Com a crise hídrica histórica enfrentada pelo Brasil, o Rio das Velhas pede socorro. Em comunicado divulgado ontem, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas (CBH Rio das Velhas) informou que o manancial entrou em estado de alerta na região de Honório Bicalho, distrito de Nova Lima , na Grande Belo Horizonte. A vazão das águas na localidade baixou a nível que pode resultar, em futuro próximo e se o cenário não for alterado, na restrição ao consumo.
Um rio entra em estado de alerta quando a vazão média das águas fica abaixo de 10 metros cúbicos por segundo em sete dias consecutivos. Na última medição, o Rio das Velhas mostrava vazão de 10,4m³/s no ponto que antecede a estação de tratamento de Bela Fama, da Companhia de Saneamento de Minas Gerais (Copasa). No entanto, no trecho após Bela Fama, a vazão residual apresenta média semanal de 3,33 m³/s. O índice anterior era de 3,61m³/s. A esse ritmo significa queda livre que coloca o manancial em risco, não estando descartado o racionamento se os números não subirem.
Atualmente, o Rio das Velhas atende a 51 municípios. Em Nova Lima, é feita a captação para a Grande BH. Além da estiagem, outros fatores sobrecarregaram o manancial, como a paralisação da captação de água do Rio Paraopeba, em função do trágico rompimento de barragem da mineradora Vale, em Brumadinho, na Região Metropolitana de BH, em 2019.
A captação que era feita pelo Paraopeba passou a pressionar o Velhas. “O regime hídrico baixo, além da captação (extra) e da questão climática acabam ocasionando essa situação de alerta que nos preocupa, porque estamos a um passo do estado de restrição hídrica”, diz a presidente do CBH Rio das Velhas, Poliana Valgas. Quando isso ocorre, em alguma porção da bacia, implica em redução de consumo, desde o abastecimento público até irrigação e o uso na indústria. Todas as atividades que dependem da água ficam obrigadas a reduzir a captação.
"A situação está tão preocupante que os números (de vazão) caíram muito na última semana. Vamos nos reunir em caráter de urgência na sexta-feira para discutir"
Poliana Valgas, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio das Velhas
A queda do nível de vazão do Rio das Velhas pode acarretar até risco à saúde pública. Poliana destaca que a água, nesse caso, passa por um processo de eutrofização (quando o rio vira um “mar verde”), por causa da grande quantidade de carga orgânica, como esgoto, que o manancial recebe em relação ao volume de água. Além do prejuízo à população, a vida aquática também fica em risco.
“É um rio que vira quase que um rio de esgoto, pois é muito esgoto para pouca água. É esse desequilíbrio que causa preocupação, pois é uma carga orgânica demais que o rio não consegue depurar, causando mortandade de peixes”, ressalta.
Para tentar amenizar o problema, o comitê tem alinhado medidas em parceria com a Copasa e Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig), além das mineradoras Vale e AngloGold, por meio do Grupo de Controle de Vazão do Alto Rio das Velhas (Convazão). Os parceiros da entidade ajudam para tentar abastecer o rio, atuando, por exemplo, na liberação de água de barragens. Reuniões semanais são realizadas para definir estratégias. “A situação está tão preocupante que os números (da vazão) caíram muito na última semana. Vamos nos reunir em caráter de urgência na sexta-feira para discutir”, resume Poliana.
Soluções Solução a curto prazo seria a chegada de chuva na região crítica do Rio das Velhas, mas, enquanto a ajuda dos céus não chega, a população precisa fazer o dever de casa, reduzindo o consumo de água em casa. Em paralelo a isso, de acordo com Poliana Valgas, as empresas de saneamento precisam trabalhar para identificar perdas hídricas. Contudo, para que o problema seja resolvido de forma mais eficaz, planejamento é a palavra-chave.
A presidente do CBH Rio das Velhas chama a atenção para o fato de que a produção de água está em xeque, fazendo com que a bacia perca a capacidade de se recuperar, sobretudo em períodos de estiagem. Prova disso é que nos últimos três anos a escassez hídrica foi declarada, mesmo com um volume considerável de chuva.
“O que pode ser feito a nível de produção de água é pensar onde as cidades estão avançando nos territórios. Tem muita área de produção de água. Nova Lima é uma região importante de produção de água. Tem muitas áreas de nascentes e de recargas que precisam ser preservadas. O que temos visto é o avanço imobiliário nessas áreas, atividades minerárias… isso tudo interfere nessa recarga deste sistema.”
Ou seja, para resolver o problema de forma eficaz, segundo Poliana, os municípios precisam pensar em políticas públicas. No entanto, o trabalho tem que ser feito de forma multidisciplinar, até chegar, por exemplo, na propriedade rural que abriga nascentes. “Só vamos conseguir avançar e sair desse ciclo vicioso se todos buscarem essa recuperação dos territórios de produção de água”, conclui.