O vereador Sargento Mello Casal (PTB) elaborou um polêmico projeto de lei que trata da linguagem neutra nas escolas e está em tramitação na Câmara Municipal de Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira.
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Nove cidades recolhem 115 toneladas de pneus velhos no Sudoeste MineiroBabá recebe indenização após ex-patroa não devolver carteira de trabalhoTeve reação após tomar vacina contra a gripe? Veja o que fazerCâmara de Juiz de Fora aprova PL contra linguagem neutra em escolasVereador mineiro quer multar professor que usar linguagem neutra em salaJuiz de Fora recebe aval da Justiça para adiar volta às aulas presenciaisSão Sebastião do Paraíso autoriza volta às aulasA proposta prevê a proibição do uso desse tipo de linguagem em todo o sistema de ensino do município, incluindo a educação de nível superior. A medida recebeu apoio de várias pessoas nas redes sociais do parlamentar, mas foi alvo de duras críticas feitas por especialistas na área da educação ouvidos pelo Estado de Minas.
Sob alegação de proteção à infância, o vereador bolsonarista declarou nas redes sociais, na quarta-feira (7/7), que a aplicação da neutralidade na linguagem impõe “o caos e a confusão sexual na cabeça de crianças.” “Querem dominar o que falamos, para depois dominar como pensamos e, finalmente, como agimos”, escreveu.
O texto de apresentação da proposta, que tramita no Legislativo da cidade, destaca que o objetivo é assegurar o direito dos alunos ao aprendizado da língua portuguesa de acordo com as normas vigentes, seguindo o que preconiza a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
“A linguagem neutra, além de ser um português ensinado errado, suprime as diferenças entre homens e mulheres. Nossa sociedade evolui? Sim. A língua evolui? Sim. Porém, jamais para suprimir diferenças comprovadas cientificamente (...). Neutralizar o gênero é uma grande bobagem”, complementou o parlamentar.
Em contato com a reportagem, a assessoria do vereador reforçou que o projeto evita “possíveis liberdades pedagógicas que firam a língua oficial.”
“Quando a linguagem neutra for integrada à língua portuguesa, a proposta garantirá que ela faça parte do currículo escolar”, destaca a assessoria.
O que dizem doutores e pós-doutores em educação?
Para o doutor em educação pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Roney Polato, “a proposição desse tipo de projeto de lei demonstra profundo desconhecimento sobre o que é a educação e, sobretudo, sobre a escola, seus currículos e suas práticas.”
O docente – além de apontar uma interpretação equivocada da lei citada pelo parlamentar – enfatiza ainda que a proposta demonstra uma postura incompatível com os princípios constitucionais de democracia, justiça social e cidadania. A proposição, também segundo Polato, esbarraria nas questões que dizem respeito aos direitos humanos.
“Proibir que estudantes da educação básica possam conhecer outras formas de expressão da língua – e as múltiplas linguagens que caracterizam as maneiras de ser e estar no mundo – fere a própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, já que ela define a educação como algo que deve ser inspirado em princípios de liberdade e solidariedade humana”, disse o docente, em contraponto ao que foi apresentado pelo parlamentar do ponto de vista da legislação.
“A LDB tem como base as liberdades de ensinar e aprender, de pesquisar e divulgar a cultura, o que inclui o conhecimento sobre a dinamicidade da língua como prática social. Outros princípios dizem do pluralismo de ideias e da autonomia intelectual e pedagógica das unidades escolares”, destacou o professor Roney Polato.
“É uma política de silenciamento e discriminação”
“Portanto, tentar proibir o uso da diversidade das linguagens na escola, o que inclui conhecer e pensar sobre o uso da linguagem neutra, é colocar-se contra princípios legais e constitucionais. Sobretudo, é promover uma política de silenciamento e discriminação com as pessoas que não se enquadram em normas socialmente constituídas”, concluiu o docente.
Nesse aspecto, Anderson Ferrari, pós-doutor em Educação e Cultura Visual pela Universidade de Barcelona, na Espanha, avalia que o projeto, ao negar a língua neutra, pretende manter a exclusão dos sujeitos nas salas de aula.
“Por sua trajetória histórica, a escola sempre foi marcada por exclusões. Demorou muito para que este espaço se tornasse mais acolhedor, e essa conquista foi resultado de muita luta”, avaliou o professor, que, além de lecionar na Faculdade de Educação da UFJF, também coordena o Grupo de Estudo e Pesquisa em Gênero, Sexualidade, Educação e Diversidade (Gesed) na instituição.
“Portanto, é preciso acolher as diversidades, transformando o espaço escolar num lugar confortável para que as pessoas possam se colocar e se perceber neste ambiente. Então, ser contra a linguagem neutra é um retrocesso, pois a escola é um local não apenas de conhecimento, mas também de sociabilidade”, avaliou o professor.
Por fim, o docente enfatizou que a suposta supressão de diferenças entre homens e mulheres por meio da linguagem neutra – objeto de argumento do parlamentar – é um equívoco, tendo em vista que o objetivo está pautado na inclusão e não na eliminação dos padrões sociais de linguagem já constituídos.
Apoio ao vereador
Apesar do posicionamento dos especialistas ser contrário ao projeto, após a publicação do vereador nas redes sociais, muitos seguidores do parlamentar manifestaram apoio à proposta. “Parabéns, vereador Mello. Total apoio contra esse outro absurdo que estão querendo impor para nossas crianças. Uma vergonha”, comentou um internauta.
“Tem meu apoio. Concordo plenamente. Antes que os pais percam o poder de seus filhos”, declarou uma seguidora. “É isso! Juiz de Fora é para todos e não para todes. Parabéns, vereador!”, escreveu outro.