Os temporais que levaram lama do Córrego do Leitão para o Bairro Lourdes, em Belo Horizonte, destruíram o asfalto da Avenida Tereza Cristina e alagaram várias cidades mineiras chegando a matar 56 pessoas no período chuvoso de 2020 no estado já são efeitos do aquecimento global e das mudanças climáticas trazidas por esse fenômeno decorrente de ações humanas. É o que diz um estudo publicado no último dia 14 na revista científica Climate Resilience and Sustainability por cientistas ligados ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O mês de janeiro daquele ano registrou volume de chuva (932,3 milímetros) quase igual ao esperado na capital mineira em todo o ano de 2019 (986,6 milímetros). Desde domingo, a reportagem do Estado de Minas mostra efeitos do aquecimento do global no estado. Entre elas, como prevê o Relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas, a grande elevação das temperaturas das 33 cidades mais vulneráveis do estado, fazendo com que seu clima se assemelhe ao do Nordeste do país, com BH atingindo média climática semelhante à de Salvador. As fortes secas se revezam com chuvas rápidas, mas volumosas.
De acordo com os pesquisadores, só entre 20 e 23 de janeiro de 2020 choveu 320,9 milímetros em BH, o correspondente a 97% do esperado para todo o mês (329,1mm).
O levantamento mostra que uma combinação de fenômenos climáticos levou a um volume excessivo de chuvas no período e com isso promoveu as tempestades catastróficas.
"Os eventos foram causados pela intensificação da força da Zona de Convergência do Atlântico Sul (SACZ) e a ação do ciclone subtropical Kurumi (KSC) sobre o oceano. Os dois processos contribuíram para a elevação da umidade sobre a região. Dados os efeitos extremos desses fenômenos meteorológicos, os impactos humanos sobre a mudança climática não podem ser negligenciados, uma vez que estão associados a uma ampliação da frequência e da severidade dos eventos", aponta o estudo.
Para determinar como a ação humana foi decisiva nas tragédias que afetaram 194 municípios mineiros em 2020, os cientistas utilizaram dois modelos. Um considerava a ocorrência dos dois fenômenos (Zona de Convergência do Atlântico Sul e o ciclone subtropical Kurumi) simultaneamente, apenas impulsionados por fatores naturais, como variações solares e atividades vulcânicas, por exemplo. Tais indicadores se mostraram pouco influentes. Já o segundo modelo, que inclui impactos humanos como poluição e devastação ambiental, provaram ser mais capazes de influenciar nesse somatório de fenômenos arrasadores.
Prejuízos
O estudo condensou os prejuízos financeiros e humanitários das tempestades que afetaram um total de 94.788 pessoas, incluindo desalojados, desabrigados, doentes e feridos.
O prejuízo estimado em danos materiais foi de US$ 163 milhões (R$ 863 milhões), sendo R$ 48 milhões em prejuízos econômicos do estado e o restante em perdas privadas.
O centro da devastação foi a Grande BH, Vale do Rio Doce e Zona da Mata, onde se concentraram 91% das perdas de estado, 93% do prejuízo privado, 92% dos danos materiais, 91% das pessoas desalojadas, 95% dos desabrigados e 99% dos doentes ou feridos do evento catastrófico.
A ocupação rápida e desordenada das Regiões Metropolitanas é apontada como um das razões para que fenômenos dessa magnitude multipliquem seus efeitos devastadores.
"A Grande BH teve um aumento de 30% de sua população em 20 anos, um fenômeno que tem sido comum nas áreas metropolitanas da América do Sul. No Brasil, 84% das pessoas vivem em áreas urbanas, que crescem rapidamente e sem planejamento. A falta de infraestrutura e melhorias de serviços públicos são condições que ampliam os danos dos eventos climáticos, tais como estruturas residenciais impróprias, escoamento sanitário inadequado, transporte ineficiente, entre outros", determina o levantamento.
Os prejuízos maiores ocorreram na Grande BH e na Zona da Mata, onde 56 pessoas morreram, 3.328 se feriram ou adoeceram, 12.335 pessoas perderam as suas casas e 79.125 precisaram abandonar as suas moradias em busca de abrigos.
"O aumento repentino do número de pessoas doentes e feridas como resultado do desastre muitas vezes estressa o sistema de saúde pública local – o que aumenta a chance de mortalidade geral devido à falta de tratamento disponível para todos, e também impacta na economia pública trazendo perdas na assistência à saúde – principalmente pela necessidade urgente de contratação de profissionais. Isso destaca a importância de abordar os desastres de um ponto de vista sistêmico, avaliando as perdas econômicas públicas ou privadas e os danos humanos ou materiais", destaca o texto.
“A colaboração intensa com pesquisadores de áreas interdisciplinares permitiu que fosse realizado um trabalho de alto nível em poucos meses com resultados consistentes”, destaca Ricardo Dal’Agnol, pesquisador na Divisão de Observação da Terra e Geoinformática do Inpe e primeiro autor do artigo.
O projeto é uma colaboração entre instituições do Reino Unido e do Brasil, entre as quais estão incluídas o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) e a Universidade de São Paulo (USP).
Promovido on-line entre novembro e dezembro de 2020, em parceria com a cientista Liana Anderson, do Cemaden, um workshop tratou do método chamado “atribuição de eventos”, que usa a ciência para avaliar as ocorrências climáticas e atribuir causas a elas.