Jornal Estado de Minas

SAÚDE MENTAL

Associação repudia decisão do CRM-MG de interditar os Cersams de BH

Associação dos usuários dos serviços de saúde mental de Minas Gerais denuncia e repudiadecisão do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRM-MG) de pedir a interdição dos 16 Centros de Referência em Saúde Mental de Belo Horizonte (Cersams)





 

O CRM-MG alega que, após fiscalizações em todas as unidades, foram encontradas irregularidades que colocam em risco pacientes e profissionais de saúde. 


Segundo a vice-presidente da associação, Laura Fusaro, a entidade está colhendo assinaturas para uma nota de repúdio que será publicada na segunda-feira (26/7). O documento já conta com a assinatura de 15 entidades. 

“A associação repudia veementemente esse pedido grotesco.”

Irregularidades


Laura afirma que as irregularidades que o CRM-MG alega ter encontrado nas unidades não seriam suficientes para uma medida tão extrema. 





“Eu uso os serviços, sou uma pessoa que está na rede como usuária. Algumas irregularidades que eles apontam não têm sentido, como a falta de diretor técnico médico, que é um cargo regulado por uma decisão do CFM de 1932 e que não existe no Caps (Centros de Atenção Psicossocial). Pode pegar uma portaria do Ministério da Saúde, que regula os Caps. Não existe esse cargo. São equipes multiprofissionais, não existe um diretor médico técnico.”

Outro ponto ressaltado por ela é que o CRM-MG não mandou para o Conselho Municipal de Saúde esses relatórios das vistorias realizadas no ano passado. 

De acordo com a vice-presidente, na terça-feira (20/7), a Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte foi notificada da decisão do CRM-MG de interditar o trabalho dos médicos nos Cersams de Belo Horizonte, tendo em vista uma vistoria realizada em 24 de março de 2020. 

“Eu pedi para a gerência de saúde mental a nota com os motivos para a interdição, que a prefeitura recebeu. São duas laudas de papel, uma com apresentação e outra justificando. Tudo em termos de normativas do CRM, do CFM, mas não cita portaria ministerial, nenhum órgão que realmente regule os serviços. Não tem reivindicações no documento de interdição e eles não levaram isso para ser debatido no Conselho Municipal de Saúde.”





A normativa que o CRM-MG usa para pedir a interdição ética é ilegal, de acordo com Laura. “Inclusive tem uma decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que já julgou isso. Eles já tentaram fazer isso em outro momento, e o tribunal já entendeu que não é competência de um conselho de classe. A competência é da Vigilância Sanitária.”

Atendimento adequado


Quanto à falta de profissionais, ela admite que esse problema realmente acontece, mas não é exclusividade dos Cersams

“Serviria para qualquer unidade do SUS (Sistema Único de Saúde). Todas as unidades do SUS, não só de Belo Horizonte, têm momentos de flutuação de profissionais. Há falta eventual de alguns insumos e profissionais. A rede tem uma dificuldade para contratar psiquiatra, mas isso não quer dizer que uma pessoa em crise, que chega ao Cersam, não tenha acesso a medicamentos.”

Laura explica que, mesmo quando as equipes trabalham em escala reduzida, à noite ou nos finais de semana, qualquer pessoa que chega ao Cersam recebe atendimento adequado, inclusive com medicação, se necessário. 





“Mesmo que não tenha um médico naquele momento, todos os profissionais do Cersam são qualificados para fazer o manejo da crise: tentar conversar, avaliar se precisa ou não de contenção. Com todo o cuidado. Não há um desamparo de uma equipe perdida, procurando um psiquiatra. É uma equipe muito bem estruturada, de uma rede que conversa entre si e que tem sustentação.”

Segundo ela, em casos graves, nos dias ou horários de equipe reduzida, o usuário pode ser transferido para o Serviço de Urgência Psiquiátrica (SUP) ou as equipes do SUP se deslocam até o local para dar suporte. 

Apreensão 


Políbio de Campos é psiquiatra do Cersam Noroeste e trabalha no centro há 26 anos. Ele conta que é uma alegria exercer suas funções na rede pública. 





“O processo de reforma que está em curso aos poucos está fechando os leitos manicomiais no país. E a criação dessa rede comunitária, diversa, com muitas fragilidades, mas que está em curso. Com muitas dificuldades nos últimos tempos.” 

Segundo ele, a criação dos Cersams mudou o horizonte da sua prática profissional. 

“Inclusive de se encontrar enquanto médico e profissional. Os Cersams representam um novo tipo de dispositivo de trabalho que é multiprofissional, multidisciplinar. Isso tem efeitos muito grandes no nosso trabalho, positivos. Associar e articular saberes, experiências diversas, de uma multiplicidade de profissionais. Trabalho em equipe, colaborativo, tem também um grande impacto na nossa vida profissional.”

Políbio explica que esse trabalho tem efeito também para os usuários, com um trabalho da saúde mental comunitária, multiprofissional e multidisciplinar. Ele comenta que vê a decisão do CRM, com muita apreensão. 





“Eu estou me sentindo um tanto ameaçado porque sou bi concursado, trabalho 40 horas na rede de Belo Horizonte”, diz.

“Precisamos mesmo de mais recursos. Nossa rede é muito robusta se comparada com o restante do Brasil, mas comparada com países da Europa ainda tem muito o que avançar. Isso implica fortalecer os recursos humanos, materiais que temos à disposição."

Ele conta que pensa em uma linha propositiva: “As entidades de classe e representativas tinham que estar conosco nesse processo de fortalecer a rede, de ampliar cada vez mais a qualidade e segurança do cuidado”.
 
*Estagiária sob supervisão da subeditora Kelen Cristina

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