Na linha de frente de combate ao novo coronavírus, trabalhadores da saúde tiveram que enfrentar um árduo aprendizado sobre um inimigo desconhecido e traiçoeiro. Nessa guerra, o vírus pode ter vencido batalhas, mas o enfrentamento diário fez com que médicos, enfermeiros, fisioterapeutas e toda a equipe se armassem de conhecimento para salvar vidas.
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Ensino presencial avança para 1.123 escolas estaduaisCinemas de BH têm movimento 'acima do esperado' em dia de reaberturaBH pode bater recorde de frio do ano neste domingoMG amplia vacinação contra gripe para toda população nesta sexta (09)Primeiro domingo de comércio não-essencial em BH movimenta shoppingComo a ciência é usada nas medidas para conter o avanço da COVID-19Com o passar dos meses e dos sucessivos combates travados à beira dos leitos, ao lado dos pacientes, os médicos foram entendendo que o vírus ataca muito mais os pulmões.
“A gente achava que era uma infecção viral inicialmente, e agora sabemos que a COVID-19 é muito sistêmica. O acometimento pulmonar é uma das fases, mas a doença também acomete rim, coração, pulmão, e existe ainda um grande grau de acometimento muscular. E o vírus causa lesões secundárias, que o paciente vai apresentar em longo prazo. Então, existe a chamada síndrome pós-COVID, com recuperação lenta. Muitos evoluem com falta de ar e cansaço, a longo prazo. Não é uma gripe que na semana seguinte você está normal”, afirma o médico intensivista Norberto de Sá, professor da Faculdade de Medicina do Vale do Aço.
“A gente achava que era uma infecção viral inicialmente, e agora sabemos que a COVID-19 é muito sistêmica. O acometimento pulmonar é uma das fases, mas a doença também acomete rim, coração, pulmão, e existe ainda um grande grau de acometimento muscular. E o vírus causa lesões secundárias, que o paciente vai apresentar em longo prazo. Então, existe a chamada síndrome pós-COVID, com recuperação lenta. Muitos evoluem com falta de ar e cansaço, a longo prazo. Não é uma gripe que na semana seguinte você está normal”, afirma o médico intensivista Norberto de Sá, professor da Faculdade de Medicina do Vale do Aço.
O aprendizado também significou que muita teoria foi sendo abandonada à medida que os resultados não eram satisfatórios, como explica o médico. “Não existe nenhuma droga – nem antibióticos ou hidroxicloroquina – que funcione e que reduza a mortalidade dos pacientes hospitalizados.
Várias substâncias foram testadas no início, incluindo alguns antivirais, como o próprio Tamiflu, que a gente usou muito para a gripe H1N1 e funcionou. Achamos inicialmente que ele funcionaria para a COVID-19, e não deu certo”, explica o professor.
Várias substâncias foram testadas no início, incluindo alguns antivirais, como o próprio Tamiflu, que a gente usou muito para a gripe H1N1 e funcionou. Achamos inicialmente que ele funcionaria para a COVID-19, e não deu certo”, explica o professor.
Ele acrescenta que também foram testadas drogas que são empregadas para o tratamento da Aids. Da mesma forma, sem sucesso. “Vários antivirais que são usados no tratamento do HIV e outras infecções virais também não funcionaram para a COVID-19. A gente testou muita coisa que não deu certo”, explica.
Mas nem tudo foram ataques malsucedidos. A médica emergencista e intensivista Maria Aparecida Braga, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência, fala sobre os procedimentos que deram certo. “Agora, a gente tem um pouco mais de conhecimento sobre como lidar com esses pacientes do ponto de vista das determinações precoces”, explica.
Segundo ela, em pacientes em que a doença avança com gravidade, o ponto principal de alerta é a queda de saturação de oxigênio. “Nosso objetivo nesses casos é manter uma oxigenação adequada com os meios que temos. Isso vai desde o cateter nasal simples até a intubação e a ventilação mecânica invasiva. Temos hoje, e não tínhamos no início, o uso de corticoide. Utilizamos não apenas no hospital, mas para pacientes que têm uma baixa de saturação que necessite de oxigênio, inclusive em ambiente domiciliar”, explica.
