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Estado de Minas FEMINICÍDIO

Mãe de jovem morta por ex cobra Justiça: 'Pandemia que mata mulheres'

Fernanda Gomes luta por justiça pela morte da filha Ester Ferreira Gomes, assassinada pelo ex-namorado em março de 2020


13/07/2021 16:49 - atualizado 13/07/2021 21:42

Na foto, Ester Ferreira Gomes, de 20 anos, vítima de feminicídio (foto: Arquivo pessoal)
Na foto, Ester Ferreira Gomes, de 20 anos, vítima de feminicídio (foto: Arquivo pessoal)
Ester era uma jovem de 20 anos que nasceu e cresceu no Bairro Vera Cruz, na Região Leste de Belo Horizonte. Começou a trabalhar ainda bem jovem. Além de estudar para um dia realizar o sonho de ser esteticista, vendia bolos de pote e peças íntimas para complementar a renda. Aos 15 anos, conheceu Talisson, que vivia no mesmo bairro. Talisson foi o seu primeiro e único namorado. Ester foi executada por ele, na presença da mãe, em 17 de março do ano passado.




Agora, a mãe luta para que a justiça seja feita em 26 de julho, quando ocorrerá o julgamento. Ela convoca mulheres para um ato em frente ao Fórum Lafayette, no Barro Preto, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte.




Fernanda Fernandes Gomes, de 42 anos, trabalha como copeira e é mãe de três filhos: Júnior, de 26, Matheus, de 23, e Marco, de 19. Ester Ferreira Gomes era a única filha. Quando Ester tinha 15 anos, o pai de  Talisson Alves Martin da Silva foi até a casa dela pedir permissão para os dois jovens namorarem, já que eram menores de idade. Fernanda logo desaprovou. "Mas por amor a ela, por ser uma boa filha, esforçada, trabalhadora, eu disse ao pai que concordava, mas sabia que se fosse escondido, seria pior", relembrou.

Ester sempre foi muito sorridente e a mãe conta que a filha acolhia os problemas do namorado. "Ele tinha muitos problemas com a família, problemas financeiros, parou de estudar. Minha filha comprou o primeiro celular dele", contou a mãe.

Na foto, Fernanda e a filha Ester (foto: Arquivo/pessoal)
Na foto, Fernanda e a filha Ester (foto: Arquivo/pessoal)
Durante os cinco anos de relacionamento, Ester escondia as violências que passava. "Hoje eu entendo que ela tinha vergonha, tinha medo. Ela era uma jovem muito alegre, sempre conversava com as amigas sobre relacionamentos abusivos, então ninguém imaginava que ela vivia essa situação", relatou. A mãe conta que Ester chegou a maquiar um dos braços para esconder o hematoma.

Entretanto, outras violências antecederam a agressão física. "Hoje, eu percebo que começa com agressão psicológica.  O agressor te mata psicologicamente primeiro. Ele mata sua autoestima, ela passa a se sentir mal, dependente dele, dependente dos elogios, dependente dele para ver sentido na vida. Ele faz parecer que nenhum homem vai te querer. E eu acho que foi isso que aconteceu com minha filha", relatou a mãe de Ester.

No fim de 2019, Ester rompeu o relacionamento. Ela, destroçada diante das violências, buscou forças para  realizar o sonho - que já era antigo - de colocar silicone nos seios. Ela disse à mãe, ''assim que eu colocar silicone, eu vou terminar o meu namoro. Ele desacredita da minha capacidade, dos meus sonhos. Não acredita que vou fazer faculdade, que sou capaz''.

Da violência doméstica ao feminicídio 


Fernanda conta que a filha deu a notícia do término do namoro aliviada. Ela chegou em casa, rasgou as fotos, deletou os registros dos telefones e disse determinada à mãe: ''vou estudar, vou viver minha vida, vou comprar carteira de moto pra ir pro serviço e pra faculdade''.

Porém, não passou muito tempo, para o homem procurar por Ester. A jovem se manteve firme em sua decisão e o ex-namorado começou a ameaçá-la. Ele a perseguia por meio do telefone, mas também intimidava a vítima ao rondar a casa dela. 

O feminicídio ocorreu no início da manhã desta terça-feira, quando Ester se deslocava em direção ao trabalho com Fernanda.

''Você tá me traindo com vários homens, você vai ver”, disse o ex-companheiro. Ester respondeu que ela não estava com ninguém, mas, mesmo que estivesse, não estaria traindo, porque os dois já tinham terminado o relacionamento. Fernanda completou: "Vocês não têm mais nada, deixa a minha filha viver em paz".  Na sequência, o homem sacou uma arma e deu um tiro na cabeça de Ester. A mãe ainda tentou entrar na frente dos disparos, ele a agrediu, e, mesmo ferida, a filha fugiu. 


