Jornal Estado de Minas

ENTREVISTA

'Equipes estão cansadas': médica relata luta e aprendizados da pandemia


Após um um ano e três meses da chegada do novo coronavírus no Brasil, o país ultrapassou a triste marca de 500 mil vidas perdidas pela COVID-19.





Na linha de frente do tratamento e cuidado desses pacientes, profissionais de saúde tiveram que aprender sobre um inimigo que ainda era desconhecido. Médicos, enfermeiros e toda a equipe precisaram correr atrás de conhecimento para salvar vidas.

Esses profissionais contaram ao Estado de Minas o que tiveram de aprender na prática e hoje funciona para o tratamento desses pacientes.

Desta vez, quem fala é a médica Maria Aparecida Braga, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência. Colecionando 40 anos de profissão com treinamentos, habilidades e competências para lidar com doente grave, a profissional defende a educação continuada e conta a carga emocional depositada nesses trabalhadores de hospitais.





“Nós reagimos, do ponto de vista emocional, com uma descarga de adrenalina muito grande e essas questões de emoções muito fortes tanto para o mal, mas principalmente para o bem, nos capacita a ficar cada vez mais fortes com relação a isso e a gostar mais da profissão, daquilo que nós fazemos”, ressalta a médica.


Confira a entrevista completa

Havia pouquíssima informação no início da pandemia da COVID-19. Como foi tratar os pacientes? Qual era o protocolo?

O que nós trabalhamos em emergência são as síndromes, então tínhamos a Síndrome da Insuficiência Respiratória Aguda Grave (SRAG) e utilizamos os meios que a gente já sabia para outras doenças. Agora, com a evolução, a gente tem um pouco mais de conhecimento de como lidar com esses pacientes no ponto de vista das determinações precoces, da utilização do oxigênio.

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No paciente que evolui com gravidade, o ponto principal é a queda de saturação de oxigênio e o nosso objetivo é manter uma oxigenação adequada com os meios que temos para utilizar oxigênio. Então, isso vai desde o cateter nasal simples até a intubação e a ventilação mecânica invasiva.



E também outras, que temos hoje e não tínhamos no início, que é o uso de corticoide. Utilizamos não apenas no hospital, mas para pacientes que têm uma saturação abaixo de 94%, que precisa de oxigênio domiciliar ou hospitalar, o uso do corticoide se relaciona a uma evolução para uma gravidade e para o óbito.

O conhecimento prévio de outras epidemias ajudou no começo da pandemia do coronavírus?

O conhecimento dos mecanismos de insuficiência respiratória ajudou. Um ponto muito importante foi que a pandemia colocou um holofote muito grande sobre os emergencistas e intensivistas, mostrando a importância do trabalho de equipe para a assistência social.

Então, se você tem uma equipe que funciona, como deve funcionar de fato, você tem condição de cuidar desse paciente. É um trabalho muito árduo que fazemos na terapia intensiva, quando o paciente chega com a insuficiência respiratória. A ventilação mecânica, os ajustes de todos, os mecanismos de ventilação, a colocação do paciente em posição prona (de bruços) desde o início estavam relacionados ao benefício do atendimento.



Continuamos e isso se mostrou muito benéfico. Então, quanto mais precoce a gente toma as decisões, melhor. Isso precisa de equipe, principalmente para não deixar acontecer eventos adversos relacionados a todas essas manobras.

A questão do contato, da infecção bacteriana secundária, enfim, o trabalho em equipe é fundamental em toda situação de gravidade e eu espero que fique essa herança da pandemia para investimento e capacitação das equipes de emergência e da terapia intensiva.


A sra. acha que essa era a maior dificuldade que enfrentou?

Com certeza é uma dificuldade que sempre existiu, só que a gente não conseguia fazer todos os gestores e a comunidade em geral entender a importância que é o trabalho em equipe. A importância que é investir em educação continuada.



Então, isso tudo faz diferença no resultado assistencial. A equipe é a pedra angular, é a base do atendimento do paciente gravemente enfermo, não apenas na COVID, mas em todas as situações de gravidade. 

A intubação virou um marco para a família saber se seu parente estava ou não em uma situação grave. No início, muitos profissionais não tinham experiência com essa técnica. Como era no início e o que foi possível aprender para melhorar a execução dela?

Isso não é uma verdade, os profissionais emergencistas e intensivistas têm todo conhecimento da técnica para ventilação mecânica. O que se passou para a população geral foi realmente um conceito difícil de lidar na prática é que se o paciente for intubado ele vai morrer. Isso realmente é uma situação muito desastrosa, que infelizmente a informação chegou de forma inadequada para a comunidade em geral.

