Cada bombear de medicamentos contra a bronquite na boca e no nariz do filho de 8 anos é uma tentativa de desentupir as vias aéreas do garoto para que ele consiga respirar. Em meio a esse esforço, da janela da sua casa, imersa em poluição em Vespasiano, na Grande BH, a dona de casa Lena Cassimiro, de 43, pode observar o despejo diário de resíduos industriais na atmosfera, por meio de colunas cinzentas de fumaça lançadas por chaminés de fábricas.
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“É como se a gente visse as pessoas sendo mortas aos poucos e o veneno causador disso ir sendo solto na sua cara, como se a sua vida não fosse nada. Tem dia que o pó chega tão forte que preciso levar meu filho, Luiz Miguel, e meu marido, que tem asma, para uma unidade de pronto-atendimento (UPA). O menino já ficou oito dias internado em BH”, conta Lena.
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De 2019 a 2021, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad) contabiliza seis autuações administrativas sobre qualidade do ar em Minas Gerais, 33 sobre poluição atmosférica e sete sobre poluição do ar, totalizando 46, ou média de 1,4 por mês.
A região onde a dona de casa Lena Cassimiro vive com a família, entre Matozinhos, Pedro Leopoldo, Prudente de Morais, São José da Lapa, Sete Lagoas e Vespasiano, é cercada por cimenteiras e indústrias de atividades ligadas a produtos minerais que geram resíduos muitas vezes escoados para o ar, o solo e os recursos hídricos.
Segundo levantamento da Fundação Estadual do Meio Ambiente (Feam), Vespasiano é o município com os maiores índices de lançamentos de gases causadores de efeito estufa, os principais causadores do aquecimento global, por represar o calor irradiado pelo Sol, sendo que Sete Lagoas ocupa a quinta posição nesse ranqueamento poluidor. (Veja quadro.)
“A gente vive aqui é na base da bacia de água, do inalador, do nebulizador, do umidificador, para nossa saúde. Isso, sem contar que o pó que o vento carrega para cá suja a casa inteira, cobre os nossos móveis e se espalha pelas roupas. São muitas cimenteiras trabalhando e soprando pó para o alto. A gente se sufoca aos poucos. Com certeza, um dia isso vai ficar insuportável para a natureza”, afirma a dona de casa.
Entre Sete Lagoas e Vespasiano, destaques nas emissões de gases de efeito estufa, encontra-se um dos 33 locais identificados pela Feam como os mais vulneráveis a mudanças climáticas de Minas Gerais: Prudente de Morais. A cidade de 10.834 habitantes tinha, em 2010, 4 mil hectares (ha) de cobertura arbórea, estendendo-se por 32% de sua área terrestre. Só entre 2018 e 2020, foram perdidos 16ha, o equivalente a 15 campos de futebol.
A fragilidade detectada pela Feam não é apenas por estar próxima a áreas poluidoras e ter pequena cobertura vegetal. Há grande dependência da Previdência Social (próxima dos 50%), o saneamento também não atinge a metade da população, o abastecimento de água está no limite, há grande densidade de pessoas em pequenas áreas e um sistema de Defesa Civil considerado aquém do necessário.
‘Como vamos viver sem água?’
Os efeitos da degradação ambiental já castigam as pessoas por lá, principalmente nas áreas rurais, entre os pequenos produtores, lavradores e trabalhadores do campo. Morador do distrito de Campo do Santana, o vaqueiro Antônio José da Silva, de 59, e sua mulher, Janete Mendes Rocha, de 56, convivem com uma escassez de água cada vez mais prolongada. Neste ano, o lago atrás da casa onde moram secou dois meses antes do previsto.
“A gente está tendo de dar de beber para as cerca de 250 cabeças de gado com a água que tiramos do poço. Mas isso não vai resolver para sempre. Cada vez, temos de perfurar o poço mais fundo e enfiar tubos na terra para buscar água mais embaixo”, alerta o vaqueiro, referindo-se aos sintomas que atribui à degradação ambiental contínua. “O dia em que a água aqui acabar, o fazendeiro vai embora. Como vamos viver sem ter água para tirar para a criação?”, indaga Janete.
