A compra de vans odontológicas pelo Complexo de Saúde São João de Deus, em Divinópolis, no Centro-Oeste de Minas, será investigada pelo Ministério Público. A 2ª Promotoria de Justiça, especializada na tutela das fundações, instaurou procedimento para apurar os fatos após detalhes do contrato, sigiloso, para prestação do serviço serem divulgados por vereadores da cidade.
Os veículos totalmente equipados foram comprados em julho de 2020, ao custo total de R$ 633.570,27. Eles seriam destinados para atender a um projeto social odontológico em parceria com a Associação dos Diabéticos de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.
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Motta, que foi tesoureiro da associação em 2010, destinou R$ 4,1 milhões no último ano para o São João de Deus. A diretoria alega que ele teria se identificado com o projeto de recuperação de deformidades craniofaciais.
Embora a parceria com a entidade se limite a serviços odontológicos a pessoas carentes, o hospital alega que o intuito era captar pacientes para a especialidade buco-maxilo-facial.
Afirmou também que a parceria teve “autorização” do Ministério Público das Curadorias da Comarca de Divinópolis e que não houve a utilização de dinheiro público para a compra dos veículos.
Leia a nota do CSSJD na íntegra.
Vans paralisadas
As vans estavam estacionadas em um terreno de posse do parlamentar, em Contagem, há cerca de cinco meses sem serem utilizadas. Há duas semanas, elas foram levadas para um pátio no Bairro Icaraí, em Divinópolis, onde permanecem paralisadas.
A alegação do CSSJD é que os mutirões de saúde estavam proibidos devido às restrições da Secretaria de Estado de Saúde (SES) impostas pela pandemia da COVID-19. Não foi divulgada data de quando o serviço deve ser iniciado.
“Indícios de irregularidades”
O contrato entre o hospital e a associação chamou a atenção dos vereadores de Divinópolis. Uma das cláusulas estabelece a doação dos veículos para a entidade após a prestação total do serviço, 600 atendimentos mês, ou ao fim de 12 meses. As localidades atendidas seriam indicadas pelas duas partes.
A transferência da propriedade seria a título de pagamento pelo custeio. A associação iria assumir todos os custos, como manutenção, gastos com despesas para prestação do serviço, deslocamento.
“E se ela (associação) não cumprir? A pandemia não deixou. Em um ano a van é sua pelo custeio. Custeio de quê? De três vans paradas em lotes vagos”, questionou o presidente da Câmara, Eduardo Print Jr. (PSDB).
Para a vereadora e membro da Comissão de Saúde Lohanna França (Cidadania), há “índicos de corrupção”.
“O que parece é que o hospital comprou essas vans com recursos próprios, depois o deputado direcionou as emendas e que parte desses recursos foi para pagar essas vans que depois serão embolsadas pelo deputado para fazer sei lá o que com o dinheiro”, cogitou.
Investigação
O Ministério Público confirmou que foi consultado pelo hospital no primeiro semestre do ano passado sobre o assunto. Na época, teria sido informado que havia sido ofertado ao São João emenda parlamentar e que o mesmo deputado teria feito a proposta para que integrasse o projeto social.
Em resposta à demanda do hospital, o MP apontou que não haveria impedimentos à parceria desde que observados os critérios legais e total transparência.
“Por outro lado, o Ministério Público não realizou a análise de quaisquer documentos, nem lhe foram apresentadas informações sobre as partes envolvidas”, alegou.
O órgão alega que “não compete ao Ministério Público qualquer ato de gestão ou assessoramento concreto da Fundação Geraldo Corrêa ou de qualquer entidade”.
Nega que tenha dado “autorização” ao hospital para a parceria. “Não é função do Ministério Público conceder “avais””, declarou.
Diante do noticiado sobre os termos e execução do contrato, a 2ª Promotoria decidiu instaurar o procedimento.
"Perseguição"
Ao postar nas redes sociais, o deputado tratou o caso como “perseguição”. Em uma transmissão ao vivo feita na porta da associação, na quinta-feira (26/8), disse que as emendas repassadas para o hospital são para custeio e “não para investimentos”.
A reportagem tentou contato com Léo Motta, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria.
Nota na íntegra do MP
"O Ministério Público é órgão incumbido pelo velamento das Fundações, atividade que em Divinópolis está afeta às atribuições da 2ª Promotoria de Justiça dessa Comarca.
No primeiro semestre de 2020, o Complexo de Saúde São João de Deus aportou nesta 2ª Promotoria de Justiça da Comarca de Divinópolis com a informação de que teria sido ofertada a ele a destinação de importante emenda parlamentar e que, no mesmo ato e pelo mesmo parlamentar, fora feita uma proposta em abstrato para que a Fundação integrasse um projeto social de assistência na prestação de serviços à saúde para a população carente, em parceria com uma Associação também ligada a tais fins.
Tal projeto, segundo a proposta noticiada, se constituiria no atendimento gratuito e itinerante na especialidade buco-maxilo-facial à população carente da região Centro-Oeste mineira, realizado por meio de três veículos equipados com consultórios. Ainda, segundo a proposta apresentada, estes veículos deveriam ser adquiridos pela Fundação Geraldo Corrêa com recursos próprios e que seriam mantidos em conjunto com a entidade parceira, inclusive cabendo a esta suportar os ônus financeiros decorrentes dos serviços prestados e da contratação de motoristas.
O Complexo de Saúde São João de Deus, por meio de seus Diretores, respondendo a indagações desta Promotoria de Justiça, afirmou que se interessava na expansão da prestação de tais serviços, pois havia carência nesta área para o público-alvo do projeto e que os custos seriam minimizados face à parceria que haveria de ser feita. Assim, inobstante a natureza itinerante dos serviços que seriam prestados, este Órgão, verificando – limitado aos objetivos do projeto, que se encontravam dentro do escopo de atuação previsto no estatuto da Fundação Geraldo Corrêa, consistente na prestação de serviços de saúde nesta Macrorregião, bem como na prática de filantropia – apontou-lhes
que não haveria óbice à sua formulação, desde que observados os critérios legais e total transparência.
Por outro lado, o Ministério Público não realizou a análise de quaisquer documentos, nem lhe foram apresentadas informações sobre as partes envolvidas, pois conforme dito, não compete ao Ministério Público qualquer ato de gestão ou assessoramento concreto da Fundação Geraldo Corrêa ou de qualquer entidade, razão pela qual as verificações do Ministério Publico se deram no contexto de um projeto meramente em abstrato.
Em resposta à indagação se o Ministério Público teria dado algum tipo de aval na parceria firmada entre a fundação mantenedora do hospital e a Associação dos Diabéticos de Contagem (Adic), a resposta é negativa, pois ao Ministério Público, em momento algum, fora noticiado nome de quem seria o parlamentar envolvido, nem apresentado nomes de possíveis associações parceiras ou qualquer outro elemento com relação a atos concretos de efetivação e da posterior execução do citado projeto.
Também, conforme questionado, não é função do Ministério Público conceder “avais” e, como órgão de controle, não lhe compete gerir, sendo-lhe vedado assessorar a formatação e formulação de contratos, pactos, aceites, políticas de gestão ou prestação de serviços por qualquer entidade que esteja no exercício autônomo de suas atividades, limitando-se exclusivamente ao seu campo de atribuições.
Esclarece, por fim, que diante daquilo que foi noticiado sobre os termos e a execução do contrato em tema, foi instaurado procedimento na 2ª Promotoria de Justiça, especializada na tutela das fundações, para completa apuração dos fatos e adoção das medidas que eventualmente se apresentem como necessárias."
*Amanda Quintiliano especial para o EM