O medo de faltarem escudos de proteção
Desde as primeiras informações sobre a chegada do vírus ao Brasil, em março de 2020, muitos profissionais de saúde se preocuparam com a capacidade de o sistema de saúde pública do país suportar o fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs), para que pudessem combater com um mínimo de segurança. O intensivista Norberto de Sá, professor da Faculdade de Medicina do Vale do Aço, conta que a maior dificuldade enfrentada na época foi a estrutural.
“A gente ficava vendo os vídeos dos chineses e italianos se paramentando, e ficava pensando: ‘E no Brasil, que a gente passa por problemas estruturais graves na rede pública, será que vamos ter equipamento para nos proteger desse jeito?’”, relembra.
“A gente ficava vendo os vídeos dos chineses e italianos se paramentando, e ficava pensando: ‘E no Brasil, que a gente passa por problemas estruturais graves na rede pública, será que vamos ter equipamento para nos proteger desse jeito?’”, relembra.
O enfermeiro Anderson Rodrigues, presidente do sindicato da categoria em Minas Gerais, reforça a importância da preocupação do colega.
“No início, não tínhamos EPIs adequados, passamos por momentos muito difíceis, realmente. Não havia um suporte para esses profissionais que estavam na linha de frente. Quando começaram a chegar os equipamentos, não eram de boa qualidade, e acabou que nos vimos em uma guerra praticamente combatendo com pau e pedra, ou seja, sem proteção adequada e sem conhecimento do inimigo”, completa.
“No início, não tínhamos EPIs adequados, passamos por momentos muito difíceis, realmente. Não havia um suporte para esses profissionais que estavam na linha de frente. Quando começaram a chegar os equipamentos, não eram de boa qualidade, e acabou que nos vimos em uma guerra praticamente combatendo com pau e pedra, ou seja, sem proteção adequada e sem conhecimento do inimigo”, completa.
Por outro lado, a experiência de epidemias como a de H1N1, em 2009, ajudou esses profissionais a se prepararem para o que estava por vir, apesar de as proporções serem imensamente diferentes da atual pandemia.
“Foi uma medicina de guerra o que a gente viveu nesses últimos meses, mas os treinamentos e conhecimentos que adquirimos no passado fizeram muita diferença. Aquele preparo que tivemos para a gripe H1N1, de isolamento, UTI e leitos isolados, de paramentação, uso de circuitos fechados em respiradores – isso tudo a gente organizou antes e muitos hospitais mantiveram a estrutura relativamente operacional”, afirma o médico Norberto de Sá.
“Foi uma medicina de guerra o que a gente viveu nesses últimos meses, mas os treinamentos e conhecimentos que adquirimos no passado fizeram muita diferença. Aquele preparo que tivemos para a gripe H1N1, de isolamento, UTI e leitos isolados, de paramentação, uso de circuitos fechados em respiradores – isso tudo a gente organizou antes e muitos hospitais mantiveram a estrutura relativamente operacional”, afirma o médico Norberto de Sá.
No começo, com poucas informações, todo o conhecimento disponível vinha da Itália e da China, que já enfrentavam o novo coronavírus havia mais tempo, e eram a base do tratamento no Brasil.
“Foi um período de muito aprendizado, em que a gente consertou o carro com o motor ligado. No início tudo era surpresa, tudo era medo, muito medo de contaminação da equipe. Mas agora as coisas vão melhorando”, disse o médico intensivista do Vale do Aço.
“Foi um período de muito aprendizado, em que a gente consertou o carro com o motor ligado. No início tudo era surpresa, tudo era medo, muito medo de contaminação da equipe. Mas agora as coisas vão melhorando”, disse o médico intensivista do Vale do Aço.
Sabedoria vai além do campo de batalha
O aprendizado que profissionais de saúde em ação no campo de batalha adquiriram vai muito além da doença propriamente dita, avaliam especialistas.
