Repletos de obstáculos, os caminhos irregulares nas vielas transportam diariamente um sentimento amargo de fome, miséria e angústia, que muitas vezes se tornam invisíveis aos olhos daqueles que têm o que comer. Habitualmente, moradores das favelas e comunidades carentes de Belo Horizonte já fazem enormes sacrifícios para conseguir o pão de cada dia.
Porém, a pandemia do novo coronavírus, desde o início, aumentou o drama e a necessidade das famílias que vivem à margem da pobreza. Seja pelo avanço desenfreado da doença ou pela crise econômica, os mais vulneráveis foram as maiores vítimas de uma guerra sanitária silenciosa, e clamam por um socorro que se torna cada vez mais urgente.
Porém, a pandemia do novo coronavírus, desde o início, aumentou o drama e a necessidade das famílias que vivem à margem da pobreza. Seja pelo avanço desenfreado da doença ou pela crise econômica, os mais vulneráveis foram as maiores vítimas de uma guerra sanitária silenciosa, e clamam por um socorro que se torna cada vez mais urgente.
Eles já sofreram muito na primeira e na segunda ondas da doença. Agora, com a ameaça de uma terceira no Brasil, as necessidades se ampliam, seja por alimentação digna, emprego e renda ou pela aceleração da vacinação. Com pelo menos 550 mil pessoas vivendo nas 223 favelas de BH, segundo dados da Central Única das Favelas (Cufa-MG), muitas vezes a salvação vem de doações humanitárias.
Em nível nacional, são 13,6 milhões de pessoas, aproximadamente, morando em comunidades carentes no Brasil. Dessas, 84% das famílias cujos filhos deixaram de ir à escola devido à COVID-19 sofreram com o aumento dos gastos. Além disso, 72% não conseguem manter o padrão de vida por tempo algum se perderem a renda. Os dados são do Data Favela, em parceria com o Instituto Locomotiva.
Segundo a organização, 76% dos moradores afirmam que em ao menos um dia faltou dinheiro para comprar comida durante a pandemia e 80% das famílias estão sobrevivendo com menos da metade da renda de antes da pandemia.
Em Belo Horizonte, a implantação da política de saúde usa como norteador o Índice de Vulnerabilidade da Saúde (IVS). O índice é uma combinação de variáveis socioeconômicas adotada pela Secretaria Municipal de Saúde para apontar áreas prioritárias para intervenção e alocação de recursos.
Em Belo Horizonte, a implantação da política de saúde usa como norteador o Índice de Vulnerabilidade da Saúde (IVS). O índice é uma combinação de variáveis socioeconômicas adotada pela Secretaria Municipal de Saúde para apontar áreas prioritárias para intervenção e alocação de recursos.
De acordo com a prefeitura, o IVS se baseio em dados do Censo Demográfico e avalia os percentuais de domicílios particulares permanentes com abastecimento de água e esgotamento sanitário. Também considera a razão de moradores por domicílio; o percentual de pessoas analfabetas; o percentual de domicílios particulares com rendimento per capita até 1/2 salário mínimo; o rendimento nominal mensal médio das pessoas responsáveis; e o percentual de pessoas de raça/cor parda, preta ou indígena.
A estratificação de risco social e sanitário tem uma classificação dividida em risco baixo, médio, elevado e muito elevado. As regionais de BH com maior parcela no nível mais crítico de classificação são a Norte, Barreiro, Centro-Sul e Leste. A Centro-Sul é responsável pela maior desigualdade no índice: enquanto 78,52% da regional está “em segurança”, o restante (21,48%) sofre risco de grau elevado a muito elevado. Na região, os bairros mais afetados são Estrela, Acaba Mundo, Nossa Senhora do Rosário, Nossa Senhora de Fátima e Vila Barragem Santa Lúcia.
ÁREA DE RISCO TAMBÉM PARA O CORONAVÍRUS
O Observatório de Saúde Urbana de BH, da Universidade Federal de Minas Gerais (OSU-BH/UFMG), analisa o comportamento da pandemia no chamado “InfoCOVID” com base no Índice de Vulnerabilidade da Saúde. A última edição, divulgada em 1º de junho, comparou o 4º trimestre de 2020 com o 1º trimestre de 2021. A variação do índice entre os dois períodos mostra que nos primeiros três meses deste ano, nas áreas de baixo risco, houve diminuição das internações e óbitos; pequeno aumento nas áreas de médio e aumento bem maior nas áreas de risco elevado e muito elevado.
