O universo de pessoas vacinados contra a COVID-19 aumenta em Belo Horizonte, ao passo que os indicadores da pandemia recuam. Diante desse cenário, a pergunta cada vez mais frequente é sobre quando a vida voltará ao normal. A resposta para o questionamento parte de um novo conceito criado pelo infectologista Carlos Starling, que integra o comitê de enfrentamento à virose da prefeitura da capital: a “taxa de normalidade”.
A nova “taxa de normalidade” considera seis critérios: a incidência da doença (novos casos por 100 mil habitantes nos últimos 14 dias) e sua tendência (redução, aumento ou estabilidade); a mortalidade (óbitos por COVID-19 por 1 milhão de habitantes nos últimos 14 dias) e sua tendência; a letalidade global da doença (percentual de infectados que perdem a vida); e qual a quantidade de pessoas do público-alvo da campanha de vacinação já imunizadas.
Para cada um desses parâmetros, os especialistas atribuem uma pontuação de acordo com os dados do boletim epidemiológico, o que gera um resultado entre 6 (0% de normalidade) e 30 (100% de normalidade). Essa porcentagem calculada ao final do processo foi usada, por exemplo, para liberar os eventos na cidade, mas, ao mesmo tempo, manter o ensino médio das escolas ainda em regime remoto.
Em 25 de junho, por exemplo, BH tinha uma taxa de normalidade de 68%. Esse índice está acima da China, do estado de Minas e da cidade do Rio de Janeiro, do município de Contagem e de outros países, como o Reino Unido. O percentual é mais favorável do que aqueles atribuídos à Argentina, ao Brasil e a Minas, e fica logo abaixo de São Paulo. “Poucos países fizeram um matriciamento dessa natureza. É uma novidade muito grande. É algo inédito. Criamos métricas para definir a reabertura dos setores. Estamos usando essa metodologia também no comitê da prefeitura”, explica o infectologista Carlos Starling, que assina o estudo ao lado do epidemiologista Bráulio Couto, professor do UNI-BH. Em artigo que o Estado de Minas publica nesta página, Starling detalha o método e fala da volta ao “normal” da vida.
Entre outros indicadores da pandemia, a Prefeitura de BH informou ontem, por meio de seu boletim epidemiológico, que permanece sem índices na zona crítica da escala de risco. As ocupações dos leitos de unidades de terapia intensiva (UTIs) e de enfermaria estão no patamar intermediário: respectivamente, 64,5% e 51,2%. Já a transmissão do coronavírus no nível mais controlado: 0,9. BH tem 55,5% do seu público-alvo vacinado com a primeira dose e 18,6% com a unidade de reforço. O total de óbitos é 5.821 e o de casos confirmados 238.404. Confira o artigo de Carlos Starling.
Desafio de fênix diante do nebuloso tempo da pandemia
A fénix, ou fênix, é um pássaro da mitologia grega que, quando morria, entrava em auto-combustão e, passado algum tempo, ressurgia das próprias cinzas. Outra característica da fénix é sua força, que lhe permite carregar cargas muito pesadas enquanto voa. Há lendas sobre sua capacidade de carregar elefantes. No início da Era Cristã essa ave fabulosa foi símbolo do renascimento e da ressurreição. Nesse sentido, ela simboliza o Cristo ou o Iniciado, recebendo uma segunda vida, em troca daquela que foi sacrificada.
A Fénix é uma ave mitológica que representa os ciclos da vida, o recomeço e a esperança num futuro melhor. De origem egípcia, o mito está presente em várias culturas como a grega, romana, árabe e chinesa. Eu acrescentaria trata-se de um ser mitologicamente pandêmico e muito apropriado ao momento atual. Retomar nossas vidas como antes é o grande desafio que temos no momento. Responder quando, como e de que maneira fazê-lo com segurança e responsabilidade é, certamente, um caminho pandêmico pantanoso.
Queremos e precisamos achar a trilha desenhada por indicadores epidemiológicos que nos permitam ir passo a passo reconquistando nossas escolas, espaços de trabalho, nossa vida social, o abraço dos amigos e dos desconhecidos nos campos de futebol.
Nessa reconquista do mundo perdido, passamos pelas nossas profecias estatísticas iniciais, praticamente todas, coincidentes com a realidade trágica nacional. Em algumas situações a realidade foi pior do que jamais poderíamos imaginar. Para outras, a previsão catastrófica foi contida pela sensatez e sensibilidade política dos representantes públicos eleitos.
Entendo ter sido Belo Horizonte um bom exemplo, claro, com a devida vênia do meu conflito de interesse. Vimos em nosso plano nacional um dos maiores vexames mundiais na condução da pandemia, que se arrasta até os dias de hoje, sendo conceituado como um verdadeiro genocídio por vários depoentes na CPI em curso no Senado Federal.
Foi nessa busca de encontrar parâmetros para ir passo por passo retomando nossas vidas que ousamos, mais uma vez, propor parâmetros técnicos que nos permitissem seguir o mito da Fénix. Reciclados pela dor da perda de milhares de amigos, parentes e irmãos distantes, certamente não poderíamos propor alguma coisa que ultrapassasse os limites do conhecimento científico do momento. Muito menos, o fato de não termos a segurança quanto ao comportamento das variantes que brotam a todo momento, principalmente, em locais onde a ignorância (ou má fé) predominou e “deixaram o vírus viajar”.
