Moradores do Conjunto Governador Juscelino Kubitschek, mais conhecido como Edifício JK, na Região Centro-Sul de Belo Horizonte, procuraram a polícia para denunciar casos de difamação, injúria, calúnia e até mesmo agressão física praticada por funcionários da administração contra condôminos que compõem a chapa de oposição.
Leia Mais
Nova comissão vai agilizar processo de tombamento do Edifício JKAudiência pública vai discutir futuro e possíveis desmandos no Edifício JKEdifício JK: gestão de quase 40 anos no prédio vira briga na JustiçaInfluencer Kamila Simioni é detida suspeita de agredir ex-funcionária em BH
Conforme o Estado de Minas mostrou em julho, quem se opõe à continuidade da gestão tão duradoura denuncia diversas ilegalidades que teriam sido cometidas pela atual síndica, entre elas ausência de contagem de votos, obstáculos para candidatura de chapas concorrentes - como exigência de fiança no impressionante valor de R$ 4 milhões -, não apresentação de balancetes de forma transparente e a exigência, por parte do condomínio, de autorização para reformas dentro dos apartamentos.
A briga na Justiça pela administração da cidade vertical de 1.139 apartamentos, que movimenta uma receita declarada de pelo menos R$ 7,2 milhões por ano continua, mas, enquanto o processo corre, moradores denunciam novas intimidações.
O último caso ocorreu nessa segunda-feira (30/8), quando o jornal interno circulou pelo condomínio com graves acusações contra um membro da chapa de oposição.
No formato 'bate-bola', a administração responde a supostas perguntas feitas pelos condôminos. Uma delas é: ''É verdade que há até uma pessoa desequilibrada que pleiteia se candidatar sem ter o mínimo de moralidade para assumir a função? E ainda dizem que vive bêbada por aí e que roubou o marido de outra mulher, levando o filho dessa mulher a quase morrer de overdose?''. A resposta foi: ''Por incrível que pareça, sim.''
Julieta Sueldo Boedo, de 48 anos, nascida em Buenos Aires e residente de Belo Horizonte há 20 anos, desde 2015 é moradora do Bloco B do JK. Ela é a única pessoa que anunciou, publicamente, a intenção de se candidatar a síndica. "Por isso, esses ataques se referem a mim. Nada disso é verdade'', disse.
O jornal interno não especifica quem enviou a pergunta e muito menos quem respondeu. Entretanto, é o condomínio responsável pela elaboração e circulação da publicação.
A pergunta seguinte é: ''Uma pessoa que age dessa forma tem alguma moral para ser candidata?''. A resposta foi: ''Não, pois isso fere os interesses de quem valoriza o fato de viver em um prédio que alcançou, depois de muito esforço, a fama de ser um ambiente familiar e muito bem cuidado. Queremos esses talibãs e milicianos longe da administração''.
Antes desse exemplar do jornal ter sido distribuído, Julieta contou que já tinha sido alertada por diversos vizinhos que funcionários estavam a difamando por meio de ligações ou indo presencialmente até os apartamentos. Além disso, solicitando a presença de alguns moradores na administração.
''Soube por meio de quatro moradores que eles foram chamados até a administração. Lá, um funcionário teria mostrado as matérias que circularam nos jornais para dizer que quero prejudicar o condomínio e desvalorizar os apartamentos'', relata Julieta. Diante disso, ela registrou um Boletim de Ocorrência ao lado de outro morador que também compõe a chapa de oposição.
Segundo o registro policial, feito em 25 de julho, que informa que ''por meio de ligação telefônica, as vítimas vêm enfrentando problemas com a gestão da síndica e, na qualidade de condôminos, apontam irregularidades na administração e decidiram lançar uma capa para correr''.
Ainda de acordo com o Boletim de Ocorrência, desde que lançaram uma chapa de oposição os dois moradores começaram a sofrer perseguições. ''Julieta foi informada que alguns funcionários a estariam difamando, a acusando de ser usuária de droga, aventureira, dentre outros adjetivos pejorativos'', afirma o BO.
Julieta contou que a situação se intensificou depois de a reportagem do Jornal Estado de Minas ser publicada, em 20 de julho.
Ainda de acordo com o BO, após a difamação, os funcionários queriam a assinatura de duas procurações - sendo uma para ajuizamento de interpelação judicial em seu desfavor.
''Após tudo isso, um homem usando uma fantasia de dedetizador compareceu na porta do apartamento de D., depositando sob a porta um papel contendo o número de 61 interpelações judiciais ajuizadas em desfavor da Julieta. Ambos estão se sentindo ameaçados e acuados'', afirma o boletim.
Ela conta que se tratam de interpelações judiciais de pessoas físicas, aparentemente moradores do JK, mas que ela não conhece. ''São quase idênticas e distribuídas em diferentes varas de BH'', disse.
Procurada pelo EM, a Polícia Civil de Minas Gerais (PCMG) informo que o caso está sendo investigado pela Delegacia Adida ao Juizado Especial Criminal, em Belo Horizonte. ''Demais informações serão repassadas em momento oportuno'', informou a PC por meio de nota.
''Eu estou me sentindo insegura, estou preocupada. Na última noite, não dormi nem quatro horas. Reforçar meu compromisso e seriedade com esse pleito. A chapa não possui questões pessoais contra a síndica. O que queremos são mudanças reais na administração, como transparência na prestação de contas e a conclusão de obras. Não são mentiras que vão me fazer desistir de tentar o melhor para o condomínio. Temos muito apoio de moradores, mas não é algo fácil lidar com tudo isso'', disse Julieta.