Poluição prejudica recursos cada vez menos abundantes
A poluição direta causa degradação e estragos no momento, acumulando-se com problemas que vão agravar o futuro em Prudente de Morais. O fazendeiro José Augusto Soares, de 54 anos, denuncia que, além de a região estar atravessando a pior seca dos últimos anos, o lançamento de resíduos tem acabado com os peixes do Lago do Sapé, que já está ressecado.
“Os lagos são interligados e com isso os peixes nadam de um para o outro, lançam seus ovos. Aqui, neste lago, lançaram um resíduo escuro, não sei se é carvão mineral ou coque de minério, e desta vez os peixes sumiram. Nem sapo tem mais. Isso é um crime ambiental que precisa ser apurado”, alerta.
Ano após ano, a aposentada Maria do Carmo Ribeiro, de 65, acompanha a agonia do Córrego da Forquilha, cada vez mais raso. O manancial que antes irrigava hortas e plantações de sua família, agora mal tem corpo para ser coletado para o uso doméstico.
A água precisa ser armazenada em uma cacimba e em barris de plástico na época das chuvas, para que seja possível atravessar a estiagem. “Já estivemos em situações de racionamento, contando com os vizinhos para salvar água para a gente. O que estão fazendo com o ambiente é que está trazendo essa míngua”, lamenta.
A falta de áreas verdes e a poluição se somam em várias áreas mineiras onde as previsões são mais críticas, segundo a avaliação do doutor em geografia pela Universidade de Heidelberg (Alemanha) Klemens Augustinus Laschefski, professor do Instituto de Geociências da UFMG.
“A seca será muito pior nas regiões Norte e Nordeste de Minas Gerais, enquanto as enchentes já estão ocorrendo em locais onde não eram frequentes, e isso tende a se agravar. Teremos chuvas mais concentradas e longos períodos de seca”, observa.
Impactos e formas de adaptação
A questão da ampliação de temperaturas devido ao aquecimento global já vinha sendo tratada em Minas, ainda que os índices mais recentes do IPCC não tivessem sido divulgados, segundo a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad).
“O estudo ‘Estratégia de adaptação regional de Minas Gerais’, realizado pela Feam, em 2014, já citava que as projeções preveem um clima mais quente para todo o território, com altas maiores nas regiões do Jequitinhonha, Norte de Minas, Noroeste de Minas, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba”, informa a secretaria.
A Semad considera que a preocupação é de que os impactos aumentem a vulnerabilidade territorial, especialmente nos municípios com mais deficiências em infraestrutura e desenvolvimento, aumentando as desigualdades regionais.
A projeção da pasta é de impactos menores a curto e médio prazos (20 a 40 anos), nos meses mais frios do ano, com a ampliação das médias. Oeste de Minas, Campo das Vertentes, Zona da Mata Mineira e Sul de Minas podem sofrer menos. “As demais regiões tendem a sentir os impactos de forma mais intensa.” O volume de chuvas tende a ser reduzido na Grande BH e nos vales do Rio Doce, Mucuri e Jequitinhonha.
Quanto ao enfrentamento da questão, a Semad credita a resposta “à ciência”, com trabalhos para diagnósticos regionais, como o Zoneamento Ambiental Produtivo (ZAP) e de emissão de gases de efeito estufa. A gestão no plano Agricultura de Baixo Carbono tem sido considerada “de vanguarda”, e contribui, segundo a secretaria, para a mitigação e sequestro dos gases por meio de práticas de agricultura sustentável e recuperação de áreas degradadas.
“Minas demonstrou comprometimento com as metas de descarbonização da economia e mitigação das mudanças climáticas, sendo o primeiro governo subnacional da América Latina e do Caribe a aderir ao Race to Zero, programa internacional que busca a recuperação ecológica produtiva no setor rural, perseguindo financiamento para cumprir as metas assumidas até 2030 e 2050 de emissões zero”, informa a secretaria em nota.
