Um incêndio às margens da rodovia MG-030 nesse fim de semana deixou um raio de cinco quilômetros de destruição e intensificou o alerta para o fogo neste período de estiagem. Na região do Vale do Sereno, em Nova Lima, na Grande BH - onde as chamas consumiram a vegetação -, mato seco, lixo inflamável e pontas de cigarro atiradas das janelas dos carros, segundo o Corpo de Bombeiros, são as maiores causas de queimadas, como ocorre em 99% dos casos, de origem humana.
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Queimadas: governo de Minas abre vagas temporárias para 256 brigadistasQueimadas são proibidas em Itajubá e multa pode chegar a quase R$ 8 milQueimadas aumentam em 16% captura de animais silvestres em BHO fogo vem aí: risco de incêndios em Minas é maior este ano. Saiba por quêCalor não dá trégua e BH pode registrar até 35 °C nesta quarta (15/9) Estudo mostra como degradação da natureza e estiagem têm afetado rios de MGMinas intensifica fiscalização dos dispensers de Gás Natural VeicularMuseu muda de edifício sob risco de incêndio e desabamentoOntem, a corporação atendeu a mais uma ocorrência de fogo em vegetação, às margens da BR-040, em Paracatu, na Região Noroeste de Minas Gerais. Ainda de acordo com os dados, agosto e setembro são os meses mais críticos para incêndios, e o aumento dos números de ocorrências de nesta época também sobrecarrega os Bombeiros, que têm efetivo de aproximadamente 6 mil militares em Minas Gerais.
O maior agente dessas ocorrências é o homem, seja direta ou indiretamente. "As ocorrências estão presentes em todo o estado. Mas podemos destacar uma grande concentração na Região Central e na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Isso porque essas ocorrências são comuns em pontos de transição entre as áreas urbana e rural", afirma o tenente do Corpo de Bombeiros Pedro Aihara, o que ajuda a explicar os riscos às margens de estradas.
Historicamente com a maior média de focos de calor em Minas Gerais, neste ano os meses de agosto e setembro caminham para ter número ainda maior de queimadas no estado. Para além da causa humana, a situação está associada à condição climática: um período chuvoso menos intenso, com índices de umidade relativa do ar mais baixa e aumento de temperaturas médias. "Temos uma combinação ambiental complicada. A previsão é atingir picos maiores do que em anos anteriores", afirma Aihara. Ele acrescenta que o relevo composto por serras, comum em Minas, forma corredores de vento e facilitam a propagação mais rápida dos focos.
Aprendizado com uma rotina de preocupação
Conviver com o risco das labaredas às margens de estradas é algo que ficou marcado na memória de integrantes de uma comunidade às margens do km 54 da MG-010, que há nove meses tiveram de apagar um incêndio de grandes proporções com baldes e vasilhas, já que bombeiros, empenhados em combater o fogo em trechos da Serra do Cipó, não chegaram a tempo. Os prejuízos materiais foram grandes, mas o resultado poderia ter sido bem mais grave, não fosse a ajuda de vizinhos e pessoas que passavam pelo local.Perto dali, no Km 74, há duas semanas, houve mais um incêndio e mais prejuízos materiais, que outra vez só não foram ainda piores graças à atuação da comunidade local, que apagou as chamas.
Hoje, os envolvidos na situação de meses atrás, flagrada pela equipe do Estado de Minas, se informaram melhor e tomaram medidas preventivas, como a abertura de aceiros, aquisição de maquinários para limpeza de capim seco, bem como estabelecimento de protocolos para comunicação de emergência.
Mas, para Vera Lucia Souza Estevo, dona da floricultura no local, as imagens da chama e a lembrança do prejuízo são difíceis de esquecer. “A gente gostaria de não lembrar, mas é o tipo de coisa que não se consegue apagar da mente. Foi horrível! Perdi cerca de R$ 10 mil reais em bens materiais, mas serviu de aprendizado”, afirmou. “Este ano, já fiz o meu aceiro e procurei me informar melhor com os próprios bombeiros. Mas só serviram para dar orientação mesmo, pois o fogo foi apagado por nós”, frisa.