Foi com a intenção de encontrarmos o caminho das Minas, que desenvolvemos modelos matriciais usando indicadores de fácil acesso e públicos para acharmos a “Taxa de Normalidade” do momento. Para chegarmos até ela, usamos a Incidência por 100.000 habitantes e a tendência da incidência (redução, estabilidade, ou aumento no número de casos) , as quais refletem a velocidade de progressão do vírus na comunidade.
Usamos a taxa de mortalidade, a tendência da taxa de mortalidade e a letalidade como parâmetros do impacto do número de casos sobre o sistema de saúde e a capacidade deste de responder a essa pressão. Todos esses parâmetros, indiretamente, refletem também o grau de transmissibilidade e virulência das variantes circulantes, assim como, o grau de adesão da comunidade as` medidas de distanciamento social, as quais são fundamentais para contenção da disseminação viral.
Por outro lado, o percentual de pessoas vacinadas na comunidade é um fator de proteção fundamental que contrapõe e reverte a tendência de progressão da epidemia. Quanto maior o percentual de pessoas vacinadas e utilizando as medidas de distanciamento social, mais perto estaremos de passar por esse momento terrível e renascer.
A tabela 1 mostra os elementos da matriz de risco e sua ponderação. Nas linhas, ficam os indicadores e nas colunas as diferentes faixas de risco e os pesos dados a cada um dos itens.
Quando somamos os pesos de cada item da matriz, temos, no mínimo 6 pontos possíveis e no máximo 30 pontos. Ou seja, 6 pontos correspondem a Zero % de normalidade e 30 pontos a 100% de normalidade. Para aqueles que gostam de entender mais a fundo nos temas, segue a fórmula de cálculo utilizada. Mas, se você fica arrepiado quando se depara com fórmulas, siga apenas pelo texto.
O cálculo da taxa de “normalidade” (Tx(%)) é feito por interpolação linear, considerando a pontuação total, que vai de seis a 30 pontos de tal forma que 5 pontos = 0% de “normalidade” e 30 pontos = 100% de “normalidade”:
Tx(%) = X-5 30-5 × 100
Onde: X = total de pontos do país, estado, município ou localidade
Tx(%) = Taxa de Normalidade
O passo seguinte para identificar as “faixas de normalidade” e o que cada uma delas permite que seja retomado: essas faixas, a princípio, terão que ser arbitradas e posteriormente validadas pelos dados epidemiológicos e experiências vivenciadas.
Na tabela 2, encontramos um exemplo de faixas de normalidade para retorno as` atividades presenciais nas escolas.
Trata-se de um modelo e uma proposta em franca evolução e expansão para a retomada de outras áreas, como por exemplo, atividades culturais, eventos sociais atividades esportivas com público, retorno ao trabalho presencial em empresas, cultos religiosos, funcionamento de bares, restaurantes, etc.
Ao contrário do retorno de todas essas atividades pela pressão e desespero dos seus atores sobre o poder público, passamos a dispor de uma ferramenta que nos dá parâmetros mais sensíveis para expandir ou retroceder nas medidas e decisões a serem tomadas.
Mostramos também a situação atual, em faixas de normalidade, nos municípios de todo o país e a situação dos municípios de Minas, além de uma comparação do Brasil com outros países.
Esses parâmetros nos permitirão aos poucos retomar nossas vidas, devendo ser ajustados conforme avançamos no conhecimento científico sobre o vírus e seu impacto clinico, epidemiológico e econômico sobre os diversos tecidos sociais.
A esperança e a intenção é expormos de forma transparente todos os princípios técnico-científicos que permeiam essa tentativa de retorno a “normalidade”, mesmo que ainda estejamos num cenário pandêmico extremamente incerto.
Todo esse trabalho não seria possível, se não fosse o brilhantismo, parceria científica e amizade do Professor Bráulio Couto, com o qual compartilho a autoria desse modelo, juntamente com todos os colegas que compõem o comitê de gestão da pandemia da prefeitura de Belo Horizonte.
Espero que a Fénix alce voo em céu de brigadeiro e possa ajudar a todos voltar a dormir em paz.
REFERÊNCIAS
COUTO & STARLING (2020). Mathematical Modeling of COVID-19 Transmission by a k Phases SEIR Model. In: Open Forum Infectious Diseases, 7 (Supplement_1), S283–S285. https://doi.org/10.1093/ofid/ofaa439.627
ECDC - European Centre for Disease Prevention and Control. COVID-19 situation update for the EU/EAA and UK, 24 October 2020 – 8 December 2020. https://www.ecdc.europa.eu
WU, Zunyou; MCGOOGAN, Jennifer M (2020). Characteristics of and Important Lessons From the Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) Outbreak in China. Jama, [s.l.], p.1-4, 24 fev. 2020. American Medical Association (AMA). https://dx.doi.org/10.1001/jama.2020.2648
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