Mesmo com medidas para evitar racionamento no país, a Represa de Furnas atingiu o menor volume útil para um mês de agosto dos últimos 20 anos, 18,02%. O reservatório é responsável por abastecer a hidrelétrica de mesmo nome, que fica em São José da Barra, no Sul de Minas, e integra o subsistema Sudeste/Centro-Oeste, responsável por 70% de toda a energia do país.
O volume baixo já era esperado pela Operador Nacional do Sistema (ONS), que prevê um cenário ainda pior para os próximos meses. O sistema, hoje com volume útil de 22,53%, deve chegar a 10,3% em novembro, ou até menos.
O baixo volume é reflexo do menor nível de chuvas dos últimos 91 anos. Em agosto do ano passado, a Represa de Furnas estava com volume de 49,27%, segundo dados do ONS.
Nos últimos 12 meses, o nível caiu 269%. O volume registrado este mês só não é menor que o computado em 2001 para o período. Naquela época, ele era de 13,72% e o Brasil enfrentava racionamento de energia.
“Recursos insuficientes”
Embora a situação já fosse classificada como “preocupante”, o operador, até então, dizia assegurar o fornecimento de energia durante todo este ano sem racionamento ou risco de apagões.
Entretanto, a baixa afluência, principalmente da Região Sul, fez com que a Nota Técnica da ONS fosse revisada nesta quarta-feira (25/8), a pedido do Ministério de Minas e Energia.
Ela prevê risco de faltar recursos e recomenda novas ações para manter o atendimento aos consumidores. Dois cenários foram traçados.
No primeiro, os principais reservatórios da Bacia do Rio Paraná chegam ao final do período seco, ou seja, outubro, com níveis baixos de armazenamento.
Ainda considerando esta situação mais adversa, mesmo com a utilização completa dos recursos hidráulicos da região Sudeste/Centro-Oeste, eles são insuficientes para atendimento ao mercado de energia e demandarão novas medidas no curto prazo.
Para a segunda hipótese, o atendimento energético é viabilizado a partir da incorporação de recursos adicionais, resultando em ganhos de armazenamento e eliminando possíveis déficits.
“Desta forma, para assegurar o atendimento energético é imprescindível o aumento da oferta em cerca de 5,5 GWmed, a partir do mês que vem até novembro”, informa a Nota Técnica.
A quantidade adicional corresponde a cerca de 7,5% da carga total atual diária do sistema elétrico.
Recomendações do ONS
Para o atendimento energético assegurar o aumento da oferta em cerca de 5,5 GWmed a partir de setembro/2021, são imprescindíveis as seguintes ações:
- Postergar as manutenções programadas;
- Viabilizar a importação de energia da Argentina e do Uruguai;
- Garantir a disponibilidade das UTEs Merchant;
- Equacionar as questões judiciais relacionadas às disponibilidades da oferta das UTEs como Goiania II, Campina Grande, Maracanaú, Palmeira de Goiás e Pernambuco III;
- Viabilizar o 3º navio regaseificador em Pecém, estado do Ceará, referente às disponibilidades de usinas termelétricas;
- Recompor a capacidade de geração impactada pela manutenção da Rota 1 no mês de setembro; e
- Viabilizar a operacionalização da UTE GNA I.
Adicionalmente à oferta indicada acima, recomenda-se agregar a partir de setembro recursos adicionais.
Pacote de medidas
Mesmo com a piora, o ministro de Minas e Energia Bento Albuquerque voltou a descartar, nessa quarta-feira (25/8), que o governo não trabalha com a hipótese de racionamento. A declaração foi feita durante a apresentação de medidas para enfrentar a crise hídrica.
Dentre elas está a premiação para consumidores que conseguirem economizar energia, redução de 10% a 20% do consumo em repartições públicas federais entre setembro e abril de 2022 e programa voluntário de economia pela indústria.
Racionamento
Afonso Henriques foi secretário nacional de Energia em 2021, no auge na crise hídrica. Com risco iminente de reviver momentos com os enfrentados há duas décadas, ele diz que o racionamento já devia ser uma realidade. “Pelo preço que seja”, enfatizou.
Ao mesmo tempo, reconhece como necessárias as ações anunciadas pelo governo federal. “O que o governo está tentando fazer não está errado, mas está muito demorado para dar sinais efetivos”, analisou Henriques, que também é ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Para ele, há urgência em um tom mais firme para mobilizar a sociedade. “O governo está com medo de falar a palavra racionamento”, afirmou.
Medidas como essas são tratadas como paliativas. Henriques diz que todo o trabalho desenvolvido há 20 anos foi “jogado fora” e que “faltou engenharia” para evitar que o problema se repetisse.
Ele defende a revisão dos critérios no sistema elétrico do país e o uso de recursos alternativos, como termoelétricas. Além disso, sugere que que as hidrelétricas operem com um terço da capacidade, mantendo os reservatórios cheios.
Série histórica
A represa de Furnas já registrou níveis piores, entretanto, nenhum deles em um mês agosto. Para se ter ideia, o pior índice das últimas duas décadas foi computado em novembro de 2017. Naquela época, o volume útil caiu para 9,67%. Em agosto do mesmo ano, ele estava em 27,36%.
Com índice ainda pior que o de agosto de 2001, em janeiro de 2015 o volume útil foi de 9,83% – em agosto do mesmo ano, ele estava em 28,05%. Anterior a isso, em dezembro de 2012, o nível estava em 12,47%.
A mínima histórica registrada no reservatório da Usina de Furnas é 751,90 metros (6,28% do volume útil) em 3 de dezembro de 1999.
Operação da Usina
A Eletrobras Furnas informou que segue operando normalmente, conforme despacho do ONS com uma geração média em torno de 450 MW, o que corresponde a 37% da sua capacidade instalada de 1.216 MW.
O reservatório da hidrelétrica encontra-se atualmente na elevação 754,9 metros.
A Eletrobras Furnas ainda disse que “cumpre estritamente as determinações dos órgãos reguladores na operação dos empreendimentos hidrelétricos sob sua concessão”.
Os níveis dos reservatórios e a energia despachada são programados pelo ONS, responsável por operar o conjunto de reservatórios brasileiros de forma integrada, com o objetivo de garantir a segurança energética.
Impacto econômico
O baixo nível dos reservatórios gera um efeito dominó entre os municípios banhados pelo lago de Furnas e outras preocupações, dentre elas o da exploração do turismo.
O reservatório opera hoje com cota de 754,89 metros acima do nível do mar, 7,11 metros abaixo do que é considerado aceitável para as atividades, hoje fixada em 762 metros. Para a Represa Mascarenhas, mais conhecida como Lago do Peixoto, ela é de 663 metros.
“Gera desemprego nas atividades relacionadas com o turismo, que movimenta mais de 50 segmentos econômicos, na piscicultura, agricultura irrigada, grandes propriedades e pequenas de agricultura familiar”, afirmou o secretário executivo da Associação dos Municípios do Lago de Furnas (Alago), Fausto Costa.
Costa defende a ampliação da cota para minimizar o impacto da estiagem nos negócios do local considerado o maior potencial de turismo aquático da América latina,.
Ele também culpa a gestão dos operadores da política energética do país pela crise hídrica. “Existem várias outras formas de operar as hidrelétricas de modo a reter água”, afirmou. O secretário aponta como fonte alternativa para reduzir a sobrecarga das hidrelétricas as termoelétricas, solares e as eólicas.
“Manteria o lago cheio de água, atenderia o uso múltiplo e dava segurança energética em época de escassez hídrica como agora, com risco de novo apagão”, avaliou.
*Amanda Quintiliano - Especial para o EM