Após posse do grupo Pataxó na Mata do Japonês, doada pela Associação Mineira Nipo-brasileira, na última quarta-feira (09/06), indígenas denunciam que grileiros que já desmatavam e pretendiam lotear e vender terras e madeiras da mata de preservação em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, estão atacando, insultando e ameaçando de morte o grupo indígena, agora proprietários do território.
Leia Mais
Grileiros reivindicam lotes em área preservada cedida para povo indígenaGrupo indígena toma posse da Mata do Japonês, em São Joaquim de BicasImunizados contra COVID-19: 80,69% dos indígenas de MG receberam as 2 dosesO que muda na sua vida (e em Minas Gerais) se o PL 490 for aprovado?Posseiros da Mata do Japonês reivindicam usucapião da terra“Eles querem expulsar os indígenas que já são proprietários do território de forma legal, os antigos donos nipodescendentes doaram a Mata do Japonês para que a aldeia fosse criada!!”, diz um dos posts no Twitter.
Entenda o caso
Donos de terrenos vendidos ilegalmente na Mata do Japonês, em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de BH se manifestaram na quinta-feira (10/06) para reivindicar direito de uso dos lotes, após o grupo indígena Katuramã tomar posse da área.Na tarde dessa quarta-feira (9/6) o grupo indígena passou a morar no local, que faz parte de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN), com a autorização dos proprietários legais, a Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira (AMCNB).
“Toda a mata é uma reserva ambiental. Ela foi negociada com o grupo Katuramã, e isso é algo histórico. Essa é a primeira vez que um grupo indígena recebe território sem ser da União. Ontem houve a posse, com uma entrega simbólica e não teve nenhum conflito”, explica Alessandra Vilaça, advogada do grupo.
Mas na manhã desta quinta, alguns dos posseiros foram para o local reivindicar o direito de uso dos lotes comprados. “Hoje de manhã algumas pessoas apareceram na Mata para reivindicar seus lotes. Uma advogada estava presente, mas inicialmente ela não representava o grupo, só um deles. Quem estava lá são pessoas de posse nova, há menos de um ano. Essas não têm construção da reserva, apenas derrubaram árvores e cercaram o lote”, disse a advogada.
Segundo Alessandra, apenas alguns dos posseiros estavam presentes porque os outros que já construíram no local estão na Justiça com a Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira, por terem feito obras dentro da reserva.
“As invasões começaram em 2010, aos poucos foram aumentando e fomos recebendo denúncias. Comunicamos o Ministério Público e todos os órgãos governamentais, fizemos até boletim de ocorrência. Temos um processo na Justiça, que já chega a 710 páginas, com 30 invasores indiciados, mas o juiz não deu sentença até hoje”, explica o diretor da AMCNB, Antônio Hoyama.
Mesmo com a contestação dos posseiros, ainda não há documentos que comprovem a legalidade das terras compradas na reserva, além disso a advogada e nenhum dos proprietários de lotes quis dar entrevista para esta reportagem.
Segundo o um dos líderes do grupo indígena, Thyrry Yatsô Pataxó Hãhãhãe Fulni-ô, não há interesse de conflito com os posseiros, apenas querem morar na terra por direito, além de preservar o meio ambiente. “Hoje de manhã chegou um grupo de posseiros, alegando que estavam no território antes de nós comprarmos e nos ameaçaram”, disse.
“Em seguida convidaram uma advogada que não tinha conhecimento do direito os indígenas no Brasil. E a nossa advogada, Alessandra, de maneira pacífica, deixou claro que nós não queremos conflitos. Apenas negociar de forma pacífica, para que eles retirem os materiais que estão no local. Nosso intuito é fazer a preservação da área, da fauna e flora, além da conservação do ambiente”, explicou Thyrry Yatsô.
De acordo com advogada do grupo, nenhum dos posseiros foi identificado nesta quinta, para dar a oportunidade deles retirarem as cercas e demais materiais de loteamento que estão na mata, de forma pacífica, sem envolvimento com processos judiciais.
“Hoje não identificamos ninguém e vamos aguardar na segunda-feira para definir o próximo passo, queremos resolver isso de forma pacífica. Eles terão a oportunidade de retirar o arame, cerca e o loteamento, sem conflitos, Justiça ou pagamentos por crimes ambientais. Demos a oportunidade de ser algo pacífico, até mesmo porque os indígenas têm um plano de reflorestamento, eles não querem conflitos”, afirmou Alessandra.
Ela também informou que a partir desta quinta até a próxima segunda-feira, a advogada do grupo de posseiros irá se reiterar da situação e dos documentos apresentados pelos indígenas e Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira, a qual fez a doação dos hectares.
“Em momento nenhum queremos atritos, até porque partindo do princípio que existe uma lei, cada um que acha que tem direito, procure a Justiça. Até o momento não há documento algum que comprove a compra dos lotes de forma legal e nós não temos culpa nenhuma disso. Existe um projeto de trabalhar na área, com atividades que proporcionem um lazer para o povo de São João de Bicas. Queremos ser amigos e parceiros, a presença dos indígenas vai trazer estabilidade para o município também”, completou o líder Thyrry Yatsô Pataxó Hãhãhãe Fulni-ô.
Os povos Pataxó e Pataxó Ha-hã-hãe morava à beira do Rio Paraopeba quando foram afetados pelo rompimento da barragem de Brumadinho, sem poder utilizar a água, após a contaminação por rejeitos. Diante do problema, precisaram migrar para Belo Horizonte e novos desafios foram enfrentados sem a vida na aldeia.
Além disso, um acordo foi feito com a mineradora Vale e o grupo recebia um auxílio financeiro para viver em BH, porém não tiveram retorno da empresa sobre um novo território para morar. Assim, passaram a procurar uma terra por conta própria e receberam a proposta da Associação Mineira de Cultura Nipo-Brasileira.
O grupo recebeu a doação de 70% dos 36 hectares e ficou acordado que pagarão os outros 30% restantes. Essa concessão beneficiou tanto a associação quanto os indígenas, já que a área estava sendo invadida por pessoas que faziam loteamentos ilegais e vendiam à terceiros.
“Para nós, Pataxó Hã-Hã-Hãe, a terra não é mercadoria. Para o nosso povo, ela é nosso sagrado, é o que tem de mais valor para a nossa cultura. Porque dessa terra nós vivemos da caça, da pesca e da erva medicinal”, explicou a vice-líder do grupo, Angohô Pataxó Hã Hã Hãe.