Em julho, Julieta já havia recebido uma intimação, por iniciativa da síndica, em que era acusada de difamação após dar entrevistas a veículos de imprensa sobre a eleição no JK. Inclusive ao Estado de Minas, que, na época, tentou contato com a síndica, mas não obteve retorno.
"Em 4/11/2020, foram publicadas inúmeras matérias jornalísticas, nos mais diversos veículos de imprensa, em que a requerida, moradora do mesmo condomínio, em entrevista, fez insinuações sobre a lisura, a transparência e a imagem da parte autora", diz o documento.
A síndica incluiu no documento um abaixo-assinado "feito por outros moradores do Condomínio JK, no qual pedem providências quanto às atitudes da ré, pois acreditam que elas possam se refletir até mesmo no valor das unidades imobiliárias existentes no condomínio, desvalorizando seu valor de mercado".
Em junho de 2020, o EM já havia mostrado relatos sobre cartas deixadas em apartamentos que ameaçam divulgar uma lista com nomes de moradores que teriam denunciado irregularidades na instalação de grades no condomínio.
"Ao que parece, chegaram outros aventureiros, dizendo-se salvadores da pátria do WhatsApp, agora com a ideia de resgatar o JK ao que era antes", dizia a carta. O bilhete diz ainda que o grupo atua com interesses "escusos”, na tentativa de “promover desordem” para desvalorizar os imóveis.
Agressão física
Outros episódios graves aconteceram no fim do ano passado contra Wesley Vieira Campos, de 72 anos, e morador do Bloco B do edifício. Ele, que também integra a chapa de oposição, denuncia três agressões entrou com pedido de medida protetiva.
Segundo o morador, em 6 de dezembro do ano passado, ocorreu o primeiro ataque por um dos funcionários. Ele contou que fixava o papel para a convocação da assembleia geral. Isso porque, segundo moradores, a definição da data foi comunicada aos condôminos nas vésperas e nem todos receberam o aviso. Foi quando um funcionário o empurrou. Um vídeo gravado pelo próprio Wesley foi anexado no pedido. As imagens mostram o funcionário chamando o idoso de 'retardado mental'.
Três dias depois, ele contou que esteve na administração do condomínio a pedido do gerente com o intuito de buscar documentos que caíram na recepção. Imagens mostram um dos funcionários dizendo que não havia documento perdido e que deveria ser 'problema de droga'.
Wesley conta que como não devolveu os documentos, os ânimos se exaltaram. Ao perceber que estava sendo filmado, Wesley contou que o agressor tomou o celular do idoso e o jogou no chão.
"Fui pegar alguns documentos que caíram no chão e eles falaram que eu deveria ir na administração. Quando eu cheguei, um funcionário me agarrou por trás, rasgou minha camisa. Jogou o meu celular no chão'', disse. Um boletim de ocorrência foi feito.
A terceira agressão e a mais grave aconteceu em 31 de dezembro. Wesley contou que estava com viagem definida e sem data de retorno prevista e foi até a sede para buscar o boleto com a taxa de condomínio do mês de janeiro. Ao sair do escritório, o idoso perguntou sobre o celular que havia sido quebrado. Neste momento, de acordo com a vítima, o funcionário deu um soco em sua nuca. ''Ele me pegou por trás e me deu um soco'', relembrou Wesley.
A lesão evoluiu com micro sangramento e culminou na necessidade de cirurgia. No laudo médico, consta que Wesley foi submetido a tratamento cirúrgico de hematoma intracraniano bilateral e manteve acompanhamento neurocirúrgico.
''Fiquei um tempo na casa da minha filha. A minha família está muito preocupada, teme pela minha integridade física. Mas eu decidi voltar para minha casa no início desta semana. Moro aqui desde 2006, gosto do meu apartamento e quero retomar a minha rotina'', relatou.
De acordo com o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) os processos atualmente estão tramitando no Juizado Especial Criminal. Dois processos correm na justiça: um refere-se a uma queixa crime de injúria de Wesley contra o subsíndico, ocorrida em 6 de dezembro de 2020. O segundo refere-se a uma apuração de lesão corporal de outro funcionário contra Wesley, ocorrida em 31 de dezembro de 2020.
''Nesse segundo houve pedido de advogada da vítima requerendo declaração de incompetência do JESP Criminal, sob argumento de novo laudo comprovando que a lesão não foi leve, mas sim grave, requerendo a redistribuição para Justiça Comum'', informou o TJMG. O Ministério Público opinou pelo encaminhamento do feito ao IML a fim de se confrontar os dois laudos.
A reportagem entrou em contato com a administração do condomínio e deixou um celular para contato às 15h08. Às 16h49, ligou novamente, mas sem retorno. Portanto, até a publicação desta matéria, a administração não se manifestou. A matéria será atualizada caso entrem em contato.
Enquanto isso...
Vitória para os moradores! Uma comissão formada pela Prefeitura de Belo Horizonte – representada pela Diretoria de Patrimônio Cultural e Arquivo Público da Fundação Municipal de Cultura – e moradores do Conjunto Juscelino Kubitschek, o Edifício JK, deve agilizar o processo de tombamento do condomínio projetado em 1952 pelo arquiteto Oscar Niemeyer.
A decisão foi tomada em audiência pública realizada na Câmara Municipal, nessa terça-feira (31/8), com a finalidade de debater a função social e arquitetônica do condomínio.
O processo administrativo para tombamento do edifício, aberto em 2007, encontra-se ainda em fase de instrução. A proteção provisória veda qualquer alteração, reparo, pintura ou restauração e a colocação de anúncios ou cartazes na fachada. Toda e qualquer intervenção deve ser submetida à apreciação e autorização prévia do Conselho Deliberativo do Patrimônio Cultural de Belo Horizonte (CDPC-BH).