escolher o acessório. Cada pessoa se sente mais à vontade com um ou outro. Seria bom se escolhessem juntos. O perigo de errar se torna menor”, recomenda.
 

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