Ações que a Semad julga terem sido importantes no enfrentamento ao aquecimento global em Minas
- Assinatura de Memorando de Entendimento entre o governo de Minas Gerais e o Reino Unido, em dezembro de 2020, relacionado às mudanças climáticas e estratégias do processo de descarbonização rumo à 26ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP26). O estado foi o primeiro no Brasil a assinar um acordo com o Reino Unido sobre uma agenda de desenvolvimento verde.
- Assinatura de carta compromisso com a Aliança pela Ação Climática (ACA Brasil), coordenada pelo ICLEI América do Sul, o Instituto Clima e Sociedade, o CDP LatinAmerica e o Centro Brasil no Clima. O compromisso busca adotar medidas sistematizadas para aumentar o apoio público no enfrentamento à crise climática, contribuindo para que os países cumpram com os compromissos firmados no Acordo de Paris e colaborarem para que as metas a se alcançar sejam ainda mais ambiciosas.
- Também em 2020, Minas Gerais passou a compor a Coalizão “Governadores pelo Clima”, união de 24 governadores brasileiros que se associaram para enfrentar as emergências climáticas com ações destinadas a regeneração ambiental, redução das emissões de carbono e desenvolvimento de cadeias econômicas capazes de oferecer alternativas às populações mais vulneráveis.
- Anualmente, Minas Gerais, juntamente com milhares de organizações, cidades, estados e regiões, reporta suas emissões de gases de efeito estufa, gerenciamento de água e florestas, e estratégias climáticas por meio da plataforma CDP. A divulgação de dados ambientais por meio do CDP tem um grande número de vantagens, desde uma melhoria de engajamento, até a centralização de dados e o acompanhamento do progresso. O CDP fornece aos Estados todos os dados disponíveis publicamente, avalia sua resposta, compara seu desempenho com seus pares e encontra áreas de oportunidade para o nosso contexto, com foco no enfrentamento da crise climática e no desenvolvimento sustentável.
- O Estado publicará decreto criando o Fórum Mineiro de Energia e Mudanças Climáticas (FEMC), instância de discussão de alto nível sobre mudança do clima e transição energética, subsidiando a formulação e implementação de políticas públicas relativas à mitigação das emissões de gases de efeito estufa e adaptação, assim como a promoção da energia renovável e da eficiência energética, visando à transição para uma economia neutra em carbono.
- Lançamento da plataforma Clima Gerais, em 2015, para apoiar os municípios mineiros no desenvolvimento de baixo carbono e na adaptação territorial, frente aos efeitos das mudanças climáticas. A plataforma, específica para agentes municipais, possui módulos que visam apresentar os principais conceitos relativos à mudança do clima, boas práticas de municípios brasileiros e internacionais, bem como possíveis fontes de financiamento.
- Em parceria com a Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD), a Feam também lançou, em 2020, a ferramenta Clima na Prática, que é uma metodologia de apoio à elaboração e implementação de políticas públicas municipais de combate às mudanças climáticas. A ferramenta oferece aos gestores municipais diretrizes para a elaboração de um Plano de Energia e Mudanças Climáticas Municipal e/ou outras ações ou políticas voltadas para a mitigação e adaptação às mudanças climáticas. Representa, ainda, uma forma de auxiliar o município a inserir em suas políticas e programas, a agenda climática.
- Em 2019, a Feam adequou o potencial poluidor/degradador do solo relativo aos empreendimentos de energia solar fotovoltaica, com alteração do índice de G (grande) para M (médio), já que na época, empreendimentos dessa fonte renovável eram considerados como de alto potencial poluidor do solo, mesma classificação utilizada para geração de energia hidrelétrica e energia termelétrica movida a combustível fóssil. A mudança teve como objetivo fomentar a instalação de empreendimentos fotovoltaicos em território mineiro e, deste modo, garantir a implementação de uma política de transição energética a nível estadual, a fim de cumprir acordos climáticos internacionais, bem como garantir um fornecimento seguro e diverso de energia à sociedade mineira.