Entrar em uma loja para comprar qualquer coisa pode até ser uma tarefa simples para alguns. Mas para Andriele Rocha Barbosa, 26, não. Em cadeira de rodas desde os 12 anos após um erro médico, a técnica em administração viu a vida mudar completamente. E tudo que parecia extremamente comum, banal, deixou de ser.
Moradora do bairro do Retiro, em Contagem, Região Metropolitana de Belo Horizonte, ela perdeu as contas de quantas vezes passou por situações desagradáveis no comércio da cidade por não conseguir se locomover direito com a cadeira.
"Em uma loja de utilidades domésticas, uma vez, meu pai teve que me ajudar a entrar porque havia um degrau muito grande. Mas, mesmo depois de ter entrado, não consegui pegar nenhum produto porque a distância entre as prateleiras era muito pequena. Tanto que tive que sair de costas porque nem virar a cadeira eu conseguia", lembra.
Enquanto ela tirava carta de motorista, algo ainda mais grave aconteceu. Depois de descer do ônibus, ela se viu diante de um buraco. Sozinha, esperou por longos 11 minutos até que alguém aparecesse para ajudá-la.
Esses são apenas alguns exemplos que a Andriele e centenas de outras pessoas com deficiência (PCDs) enfrentam, não só em Contagem, mas em todas as cidades. A falta de acessibilidade leva a palavra "inclusão" não ter sentido algum.
Prejuízo também no bolso
E, não parece, mas esses problemas acabam prejudicando um conceito que pouca gente conhece, mas que faz um enorme sentido para comerciantes e empreendedores: a relação de mercado.
A expressão significa nada mais do que a relação entre um cliente e um vendedor, seja quem for. E, com o passar dos anos, incluir pessoas com deficiência nessas relações passou a ser fundamental.
O levantamento mais recente feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísica (IBGE), em 2010, aponta que 45,6 milhões de brasileiros tinham algum tipo de deficiência.
Rodrigo Credidio, especialista em comunicação inclusiva, sócio da GoodBros, lembra que, com os dados disponíveis, este universo soma algo em torno de R$ 245 bilhões. Um potencial enorme.
"Boa parte das empresas não parou para pensar que toda pessoa com deficiência é um cliente em potencial, com poder aquisitivo para comprar produtos e serviços. Afinal de contas, somos pessoas que precisam se alimentar, se vestir, viajar, trabalhar, estudar. Esses R$ 245 bilhões valem mais do que os Produtos Internos Brutos (PIBs) de muitos países", disse.
Ainda que a internet tenha facilitado a vida de todos, muitos são como a Andriele, que preferem ver pessoalmente um produto - mesmo que nem sempre isso seja possível.
"A acessibilidade, ou seja, a habilidade de se eliminar barreiras, sejam elas físicas, nas relações pessoais ou na comunicação, é a principal aliada da pessoa com deficiência. Com o uso da acessibilidade, podemos desde adaptar sites de internet para que sejam navegados pelo maior número possível de pessoas até treinar e preparar equipe de vendas para atenderem com excelência e empatia a clientes com alguma deficiência", acrescenta Credidio.
"A acessibilidade transforma a relação em ganha-ganha e todo mundo sai feliz"
Rodrigo Credidio, especialista em comunicação inclusiva
Vontade existe...
Em Contagem, para tentar entender melhor essas questões, a secretaria de Direitos Humanos publicou uma pesquisa para que pessoas com deficiência respondam quais as principais dificuldades encontradas na rotina de consumo.
"Pessoas com deficiência são, antes de tudo, pessoas. Possuem potencialidades e capacidades, sentem, pensam, vivem e consomem, elaborando de maneira particular cada experiência", inicia a superintendente da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida, Carla Regina Lopes Silva.
"(Elas) Têm o direito de frequentar e usufruir de todos os espaços de socialização que compõem a nossa sociedade: shoppings, cinema, parques, bares, restaurantes e os comércios de forma geral, são contribuintes e consumidores, que buscam pela garantia de seus direitos”, complementa.
As perguntas do questionário, segundo a prefeitura, servem para avaliar as dificuldades que as pessoas com deficiência tiveram para exercer o papel de consumidor e acessar serviços, tanto no mercado virtual quanto físico.
... mas ainda falta ação
A própria cidade deu alguns passos para trás nos últimos anos. Em 2018, um projeto de lei que obrigaria acessibilidade nos prédios públicos foi vetada pela prefeitura e arquivada pela Câmara com a justificativa de que "a legislação que trata sobre a inclusão de deficientes cabe à União e Estados".
A última notícia de que Contagem criou rampas de acesso à cadeirantes foi publicada em 2017, quando dispositivos foram implementados no bairro Cinco.
Desde então, apenas nas obras do Corredor Norte-Sul há previsões para itens de acessibilidade (como todas as obras novas têm que ter, conforme a legislação nacional).
Isso porque falamos apenas dos espaços públicos. No transporte coletivo, todos os ônibus novos produzidos desde 2015 devem sair de fábrica com elevador para cadeirantes e pessoas com dificuldade de locomoção ou piso baixo. Em Contagem, a frota é composta, predominantemente, por ônibus com elevador.
Andriele resume um sentimento: falta conscientização para todos os setores da cidade.
"Acho que falta para um empreendedor, quando for criar a loja, não pensar somente nos produtos, mas pesquisar a fundo sobre acessibilidade para cadeirantes, cegos, amputados. Empatia. Fala-se tanto nisso agora na pandemia, porque não pensar na gente?", questiona.