“A pandemia colocou um holofote muito grande sob os emergencistas e intensivistas, ao mostrar a importância do trabalho de equipe para a assistência social. Então, se você tem uma equipe que funciona, como deve funcionar de fato, tem condição de cuidar desse paciente”, explica a presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência, Maria Aparecida Braga.
“A pandemia colocou um holofote muito grande sob os emergencistas e intensivistas, ao mostrar a importância do trabalho de equipe para a assistência social. Então, se você tem uma equipe que funciona, como deve funcionar de fato, tem condição de cuidar desse paciente”, explica a presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência, Maria Aparecida Braga.
Ela destaca ainda a importância de investir em educação continuada. “Estamos lidando com equipes que estão cansadas, ainda sobrecarregadas, que se adoentaram e tiveram que ser substituídas, e que precisaram se capacitar e investir em habilidades que não tinham. Profissionais de outras áreas foram nos ajudar. Tudo isso demanda educação continuada e faz diferença no resultado assistencial. A equipe é a pedra angular, é a base do atendimento do paciente gravemente enfermo, não apenas na COVID-19, mas em todas as situações de gravidade”, reforça Maria Aparecida.
E as lições foram muito além do ambiente hospitalar. “Nesses 16 meses, todo mundo aprendeu alguma coisa; aprendemos que as coisas mais importantes são as mais simples. Ficar em casa, abraçar os filhos, ver os amigos, fazer uma reunião de família... Eu passei o Dia dos Pais, o Dia das Mães, aniversário, Natal e ano-novo, tudo isso longe dos meus pais. São coisas muito básicas e simples. A gente vai sair mais sensível. E vamos aprender mais”, acrescenta o médico Norberto de Sá.
Aprendizados
» Técnica da pronação, que consiste em manter o paciente de “barriga para baixo”, tem ajudado a melhorar a função dos pulmões dos doentes com insuficiência respiratória que estão internados nos leitos clínicos e na UTI.
» O uso de corticoides, como a dexametasona e prednisolona, foi positivo em pacientes internados com quadros graves de COVID-19. Pesquisas vêm demonstrando que os corticoides reduzem o número de óbitos em pacientes muito graves, diminuem o tempo no respirador e encurtam a internação
» Pacientes com COVID-19 demandam uso de sedativos e bloqueadores mais potentes e os médicos aprimoraram os conhecimentos específicos nessa área
» Capacete Elmo: foi positivo para pacientes, porque evita intubar e possibilita ventilação com pressão positiva
» Identificação de grupos de risco: hoje, sabe-se que idosos e pessoas com doenças não transmissíveis, a exemplo das cardiovasculares, respiratórias crônicas, diabetes e câncer, têm um risco mais alto de desenvolver quadros graves
» Crianças e adolescentes têm chance menor de desenvolver casos com gravidade. Há poucos relatos de doenças graves nesse grupo, o que
não significa que ele é menos vulnerável ao contágio
» O uso da máscara, antes não recomendado para a população em geral, se revelou fundamental para suprimir a transmissão da COVID-19 e salvar vidas, de acordo com estudos científicos
» A hidroxicloroquina não reduz a mortalidade de pacientes hospitalizados com COVID-19. A Organização Mundial da Saúde interrompeu testes com a substância em pacientes graves, depois que estudo científico mostrou que ela não é eficaz para esse fim. Outros trabalhos indicam ineficácia também em quadros leves e moderados...
Desafios
» Descobrir uma droga que tenha efeito sobre o Sars-CoV-2, um antiviral que consiga bloquear a fase inicial de replicação do coronavírus, que é muito agressiva
» Aprender a lidar com a síndrome pós-COVID, com as sequelas que a doença deixa nas pessoas que contraíram o vírus
» Definir qual o prazo de proteção proporcionado pelas vacinas, e a necessidade de doses regulares de reforço
» Estabelecer o risco real de reinfecção. Cientistas trabalham para entender o papel da resposta imunológica na primeira e na eventual segunda infecção
» Determinar quando será seguro suspender medidas de prevenção e distanciamento social