Uma pesquisa feita em Belo Horizonte revela o padrão da violência sexual contra crianças e adolescentes menores de 14 anos. Na maioria dos casos (80%), as vítimas são mulheres, negras e os autores são homens conhecidos, que frequentemente têm acesso ao ambiente doméstico das vítimas.
O levantamento foi feito com base na análise de 308 casos registrados oficialmente, em 2015, na base de dados de segurança da polícia, o Registro de Eventos de Defesa Social. E desenvolvido pela então chefe da Divisão de Orientação e Proteção à Criança e ao Adolescente da Polícia Civil de Minas Gerais, delegada Elenice Cristine Batista Ferreira, em sua dissertação de mestrado pela PUC Minas.
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Já na faixa etária de 9 a 11 anos as meninas contabilizam 22% dos casos em comparação aos 19% de meninos. Por fim, acima dos 15 anos, no grupo formado por pessoas com alguma incapacidade de reação, as vítimas do gênero feminino somam 7,3% dos casos e o masculino 7,9%.
Apenas na faixa etária de 6 a 8 anos o número de vítimas do gênero masculino supera o número de vítimas do gênero feminino, representando 39,7% dos casos contra 17,8% do gênero feminino.
O contrário é observado entre as vítimas de 12 a 14 anos, faixa-etária que as meninas são 31,7% das vítimas, mais que o dobro dos registros do gênero masculino na mesma idade, que são 12,7%.
Segundo a delegada, essa diferença demonstra que existe uma subnotificação de casos entre os meninos de 12 a 14 anos, já que em todas as faixas etárias anteriores os números eram parecidos. "Essa diferença de faixa etária considerando os 12 a 14 anos, demonstra que existe uma maior subnotificação dos casos dos meninos, por questões culturais ligadas à masculinidade, eles têm maior dificuldade para relatar eventuais abusos sofridos à medida que atingem a adolescência", explica a delegada Elenice Cristine .
Casos de estupro por região de BH
A análise também foi feita com separação geográfica da cidade, porém as notificações não tiveram um destaque de incidência em um local específico. Segundo a delegada, a separação foi feita com base na Área Integrada de Segurança Pública (AISP), que divide a cidade em seis grupos. Veja as regiões e a quantidade de casos.
- Venda Nova- 26,3%
- Região Leste- 21,1%
- Região Noroeste- 17,2%
- Barreiro- 16,6%
- Região Sul- 15,9%
- Centro- 2,6%
A maior discrepância da análise geográfica dos casos é a quantidade que foi registrada no Centro de Belo Horizonte. "Percebemos que essa circunstância do Centro ter número menor de registros pode estar relacionada à grande concentração de população flutuante (que passam no local) e número menor de residências", disse Elenice.
"Porque a maioria dos estupros de vulneráveis acontece dentro das casas. A pesquisa deixa claro que o estuprador não é aquele que passa num carro preto e pega a criança. O estupro acontece dentro da residência e com pessoas conhecidas", afirmou.
Perfil dos autores de estupro
Em 91,2% dos casos registrados a vítima conhece o autor. Esta característica tem referência com o tipo de relacionamento encontrado entre ambos, indicando que pessoas conhecidas predominam neste tipo de crime e que a autoria desconhecida/ignorada é pequena, representando apenas 8,8% dos casos.
Mais de 65% dos autores têm idade acima dos 18 anos; 17,7% são menores de 18 anos e em 16,5% dos casos, não foram encontradas informações referentes à idade dos suspeitos.
Entre os autores acima de 18 anos, a maioria tem entre 31 a 40 anos, sendo 18% dos autores identificados. Em seguida, os de 21 a 30 anos e 41 a 50 anos, contabilizando 14,1 %, cada uma. A faixa etária de 51 a 60 anos registrou 7,6% do total e na faixa etária acima de 61 anos, corresponde a 4,3%.
Nos casos que as vítimas tinham algum tipo de relação com os autores, 26% eram pai/mãe/padrasto, sendo que apenas três registros as mães eram suspeitas, nos outros 82 casos os suspeitos eram pais ou padrastos. Em seguida a categoria tio/cunhado (8%), irmão/primo (7,3%), avó/avô (4,3%) e por último, namorados (3,7%).
Ações para diminuir os casos
Segundo a autora do estudo, a expectativa é de "que as análises apresentadas na pesquisa possam servir como contribuição para o desenvolvimento de políticas públicas no Sistema de Justiça Criminal em Minas Gerais".