Ester tentou se abrigar na casa de um vizinho, mas o homem foi atrás e, mesmo com a vítima caída, realizou novos disparos que acertaram a cabeça e o tórax. Em seguida, fugiu em uma moto. “Foi um crime premeditado, ele pediu uma arma emprestada. Também estava com uma faca. Ele sabia o que estava fazendo”, relatou. 

Após o período do flagrante, o homem se apresentou à polícia. Ao saber disso, Fernanda, ferida pelos golpes dados pelo autor no dia do assassinato e em luto pela morte da filha, foi até a delegacia. “Ele se apresentou e disse que sairia pela porta da frente. Mas foi preso em flagrante enquanto prestava depoimento, já que eu, como vítima viva, fui até a delegacia”, relatou. E, desde então, o Talisson está preso aguardando julgamento. 

O luto que se transformou em luta 


O julgamento foi marcado para o dia 26 de julho, no Fórum Lafayette, no Barro Preto, na região Centro-Sul de Belo Horizonte.

Fernanda transformou o luto em luta e convoca mulheres para uma manifestação às 8h para pressionar o Judiciário. “Eu estou mutilada, falta um pedaço de mim. A mutilação não resiste ao remendo. Mas espero justiça justa, que ele pegue 30 anos de cadeia, que pague pelo o que fez. Quero justiça pela minha filha e por todas as outras mulheres assassinadas’’, disse a mãe. Além disso, Fernanda deseja uma indenização para que seja doada a instituições que amparam mulheres. 

“Os casos de violência contra a mulher ocorrem todos os dias. Todos os dias mulheres são assassinadas por serem mulheres. Essa é uma violência que acontece entre ricos e pobres, brancos ou negros. A minha luta não é apenas pela minha filha, mas por todas as outras mulheres mortas. Precisamos dar o grito de socorro. Não podemos nos calar. Vivemos a pandemia provocada pela COVID, mas também vivemos a pandemia provocada pelo machismo que mata mulheres. Foi a minha filha, mas também posso ser vítima”, disse.

Os números mostram que o caso de Ester não é isolado. Em Minas, de janeiro a maio, 11.544 mulheres foram até a delegacia registrar um boletim de violência doméstica. 1.342 em Belo Horizonte. No estado, no mesmo período, 57 mulheres foram mortas. 80 sofreram tentativa de feminicídio. No ano passado, foram 149 mulheres assassinadas e outras 190 tentativas. Em BH, foram registradas cinco mortes este ano. Em 2019, foram 16. 

O que é relacionamento abusivo?

Os relacionamentos abusivos contra as mulheres ocorrem quando há discrepância no poder de um em relação ao outro. Eles não surgem do nada e, mesmo que as violências não se apresentem de forma clara, os abusos estão ali, presentes desde o início. É preciso esclarecer que a relação abusiva não começa com violências explícitas, como ameaças e agressões físicas.

A violência doméstica é um problema social e de saúde pública e, que quando se fala de comportamento, a raiz do problema está na socialização. Entenda o que é relacionamento abusivo e como sair dele.

Como denunciar violência contra mulheres?

  • Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
  • Em casos de emergência, ligue 190.

O que é violência física?

  • Espancar
  • Atirar objetos, sacudir e apertar os braços
  • Estrangular ou sufocar
  • Provocar lesões

O que é violência psicológica?

  • Ameaçar
  • Constranger
  • Humilhar
  • Manipular
  • Proibir de estudar, viajar ou falar com amigos e parentes
  • Vigilância constante
  • Chantagear
  • Ridicularizar
  • Distorcer e omitir fatos para deixar a mulher em dúvida sobre sanidade (Gaslighting)

O que é violência sexual?

  • Estupro
  • Obrigar a mulher a fazer atos sexuais que causam desconforto 
  • Impedir o uso de métodos contraceptivos ou forçar a mulher a abortar
  • Limitar ou anular o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher

O que é violência patrimonial?

  • Controlar o dinheiro
  • Deixar de pagar pensão
  • Destruir documentos pessoais
  • Privar de bens, valores ou recursos econômicos
  • Causar danos propositais a objetos da mulher

O que é violência moral?

  • Acusar de traição
  • Emitir juízos morais sobre conduta
  • Fazer críticas mentirosas
  • Expor a vida íntima
  • Rebaixar por meio de xingamentos que incidem sobre a sua índole

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