Médica Maria Aparecida Braga, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência - Regional minas Gerais (foto: Gláucia Rodrigues/Divulgação)


Lidamos com ventilação mecânica há décadas, não é nenhuma novidade. A questão é que o paciente evoluía para uma gravidade maior e precisa da ventilação mecânica. Então, a verdade é o que nós temos na terapia intensiva são ferramentas para ajudar o paciente a se estabilizar e se manter dentro das condições até que a doença passe.



Não é a ventilação que vai provocar uma gravidade maior para o paciente, é a doença dele que é mais grave e que precisa, inclusive, da ventilação mecânica. Então esse conceito não nos ajudou na terapia intensiva, muitas vezes a gente precisando de recorrer a esta ferramenta e deixava os familiares muito conturbados porque o paciente seria intubado e iria morrer. Isso não é verdade.

Com o tempo, novos estudos foram sendo desenvolvidos. Quais práticas eram adotadas no início que foram sendo abandonadas ao longo do caminho?

No ponto de vista da emergência, lidamos um pouco melhor com a condição do pulmão. Como a gente lidava com essas insuficiências orgânicas. Então, quanto mais precoce você determina o uso de algumas ferramentas, costuma ser mais benéfico.

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Como eu disse, utilizar o oxigênio necessário para manter a oxigenação adequada, utilizar o protocolo de posição prona mais precoce possível e evitar a todo custo, disfunções orgânicas associadas, ou seja, insuficiência vascular, insuficiência renal e controlar, prevenir e combater agressivamente as infecções bacterianas secundárias que são muito frequentes.





O que  a sra. não sabia antes da pandemia e que acabou aprendendo no tratamento dos doentes?

A questão da importância do trabalho em equipe, das decisões no tempo correto, a importância de entender que a doença na maioria das vezes vai evoluir bem, mas naqueles pacientes que são mais graves, internados e estão na terapia intensiva, numa proporção importante, eles vão evoluir com uma doença crônica.

Médica Maria Aparecida Braga, presidente da Associação Brasileira de Medicina de Emergência - Regional minas Gerais (foto: Gláucia Rodrigues/Divulgação)


A gente chama de síndrome da terapia intensiva. Esses pacientes vão ficar com uma fraqueza muscular, déficit de atenção, déficit cognitivo, dificuldades de exercer multitarefas. Então, os pacientes que ficaram muito graves têm a possibilidade de uma porcentagem muito alta de evoluir com uma forma crônica da doença. 

Os pacientes que evoluem na forma mais branda terão sintomas em torno de 12 semanas e só vão se recuperar totalmente, a maioria, em torno de 10% e podem ter alguns sintomas como fadiga, falta de ar, tosse seca, mas recuperam na maioria das vezes totalmente.





Entender que temos uma conta assistencial, social e econômica, de uma porcentagem desses pacientes que evoluem de forma grave, que infelizmente vão manter a disfunção orgânica crônica. 

Ver pacientes a todo momento sentindo falta de ar angustiava a sra.?

Eu tenho 40 anos de profissão, fui treinada e sou capacitada, tenho habilidade e competência para lidar com doente grave. Nós reagimos, do ponto de vista emocional, com uma descarga de adrenalina muito grande e essas questões de emoções muito fortes tanto para o mal, mas principalmente para o bem, isso nos capacita a ficar cada vez mais forte com relação a isso e a gostar mais da profissão, daquilo que nós fazemos. Então, quando o paciente se recupera em qualquer situação é um benefício muito grande para nossa jornada.

O que é complexo nessa situação da pandemia é o que a gente chama de uma questão moral, que lida com os valores, é termos que tomar decisões. Quando estávamos no auge da pandemia e os recursos estavam escassos, é definir qual paciente deve ser beneficiado quando tem uma vaga na CTI e tem dois pacientes, quando nós não temos EPIs, quando presenciamos decisões que vão contra os nossos valores. Isso realmente determina um sofrimento moral muito grande para toda a equipe. 

Tanto sofrimento nos hospitais vai servir pelo menos para melhorar as relações médico/paciente. Elas vão ficar mais humanizadas?

Isso é um ponto totalmente necessário de discutir, isso tem a ver com a vocação do profissional, tem a ver com o respeito ao trabalho em equipe e tem a ver a colocar o paciente no centro do cuidado. Quando você faz isso, significa que todas as suas ações estão sendo feitas para o melhor benefício do paciente.



Estou na profissão porque gosto das pessoas, sempre gostei. Gosto de envolver com essa questão do melhor atendimento ao paciente com cuidado centrado, respeitando a autonomia do paciente e com certeza fazendo o melhor que posso para o benefício do paciente.

Eu acho que não precisa da pandemia para fazer isso, a pandemia mobilizou todo mundo, não apenas os profissionais da saúde, mas toda sociedade, para entender como é difícil para todo mundo esse atendimento do paciente gravemente enfermo.

Precisamos de uma equipe que, inclusive, o paciente está inserido nela. Temos que lutar, esse é o foco do meu trabalho, pela importância da equipe para a assistência segura.

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