Atualmente, Elenice integra a equipe de Assessoria de Planejamento Institucional da Polícia Civil de Minas Gerais e com base na pesquisa e nos acompanhamentos diários da corporação, uma política interna foi criada para oferecer atendimento mais acolhedor às crianças e adolescentes vítimas de estupro.
"Com base nessa pesquisa e nos acompanhamentos sistemáticos, a polícia tenta qualificar o trabalho com crianças e adolescentes. Neste momento, está investindo em um melhor atendimento, por exemplo, com a sala de depoimento especializada, para que as vítimas se sintam mais à vontade em buscar a polícia e contar a situação".
"Atualmente já temos 13 unidades em fase de implantação, em BH já foi efetivamente implantada e fica na Delegacia Especializada de Proteção a Criança e ao Adolescente, no Bairro Prado. A intenção é inaugurar salas do tipo em todo estado", explica Elenice.
As salas de depoimento especializadas são construídas em um ambiente adaptado para receber crianças e adolescentes. São utilizados brinquedos, recursos pedagógicos adequados, mesinhas e cadeiras menores, além das vítimas serem abordadas por profissionais capacitados à escuta. Toda a entrevista tem gravação de áudio e vídeo.
Procurando ajuda
Em todos os casos de abuso é extremamente importante que a denúncia seja realizada de maneira oficial, mesmo que de forma anônima. "Como normalmente estamos lidando com crianças e adolescentes que, na maioria das vezes, são vitimadas por pessoas do seu convívio familiar, pedimos que seus representantes legais fiquem atentos aos sinais que elas apresentam, procurem os órgãos responsáveis e não deixem de fazer o registro", disse a delegada.
"Como acontece num ambiente familiar, as pessoas temem denunciar, mas é importante fazer a denúncia formal. Pois é com base nos registros dos órgãos responsáveis por esse tipo de atuação que as políticas públicas podem ser movimentadas com o que for necessário para melhorar a situação".
"É muito importante estimular as denúncias. Ainda que sejam anônimas, precisam ser feitas. Mesmo que não pelos representantes legais, considerando que os autores são conhecidos, alguém que conviva com a criança pode fazê-la", afirma Elenice.
Em Belo Horizonte, as vítimas podem procurar a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DEPCA), que fica na Avenida Nossa Senhora de Fátima, 2175 - Carlos Prates. Ou ligar para a delegacia no telefone 3228-9000.
Para denúncias anônimas, em todo estado, as ligações podem ser feitas para os números 100 ou 181.
Também podem ser registradas ocorrências nos números 197 (Polícia Civil), 190 (Polícia Militar).
*Estagiária sob supervisão
O que diz a lei sobre estupro no Brasil?
De acordo com o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 213, na redação dada pela Lei 2.015, de 2009, estupro é ''constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.''
No artigo 215 consta a violação sexual mediante fraude. Isso significa ''ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima''
O que é assédio sexual?
O artigo 216-A do Código Penal Brasileiro diz o que é o assédio sexual: ''Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.''
O que é estupro contra vulnerável?
O crime de estupro contra vulnerável está previsto no artigo 217-A. O texto veda a prática de conjunção carnal ou outro ato libidinoso com menor de 14 anos, sob pena de reclusão de 8 a 15 anos.
No parágrafo 1º do mesmo artigo, a condição de vulnerável é entendida para as pessoas que não tem o necessário discernimento para a prática do ato, devido a enfermidade ou deficiência mental, ou que por algum motivo não possam se defender.
Penas pelos crimes contra a liberdade sexual
A pena para quem comete o crime de estupro pode variar de seis a 10 anos de prisão. No entanto, se a agressão resultar em lesão corporal de natureza grave ou se a vítima tiver entre 14 e 17 anos, a pena vai de oito a 12 anos de reclusão. E, se o crime resultar em morte, a condenação salta para 12 a 30 anos de prisão.
A pena por violação sexual mediante fraude é de reclusão de dois a seis anos. Se o crime é cometido com o fim de obter vantagem econômica, aplica-se também multa.
No caso do crime de assédio sexual, a pena prevista na legislação brasileira é de detenção de um a dois anos.
O que é a cultura do estupro?
Como denunciar violência contra mulheres?
- Ligue 180 para ajudar vítimas de abusos.
- Em casos de emergência, ligue 190.