“Aqui podemos inferir que esta diminuição nas áreas de baixo risco, onde vivem mais idosos, posto que nas áreas de elevado e muito elevado risco estes morrem em idades mais jovens, esta diminuição também pode estar relacionada à vacinação e ao isolamento de idosos, em especial os de 80 anos e mais”, analisou o grupo de pesquisadores. “Nas áreas de médio risco, o menor aumento percentual pode se relacionar à oportunidade maior de isolamento, o que não ocorre nas áreas de maior risco na cidade, onde reside a população mais vulnerável e com necessidade de trabalhar e sair às ruas, portanto, com menores oportunidades de isolamento”, completou o boletim.
Combinação de fatores agrava vulnerabilidade
Para além do risco de problemas de saúde, os aglomerados enfrentam um problema tão grave quanto: o socioeconômico. “A contaminação pela COVID-19 tem um ciclo curioso: começa nas regiões mais ricas da cidade e depois vai para as regiões mais pobres e, obviamente, quando chega às regiões mais pobres, o efeito é muito forte, porque a densidade demográfica é maior, há uma concentração muito grande de pessoas”, explica Jorge Alexandre Neves, professor de sociologia da UFMG e integrante do Observatório Social da COVID-19.
Para o especialista, além de a maior proximidade entre as pessoas ser um grande problema, as famílias que moram nas comunidades enfrentam ainda a necessidade de sair para trabalhar, pois não há ajuda financeira suficiente por parte do poder público. Não bastassem os problemas socioeconômicos, pesa também a falta de informação. “Além do fato de não se ter uma campanha nacional de comunicação com proposição das medidas não farmacológicas (uso de máscara, necessidade de distanciamento), o país tem um presidente da República que boicota todas essas medidas. É uma combinação de fatores que nos deixa nessa situação”, avalia Neves.
O professor conta que nos países europeus há dois elementos fundamentais que explicam a mortalidade pela COVID-19: a idade e as doenças associadas que constituem fator de risco. No Brasil, há um terceiro: o nível socioeconômico. “Apesar de todo o avanço que tivemos no SUS, não chegamos ao padrão de sistema público europeu. Estamos vivendo um aumento da desigualdade na saúde e um enfraquecimento do SUS. A perspectiva é de que, havendo de fato uma terceira onda da pandemia no Brasil, ela afetará sobremaneira as populações de menor nível socioeconômico”, prevê.
Recentemente, o governo da Argentina fez diversas ações para isolar favelas, colocou médicos à disposição e ofereceu ajuda humanitária aos moradores. No Brasil, isso seria uma possibilidade para amenizar a disparidade, mas, segundo análise do pesquisador, faltam profissionais. “Há carência de médicos para a periferia. Tivemos o programa Mais Médicos, que foi muito bem-sucedido e os médicos cubanos fizeram uma diferença enorme. O currículo das faculdades de medicina em Cuba tem foco na atenção primária, básica, e no sistema de que o médico vai viver na comunidade. Isso está fazendo uma falta enorme hoje, principalmente na periferia das grandes cidades”, lembra.
Falar em “ficar em casa” para um(a) chefe de família que precisa sair para garantir o sustento não é fácil; por isso, nesses momentos é preciso atuação do poder público, para permitir que as pessoas cumpram o isolamento social para se resguardar e, ao mesmo tempo, não passem fome. “A solução seria um auxílio emergencial semelhante ao do ano passado. O estado de Minas Gerais não tem condição de fazer isso, mas em algum momento teve alguma pressão do governador? Não. E sem isso, vai ser muito difícil”, conclui.
Dificuldades morro acima
» 13,6 milhões de pessoas vivendo em comunidades carentes no Brasil
» 76% dizem que em ao menos um dia faltou dinheiro para comprar comida durante a pandemia
» 80% das famílias têm sobrevivido com menos da metade da renda de antes da crise sanitária
» 72% não conseguem manter o padrão de vida se perderem a renda
» 84% das famílias com filhos fora da escola devido à COVID-19 tiveram aumento de gastos
» 223 vilas e favelas em BH
» 550 mil moradores nessas comunidades