O sentimento de desamparo é compartilhado pelo morador vizinho que, no último domingo, viu suas formas de piscina serem destruídas por incêndio idêntico. Godofredo Alves Diniz, laminador e morador do Km 64 da MG-010, conta que perdeu cerca de R$ 100 mil em materiais. “Acho que o fogo foi criminoso. Acionamos os bombeiros, que vieram dar apoio, mas não tinham água no caminhão e quem apagou tudo foram umas 25 pessoas que estavam na hora, com baldes e água da minha caixa d´água, que só estava cheia porque eu tinha comprado um caminhão-pipa dias antes”, explica, afirmando que ficou impossibilitado de trabalhar.
Essa é a realidade de muitos mineiros que vivem às margens de estradas na Grande BH. “Devido à extensão das queimadas, os danos à fauna e à flora locais são imensos, assim como impactos econômicos como a destruição de plantações, criações de gado e, muitas vezes, até mesmo do sistema hídrico”, afirma o tenente Pedro Aihara, dos Bombeiros. Ele faz um apelo para que as pessoas se conscientizem e denunciem pelo 190 ou pelo 181 casos de queimadas criminosas.
Brasil teve fogo em quase 20% de seu área desde 1985
Todo ano, uma área maior que a Inglaterra pega fogo no Brasil. Nos últimos 36 anos, 150,9 mil quilômetros quadrados, em média, foram consumidos pelas chamas. Se somada a área queimada desde 1985, o acumulado do período chega a praticamente um quinto do território nacional. Foram 1.672.142 km² de vegetação queimada, o equivalente a 19,6% do Brasil, segundo estudo inédito do Mapbiomas, projeto integrado de universidades, organizações ambientais e empresas de tecnologia.
Com recursos de inteligência artificial, foram sobrepostas imagens detalhadas de queimadas em todos os tipos de uso e cobertura da terra. Ao todo, foram 108 terabytes de imagens processadas, revelando áreas, anos e meses de maior e menor incidência do fogo. O resultado permite agora identificar a área queimada em cada mês, durante todo o período avaliado, além do tipo de uso e de cobertura do solo queimado.
O levantamento revela que quase dois terços (65%) do fogo ocorreram em áreas de vegetação nativa, sendo que os biomas cerrado e amazônia concentram 85% de toda a área queimada pelo menos uma vez no país. No caso do cerrado, a área queimada por ano, desde 1985, equivale a 45 vezes o município de São Paulo.
Outro dado preocupante aponta que cerca de 61% das áreas afetadas pelo fogo entre 1985 e 2020 foram queimadas duas vezes ou mais, ou seja, não são eventos isolados. No caso da amazônia, 69% do bioma queimou mais de uma vez no período, e 48% mais de três.
PANTANAL A análise revela que o pantanal foi o bioma que mais queimou proporcionalmente nos últimos 36 anos: 57% do território foi incendiado pelo menos uma vez, uma área de 86.403 km². No cerrado, a área atingida chegou a 36% (733.851 km²), enquanto na Amazônia o fogo foi identificado em 16,4% (690.028 km²).
“A informação de que 20% da área do Brasil já foi queimada não é pouca coisa. A amazônia, por exemplo, que é metade deste País, teoricamente não deveria queimar. É uma floresta úmida, o fogo não faz parte de seu regime natural, mas temos visto isso, puxado por fatores como o avanço de áreas pastagem”, diz Ane Alencar, coordenadora do Mapbiomas Fogo. “Esse cenário mostra que o fogo tem de ser trabalhado com ações de combate como política pública. É um cenário muito preocupante, que tem se agravado nestes últimos anos.”
Vera Arruda, pesquisadora da equipe do MapBiomas Fogo responsável pelo mapeamento do cerrado, afirma que a região tem uma vegetação nativa em que o fogo faz parte de seu regime, mas não na dimensão que tem ocorrido. “A extensão e frequência da área queimada no cerrado nas últimas quase quatro décadas revela que algo está errado com o regime de fogo no bioma”, comenta.
Os estados com maior ocorrência de fogo no período analisado foram Mato Grosso, Pará e Tocantins. Embora os grandes picos de área queimada no Brasil tenham ocorrido principalmente em anos afetados por eventos de seca extrema (1987, 1988, 1993, 1998, 1999, 2007, 2010 e 2017), altas taxas de desmatamento – principalmente aquelas ocorridas na amazônia depois de 2019 – tiveram alto impacto no aumento da área queimada. A estação seca, entre julho e outubro, concentra 83% da ocorrência de queimadas e incêndios florestais.